VLT não, ônibus sim: projeto futurista, política antiquada



O projeto do Corredor Norte-Sul, uma espécie de freeway sofisticada para ônibus que vai ligar Jaboatão até Igarassu, está encantando muita gente. É muito bonito de se ver, dado o futurismo planejado para a obra e os ônibus biarticulados, e seria uma proposta admirável se não fosse uma triste verdade.

Em parte de tal via estava-se pretendido construir uma linha de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), e os ônibus terminaram prevalecendo e afundando a proposta ferroviária no canal da avenida Agamenon Magalhães, reiterando a cinquentenária política brasileira de exaltação da locomoção rodoviária em detrimento do trem como meio de transporte coletivo.

Das pessoas que veem hoje com olhos brilhando a moderna via passando cerca de dez metros acima do fedorento canal citado, poucas se lembram das velhas propostas do VLT, que o Diario de Pernambuco divulgou em maio e junho de 2008, quando queriam construir um estádio em Olinda. Pensava-se em ligar a estação de metrô Joana Bezerra ao bairro olindense de Peixinhos, passando pela hoje descartada Arena de Salgadinho, ou à PE-22 em Paulista.

Em ambas as opções então propostas, a linha de trem passaria acima do canal da Agamenon. Já hoje, quando o estádio da Copa de 2014 está confirmado para São Lourenço da Mata, contentaram-se em uma mixaria de VLT e metrô em São Lourenço e coincidentemente sepultaram o trem do canal sem vela, caixão nem velório.

Para nossa infelicidade, não vai mais ter trem ali. Mas sim um trecho do Corredor Norte-Sul, por onde ônibus vão ligar Cajueiro Seco (Jaboatão) até Igarassu.

O projeto, assinado pelo ex-prefeito de Curitiba Jayme Lerner, soa bastante modernoso, um modelo “vindo de países desenvolvidos”. Trata-se, na dolorosa verdade, de uma capa de inovação e futurismo vestindo uma bastante antiga e anacrônica política de transportes: a exaltação das rodovias e o desprezo, praticamente um ódio, ao transporte ferroviário.

Repete-se triunfante a iniciativa política que nas últimas décadas matou quase todos os trens de passageiros de média e longa distância do Brasil e não deixou que a maioria de nossas regiões metropolitanas desenvolvesse metrôs decentes, bem posicionados e suficientemente extensos.

Faz-se essa autêntica sacanagem numa época em que, mais do que nunca, o Grande Recife (a metrópole, não a ex-EMTU) clama por um suporte metro-ferroviário para o saturado sistema viário, demanda uma extensão bem maior de linhas de metrô de superfície mais VLT interligando lugares como as universidades federais, os grandes shoppings, o Ibura, os bairros do Centro Expandido e da Zona Norte do Recife, os municípios fora da extensão ferroviária atual, os terminais SEI distantes dos trens (Caxangá, Macaxeira, PE-15, Pelópidas, Igarassu), as praias...

É notável que nosso metrô é extremamente limitado. Tendo sido construído em cima das falecidas ferrovias de longa distância Linha Centro e Linha Sul (esta que ainda tem um pedacinho em funcionamento), está muito longe de satisfazer uma parcela significativa da população de Recife e região metropolitana.

Está ainda mais distante de caracterizar um sistema metro-ferroviário digno de uma cidade que sediará jogos de uma Copa do Mundo – e ameaça nunca sê-lo, considerando que, quando pensamos em tornar nosso modal metropolitano de trilhos decente o bastante para dar suporte a tal evento, ouvirmos o governo falando de acrescentar 600 metros e uma única nova estação ao metrô e instalar um VLT limitado em um único bairro é extremamente risível.

É praticamente certo que o que veremos depois da conclusão da obra será um transporte bastante caro – considerando que a turma é esperta o bastante para impor uma alta tarifa na integração com o Norte-Sul e aumentar muito as demais passagens com o pretexto da compra de muitos ônibus biarticulados, que são caros, para o corredor e de veículos simples para outras linhas do SEI – e a permanência, ou mesmo piora, da dificuldade de se andar de ônibus a partir de outros bairros, já que esses veículos continuarão poucos fora do SEI e afundarão nos engarrafamentos crônicos que o futuro próximo nos reserva.

Em vez de um transporte barato, ágil e à prova de engarrafamentos que um misto bem distribuído de metrô e VLT poderia proporcionar, teremos que continuar dependendo de ônibus caros, superlotados e lentos, afundados no trânsito que já hoje é caótico e abarrotado de carros. Não haverá praticamente facilidade nova nenhuma para quem não costuma utilizar linhas SEI usualmente. Como uma das sedes da Copa de 2014, nosso transporte público lerdo, bastante limitado e de tarifas salgadas fará vergonha ao mundo e a nós mesmos/as.

Não obstante toda a demanda urbana, turística e ambiental existente por estradas-de-ferro metropolitanas, persiste a atitude de recusar a valorização do metrô e do VLT e descartar uma linha de trilhos para, no final, privilegiar o bastante poluente e cada vez mais caro transporte por ônibus.

No final das contas, os interesses do rico empresariado de ônibus – que é um contrassenso até mesmo que exista, já que transporte coletivo deveria ser um serviço verdadeiramente público, essencial e pago por impostos tal como escolas, hospitais e delegacias – prevaleceram e não teremos mais trens na Zona Norte da RMR. Para olindenses e paulistenses, decepção.

Para piorar, com o aumento do número de ônibus que acontecerá com a não implantação do VLT, muito petróleo vai ser consumido, pneus vão sujar o meio ambiente, bastante fumaça vai ser jogada no ar. O impacto ambiental do Corredor Norte-Sul, em termos de recursos naturais e poluição, será bem maior que o de uma linha de VLT.

Sempre que precisar andar por essa freeway, por esse novo monumento ao urbanismo inconveniente e à prevalência dos interesses econômicos de gente graúda, em vez de comodidade eu sentirei decepção. Não me importa se prometem que vai haver um ônibus por minuto nessa futura via, me toca sim o fato de que permanece forte a velha política de desprezar com aversão o transporte ferroviário e privilegiar o empresariado do “busão”, dos pneus, do petróleo.



Sobre o antigo projeto de VLT:
Páginas livres:
http://olindaurgente.blogspot.com/2008/06/bondes-vo-voltar-cena-metropolitana.html
http://migre.me/7K7J

Páginas de acesso restrito para assinantes do Diario de Pernambuco:
http://www.pernambuco.com/diario/2008/06/15/urbana7_0.asp
http://www.pernambuco.com/diario/2008/05/21/esportes10_0.asp
Autor: Robson Fernando


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