AÇUDE CACHOEIRA A MEMÓRIA DE SEU POVO



A MEMÓRIA DO POVO DO CACHOEIRA

Quando se pensa em memória imagina-se algo que nos remete a uma lembrança boa ou ruim, e o que é mais fantástico em tudo isso é, compreender os efeitos dessa lembranças na nossa vida e no meio em que vivemos. É bem verdade que, quando se analisa as relações de alegria ou conflitos existentes nessa relação entre memória e o dia-a-dia do ser humano, observa-se que alem de muito importantes, como constituinte de sua formação, e de seu desenvolvimento, torna-se um fator que lhe permite ver e encarar o mundo de forma mais livre.

Existe algo dentro da relação memória e vida, que se configura num fator desconcertante ou de desconstrução psicológica, é observável que quando existe uma quebra dessa memória, de forma impactante, violenta ou brusca, os efeitos no ser humano são catastróficos, gerando seqüelas irreversíveis e em alguns casos desenvolvendo no ser humano um trauma que o persegue por toda a vida e em casos mais graves chegando à morte.

Quando se trabalha algo complexo como o tema Cachoeira, e se tem um contacto maior com as pessoas que ali viveram e que lá tiveram tantas e tantas historia, de luta, de vida, de sofrimento, de alegria pra construir suas vidas e as vida de suas famílias, é que se percebe algo antes não visto. Todo um convívio de uma comunidade, que tinha o seu sistema organizacional bem definido no tripé da regra de ouro, humildade, igualdade e fraternidade, pessoas que conviveram com outras pessoas de sangue ou não que por alguns momentos se tornaram irmãos, compadres, comadres, amigos.

Tais relações de amizades que hoje se sustentam na memória permitem-nos analisar essa relação a fundo, mostrando-nos toda uma historia de luta e de união de uma comunidade, cada conquista feita por essa gente sertaneja, reflete-se em beneficio para os filhos, que por sua vez passam a amar o seu lugar de origem e defendê-lo, identificando-se com ele, e sendo parte constituinte daquele pedaço de chão.

Quem por algum momento que fosse, não experimentou uma noite na fogueira das tórridas noites de São João? As renovações nas casas dos compadres? O disse me disse das brincadeiras de cai no poço? As debulhas de feijão nas noites de luar? As paqueras inocentes que aconteciam entre as conversas na noite rural? Essas palavras que você acabou de ler, podem não ter muito significado se você mora em uma grande cidade do Brasil, mais pra comunidade do Cachoeira, isso é parte fundamental de sua identidade e de toda a constituição cultural, que formam os indivíduos daquela localidade.

O sertanejo tão sofrido cria em sua comunidade algo mágico que o favorece, desenvolvendo psicologicamente um mundo que só existe dentro de sua cabeça, onde ele é o personagem principal desta realidade, onde o real confunde-se com o eu, que por sua vez abre um leque de oportunidades, que determina através da relação com a lembrança, um elemento de formação do individuo, determinando quem ele é, ou será.

Em entrevista com a senhora Maria Creusa de Souza, para a confecção deste trabalho, no mês de Maio de 2008, onde a mesma que nasceu e morou ate os 18 anos na comunidade do Cachoeira, e logo mais foi estudar no Crato onde fez curso técnico em Enfermagem, indo morar em Fortaleza e São Paulo. Creusa, é um dos filhos (a) de Aurora e do Cachoeira que investiram no local e viveram o drama da construção do açude por tabela, sabia dos acontecimentos que outros informavam e presenciava pessoalmente quando vinha a Aurora e o Cachoeira.


“Nunca acreditei que fosse realmente acontecer, sabia do projeto, pelo original do Pe. França, mais achava impossível que acontecesse, tanto foi que comecei a construir a minha casa, que teve que ser demolida”.

Pessoas como D. Creusa, nos mostram que por mais que você viaje, more noutro lugar que não o seu, que tenha outra vida, outros costumes, aquelas velhas lembranças, nunca saem de você, você sai do seu lugar de origem, mais o lugar não sai de você, mostra-se assim a memória como fator determinante em nossas vidas, tanto que leva as pessoas a guardarem dentro de se mesmas um enorme desejo de voltar no tempo e reconstruir-se de novo, colando alguns cacos que o destino, a vida, ou o tempo fizeram com que se partisse de nós, essa busca constante por algo que nos complete esta presente em nós constantemente, fazendo-nos eternos amantes de um passado que não volta.

“No centro da cachoeira ficava a capela, de Santa Rita, depois veio o grupo, antes estudávamos na capela, sentados em bancos de madeira, onde também acontecia os terços coroação, casamentos, missas, batizados... fecho os olhos e vejo minha casa simples, meu pai era carpinteiro, e eu brincando de baixo dos pés de pinhão, as ladeiras enormes e o riacho onde tomávamos banho... Nunca me esqueci da casinha do meu pai, velha e torta que tinha a idade de meu irmão mais velho”.

Maria Creusa de Souza



Quando se pesquisa a memória, descobre-se um mundo ainda inexplorado, onde o universo ilusório confunde-se com o universo paralelo de forma homogênea criando um uma realidade paralela, que nos faz muito bem, a qual chamamos de lembranças. E é graças a essas lembranças que conseguimos recriar a historia de comunidades, vilas e lugarejos como o Cachoeira, preservando assim a essência mais pura da inocência humana, o sonho.

Este trabalho busca mostrar um mundo maior que o percebido, algo que ultrapassa os umbrais da parede do Açude, e vai alem do que se pode ver fisicamente, que se concretiza em todas as suas dimensões como direcionador das emoções e dos sentimentos tão conflitantes do Cachoeira, e essa mistura de sentimentos de dor, ódio, tristeza, desgosto, saudade e decepção, seguido por desconfiança e falta de fé em se mesmo. Desvela uma pagina da historia do Cachoeira, ignorada pelos poderes constituídos, “o povo”.

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Autor: JOTA DE AURORA


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