CONTESTADO



CONTESTADO


O Contestado teria sido uma forma de Canudos, em outro lugar, no Sul do País. Há muito tempo um monge perambulou pelo estado do Paraná e Santa Catarina. Monge segundo afirmam os dicionários, é a pessoa que fica em isolamento por motivos religiosos e não ‘peca mais’. Palavra derivada do grego monachós, 'solitário', e do latim monachu, e ainda pelo latim vulgarizado monicu, e pelo provençal monge. Frade ou religioso de mosteiro, anacoreta e na zoologia brasileira tem o significado de barbudinho, bem como a pessoa que, por fanatismo ou cálculo, se isola da sociedade, levando, ao menos na aparência, vida austera, mais ou menos à feição dos beatos do Nordeste. O feminino de monge é monja. O latifúndio produziu o coronel. As grandes propriedades eram dominadas por políticos se assentava na sólida economia.

O coronel do sertão normalmente era um político. O poder do latifúndio resistiu a passagem dos séculos e à modernização do País, a luta pela reforma ou em torno da dela está na Constituição de a988. A Guerra do Contestado foi um conflito armado entre a população cabocla e os representantes do poder estadual e federal brasileiro travado entre outubro de 1912 a agosto de 1916, numa região rica em erva-mate e madeira disputada pelos estados brasileiros do Paraná e de Santa Catarina. Originada nos problemas sociais, decorrentes principalmente da falta de regularização da posse de terras, e da insatisfação da população hipossuficiente, numa região em que a presença do poder público era pífia, o embate foi agravado ainda pelo fanatismo religioso, expresso pelo messianismo e pela crença, por parte dos caboclos revoltados, de que se tratava de uma guerra santa, como aconteceu em Canudos. João Maria era o homem, ou o “cara”.

Muitos anos ele perambulou pelos Estados do Paraná e Santa Catarina um monge que atendia pelo nome acima citado. Depois da morte de João Maria, surge outra figura muito parecida de nome José Maria. Quem era José Maria? Outro beato que curava, receitava e aconselhava e com esses apetrechos foi amealhando sertanejos sem terras. A tática era a mesma de Antonio Conselheiro que parece ter criado escola pelos sertões. Além disso, ele anunciava a sua ressurreição e afirmava que ia voltar do céu, na figura de um índio descalço e manso com um cordeiro. Ao cair da tarde lia a Bíblia e um livro muito antigo de aventuras, cujo título era, Carlos Magno e os Doze Pares da França.

Alguém já ouviu falar nesse livro? Um adendo: “Para entender-se bem a guerra sertaneja, é preciso voltar um pouco no tempo e resgatar o valor da figura de três monges da região. O primeiro monge que galgou fama foi João Maria, um homem de origem italiana, que peregrinou pregando e atendendo doentes de 1844 a 1870”. Fazia questão de viver uma vida extremamente humilde, e sua ética e forma de viver arrebanhou milhares de crentes, reforçando o messianismo coletivo. Sublinhe-se, porém, que não exerceu influência direta nos acontecimentos da Guerra do Contestado que ocorreria posteriormente. João Maria morreu em 1870, em Sorocaba, Estado de São Paulo. O segundo monge adotou o codinome (alcunha) de João Maria, mas seu verdadeiro nome era Atanás Marcaf, provavelmente de origem síria.

Aparece publicamente com a Revolução Federalista de 1893, mostrando uma postura firme e uma posição messiânica. Sobre sua situação política, dizia ele "estou do lado dos que sofrem". Chegou, inclusive, a fazer previsões sobre os fatos políticos da sua época. Atuava na região entre os rios Iguaçu e Uruguai. É de destacar a sua influência inquestionável sobre os crentes, a ponto de estes esperarem a sua volta através da ressurreição, após seu desaparecimento em 1908. Não há bem que dure, pois uma companhia americana, a Lumber, arrendou a região em que eles viviam. Não queria tomar conhecimento de ressurreição nem de milagres, o objetivo precípuo era explorar madeira e abrir estrada de ferro. Convém salientar que as entrelinhas do que estava por vir estavam se amarrando entre si. A espera dos fiéis acaba em 1912, quando apareceu publicamente a figura do terceiro monge. Este era conhecido inicialmente como um curandeiro de ervas, tendo se apresentado com o nome de José Maria de Santo Agostinho, ainda que, de acordo com um laudo da polícia da Vila de Palmas, Estado do Paraná, ele fosse, na verdade, um soldado desertor condenado por estupro, de nome Miguel Lucena de Boaventura.

Como ninguém conhecia ao certo a sua origem, como aparentava uma vida reta e honesta, não lhe foi difícil granjear em pouco tempo a admiração e a confiança do povo. Um dos fatos que lhe granjearam fama foi à presunção de ter ressuscitado uma jovem (provavelmente apenas vítima de catalepsia patológica). Supostamente também recobrou a saúde da esposa do coronel Francisco de Almeida, acometida de uma doença incurável. Com este episódio, o monge ganha ainda mais fama e credibilidade ao rejeitar terras e uma grande quantidade de ouro que o coronel, agradecido, lhe queria oferecer. A partir daí, José Maria passa a ser considerado santo: um homem que veio a terra apenas para curar e tratar os doentes e necessitados. Metódico e organizado, estava muito longe do perfil dos curandeiros vulgares. Sabia ler e escrever e anotava em seus cadernos as propriedades medicinais das plantas encontradas na região.

Com o consentimento do coronel Almeida, montou no rancho de um dos capatazes o que chamou de farmácia do povo, onde fazia o depósito de ervas medicinal que utilizava no atendimento diário, até horas tardias da noite, a quem ou qualquer um que o visitassem. São nuanças que devem ser estudadas, mesmo não ter sido criada por este que vos escreve, mas o que diz a história. Depois deste episódio muita água correu por debaixo da ponte. Pegando um gancho no Wikipédia informamos que após a conclusão das obras do trecho catarinense da estrada de ferro São Paulo - Rio Grande, a companhia Brazil Railway Company, que recebeu do governo 15 km de cada lado da ferrovia, iniciou a desapropriação de 6.696 km² de terras (equivalentes a 276.694 alqueires) ocupadas já há muito tempo por posseiros que viviam na região entre o Paraná e Santa Catarina.

O governo brasileiro, ao firmar o contrato com a Brazil Railway Company, declarou a área como devoluta, ou seja, como se ninguém ocupasse aquelas terras. "A área total assim obtida deveria ser escolhida e demarcada, sem levar em conta sesmarias nem posses, dentro de uma zona de trinta quilômetros, ou seja, quinze para cada lado". Isso, e até mesmo a própria outorga da concessão feita à Brazil Railway Company, contrariava a chamada Lei de Terras de 1850 [4]. Não obstante, o governo do Paraná reconheceu os direitos da ferrovia; atuou na questão, como advogado da Brazil Railway, Affonso Camargo, então vice-presidente do Estado Esses camponeses que viram o direito às terras que ocupavam ser usurpado, e os trabalhadores que foram demitidos pela companhia (1910), decidiram então ouvir a voz do monge José Maria, sob o comando do qual organizaram uma comunidade. Resultando infrutíferas quaisquer tentativas de retomada das terras - que foram declaradas "terras devolutas" pelo governo brasileiro no contrato firmado com a ferrovia - cada vez mais se passou a contestar a legalidade da desapropriação. Uniram-se ao grupo diversos fazendeiros que, por conta da concessão, estavam perdendo terras para o grupo de Farquhar, bem como para os coronéis manda-chuvas da região. O "santo monge" João Maria rebelou-se, então, contra a recém formada república brasileira e decidiu dar status de governo independente à comunidade que comandava. Para ele, a República era a "lei do diabo". Nomeou "Imperador do Brasil" um fazendeiro analfabeto, nomeou a comunidade de "Quadro Santo" e criou uma guarda de honra constituída por 24 cavaleiros que intitulou de "Doze Pares de França", numa alusão à cavalaria de Carlos Magno na Idade Média.

Vejam como o fanatismo religioso reinava naquela época. Os crentes foram ameaçados e a luta começou. A luta que levou o nome de Contestado durou quatro anos e teve um saldo negativo de cinco mil mortos. A guerra do Contestado teve um final como o de Canudos. A guerra do Contestado inicia-se neste ponto: em defesa de suas terras, várias tropas do Regimento de Segurança do Paraná são enviadas para o local, a fim de obrigar os invasores a voltar para Santa Catarina. Estamos em outubro de 1912. Mas as coisas ocorrem bem diferentes do planejado. Tem início um confronto sangrento entre tropas do governo e fiéis do Contestado no lugar chamado "Banhado Grande". Ao término da luta, estão sem vida dezenas de pessoas, de ambos os lados. Morreram no confronto o coronel João Gualberto, que comandava as tropas, e também o monge José Maria, mas os partidários do contestado tinham conseguido a sua primeira vitória.

José Maria é enterrado com tábuas pelos seus fiéis, a fim de facilitar a sua ressurreição, já que os caboclos acreditavam que este ressuscitaria acompanhado de um Exército Encantado, vulgarmente chamado de Exército de São Sebastião, que os ajudaria a fortalecer a Monarquia Celeste e a derrubar a República, que cada vez mais se acreditava ser um instrumento do diabo, dominado pelas figuras dos coronéis. Vejam até que ponto chega à incredulidade humana. Este é mais um fato de deve ser estudado pelos brasileiros para que tomem conhecimento das lutas armadas do passado que aconteceram em solo brasileiro. Pensem nisso!


ANTONIO PAIVA RODRIGUES-MEMBRO DA ACI-ALOMERCE E AOUVIRCE
Autor: Antonio Paiva Rodrigues


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