Enterrados No Quintal



Qual seria a sua reação se você resolvesse fazer uma cisterna para represar água e ao cavar o buraco necessário para isso encontrasse dois esqueletos humanos, lado-a-lado, enterrados no chão do quintal da sua casa ? Pois foi exatamente o que aconteceu com o Frederico De Setta, um comerciante italiano que morava em Paquetá e que exportava frutas para a Europa. Êle comprara a antiga caieira do Camilo e a propriedade também incluía o cais e a praia que lhe ficavam em frente, local que passou então a ser chamado de "Cais do Frederico". Era onde está hoje o P.I.C. (Paquetá Iate Clube) e a caieira ficava onde existe hoje uma espécie de condomínio, que é administrado pela família De Setta desde que o seu negócio de exportação de frutas foi desativado. E foi por volta da quarta década desse século, que o seu Frederico achou as referidas ossadas e, segundo me contou a sua filha Amalfa, ela ainda se lembra muito bem da fisionomia transtornada do seu pai ao juntar as antigas peças de tortura que êle encontrou ao cavar para construir a cisterna e que juntou para sepultá-las no fundo do mar. Eram grandes "troncos" com argolas de metal, peças de ferro para prender os escravos pelos pés e diversas correntes. Ele juntou tudo numa grande catraia (embarcação antiga) e saiu na direção do fundo da baía, para sepultá-los no mar e Dona Amalfa ainda se lembra dos grandes carrinhos de ferro que corriam sôbre trilhos para o transporte do cal, mas ela nos disse que no seu tempo a atividade da caieira já era outra e que as antigas faluas, ao invés de trazerem conchas, chegavam abarrotadas de frutas, que eram descarregadas e encaixotadas, entre palhas, por enormes máquinas que ocupavam agora o grande galpão. Depois, era tudo recolocado nas faluas e levado para os navios que, no Continente, aguardavam para levar as frutas para a Europa. Esse negócio prosperou até a Revolução de 30 quando, então, começou a cair, obrigando o seu Frederico a transformar o local numa espécie de "avenida" de pequenas casinhas, muito humildes, que passaram então a prover a sua renda. Era a popular "caieira" e foi lá que o velho De Setta encontrou os esqueletos. A Polícia foi chamada, periciou o local e removeu as ossadas para o Continente, mas não se sabe até hoje que destino lhe deram.

Sendo o "Zé vovô" um dos moradores mais antigos de Paquetá, recorreram a êle em busca de uma explicação e foi então que êle disse que os esqueletos eram de dois escravos que trabalhavam na antiga caieira e que morreram num acidente de trabalho mas, como naquele tempo ainda não existia o Cemitério de Santo Antônio (atual Cemitério de Paquetá) e o Cemitério do Bom Jesus era só de catacumbas e os escravos não eram sepultados nele, eles eram sempre enterrados nos quintais das próprias caieiras ...

Ao ouvir essa história, logo pensei no Almanaque Lamerk, uma das coleções mais completas dentre as que catalogam as mais valiosas informações sôbre o Rio Antigo e no qual, de certa feita, encontrei referências à existência de mais de dez caieiras em Paquetá, além das de Brocoió e das outras ilhas do nosso arquipélago e então fiquei pensando, com base nessa informação do "Zé vovô", sôbre quantas outras ossadas de escravos ainda devam existir por aí, enterradas nos mais diversos quintais, principalmente naqueles aonde já existiram caieiras ...

Coisas de Paquetá ! ... 

Autor: Marcelo Cardoso


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