Lições de um Retiro Budista para o Ambiente Corporativo



Em 2007, me internei por seis dias num Templo Budista para participar de uma vivência monástica e meditação. Por vários motivos, a experiência foi sensacional. Em tempos de sucesso de obras como o Monge e o Executivo, vivenciar a rotina intensa e austera de um monastério me fez enxergar aspectos mais profundos da liderança e da convivência numa organização. Essa percepção me fez concluir a importância de cada membro engajar-se num objetivo e conduta únicos através de valores coletivos. Cooperação, comunicação, organização, ética, eficácia e liderança, foram percebidas por outro ponto de vista, ampliando significativamente meu repertório frente a assuntos tão familiares ao ambiente corporativo.

Uma experiência como essa nos leva a uma profunda reflexão intima. Não se trata de melhorar-se apenas como líder, mas de ampliar-se como ser humano e incluir-se como apenas mais uma peça na engrenagem organizacional. Vejo essa postura como a essência do que chamamos hoje de liderança servidora. Num ambiente como este, somos incitados à co-responsabilidade, inspirados por uma ética que se revela por um compromisso natural para uma convivência equilibrada, longe de conveniências superficiais, numa disciplina e pragmatismo, às vezes, desconcertante para os nossos padrões. Não há espaço para egocentrismos e seus desdobramentos. Quando se revelaram no perfil de um ou dois participantes mais desavisados, foram imediatamente extirpados pela Mestra responsável, com uma implacável assertividade e ternura impossível de resistir. Apesar de sugerir uma visão e um posicionamento bastante interessante para a vida prática, por questões óbvias, não entrarei na filosofia budista, me concentrando em partes da experiência organizacional.

Gestão do Tempo: Apesar da agenda ser bastante intensa (atividades das 6h às 22h), havia um tempo pré-determinado para cada atividade, inclusive o descanso. Quando não concluíamos certa tarefa no tempo previsto, tínhamos que abandona-la, pois a prioridade passaria para outra atividade pré-determinada pelo programa. Isso exigia do grupo uma constante adequação da forma como realizavam suas tarefas ao tempo disponível para sua execução. Toda agenda deveria ser cumprida, sem exceções. Não permitir invadir o tempo de outra tarefa e definir as prioridades no momento é fundamental. O foco ajuda a realizar cada tarefa bem feita e num tempo reduzido.

Liderança: Apesar do rigor e disciplina intensos, havia por parte da liderança, um cuidado e compromisso com o progresso de cada participante. Não havia nenhum tipo de paternalismo, mas um interesse pela pessoa. Ao contrário do que muitos imaginam, o pensamento Budista sugere uma postura bastante pragmática diante de qualquer desafio. Objetividade, percepção ampliada, equilíbrio emocional, determinação, disciplina, tolerância, compaixão, foco e bom humor são características muito marcantes da liderança servidora, sendo possível desenvolver tais atributos por meio do treino e esforço individual.

Senso de Equipe: Para cada dia era definida uma equipe para cumprir certas atividades, como lavar os banheiros, lavar a louça, limpeza do templo, serviço de garçom, etc., todos deveriam passar pelo menos uma vez, por todas as atividades possíveis. Passando por diversos papéis, elevou-se o nível de tolerância e empatia do grupo, pois todos enfrentaram os mesmos desafios e pressões para cumprir as mesmas atividades, elevando o senso de equipe e cooperação. O senso de serviço ao outro é um valor fundamental, executar o trabalho para beneficio de todos e não apenas para ganhos individuais.

Gratidão: Uma das lições mais emocionantes foi a gratidão expressa durante as refeições. Antes e após as refeições todos acompanhavam a Dedicação dos Méritos, isto é, através de uma “oração de agradecimento” aos agricultores, cozinheiros e quem mais havia contribuído para aquela refeição estar disponível aos presentes. Tal postura e cuidado demonstra o valor e respeito que se tem por todo o “processo produtivo” de qualquer coisa que ocorra na organização.

Comunicação e Desperdício Zero: Na maior parte do tempo, não era permitido falar uns com os outros. Mas durante as refeições era imprescindível a comunicação com os responsáveis por servir e como se comunicar sem falar? Por meio de um rápido treinamento, aprendemos um sistema de códigos por meio das tigelas dispostas na mesa, sendo uma tigela para cada tipo de alimento. Se o participante recusasse certo tipo de alimento (diga-se de passagem, uma situação deselegante e aceitável somente por restrições medicas, pois as refeições eram deliciosas) não deveria tocar na tigela; aceitando-a, deveria aproximar a tigela de si. Havendo necessidade de mais alimento, a tigela voltaria para posição inicial e o “garçom voluntário”, imediatamente serviria mais. O desperdício era inaceitável, tudo deveria ser consumido e as tigelas saírem quase limpas. Isso se associa ao cuidado que cada um deve ter com o desperdício zero na organização e como a organização, a comunicação eficaz e atenção contribuem para isso.

Ética: Uma das orientações mais interessantes foi o da etiqueta, por meio da sugestão de uma postura respeitosa e elegante de se portar. Por meio dela é possível atrair e ter o respeito de todos. A maneira de andar, de falar, de portar-se sugere atitudes calmas e suaves visando invadir o mínimo possível o espaço alheio, cultivando a discrição e o respeito. Sugerem esse mesmo conjunto de atitudes ao solucionar um problema ou tomar uma decisão, sem alardes e exageros, buscando uma forma apropriada de lidar com situações e pessoas. Acreditam que a pessoa que possui tais atributos gera confiança e contribuem para a ética e a moralidade.

Por meio dessa experiência, pude aprender que nosso processo de aprendizado envolve a ampliação de repertório e abertura de novos caminhos, talvez mais internos do que externos, para se alcançar a tão necessária excelência pessoal e organizacional.
Autor: Carlos Legal


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