Gandhi: valores, ética e qualidade de vida na liderança



Percebemos um crescente interesse por parte de muitas organizações sobre ética, valores, qualidade de vida e espiritualidade com objetivo de melhorar o desempenho de líderes e favorecer uma cultura organizacional mais sustentável. Considero essa tendência muito positiva e de uma importância que vai além dos interesses da empresa, pois as organizações atuais possuem um papel fundamental para ajudar na evolução das pessoas, refinando a cultura e o modo de pensar da sociedade.

Qualquer organização (família, empresa, cidade, país, planeta) é um aglomerado de indivíduos e cada um é co-responsável pelo seu êxito ou fracasso. Entender isto seria suficiente para nos mobilizar a refletir sobre que tipo de resultados nossas ações individuais estão gerando para nós mesmos, para o nosso próximo e para as gerações futuras?

Para falar sobre liderança e valores no contexto organizacional é necessário considerar essas questões. Considero a base de qualquer liderança a qualidade que a pessoa busca ser, pois somos seres inacabados, estamos evoluindo o tempo todo (física e intelectualmente). Temos de nos comprometer a melhorar a qualidade do que somos antes de melhorar a organização onde atuamos. Antes de melhorar a organização à qual pertence, melhore a organização que você é. Se liderança é a capacidade de influenciar pessoas, qual a qualidade da influência que você tem sobre si mesmo, seus próprios pensamentos e atitudes? Como vou lidar com o outro se não consigo lidar adequadamente comigo mesmo? Falamos com muita eloqüência sobre as relações que devemos construir com os outros, no poder da influência que o líder tem de ter sobre os outros, mas falamos pouco sobre a intimidade que devemos ter conosco. A mudança sustentável na organização começa pelo indivíduo, não há outro caminho.

O PROBLEMA

A fonte da crise de valores que vivemos atualmente é atribuída a uma falta de equilíbrio entre os direitos e deveres e ao excesso de expectativas da maioria das pessoas na obtenção de seus direitos. Culturalmente fomos condicionados a enfatizar os direitos e negligenciar os deveres. Um bom exemplo disso são alguns hábitos da cultura norte-americana, como o individuo negligenciar o seu dever de cuidar da própria saúde, fumando dois maços de cigarros por dia e, quando adoece, abrir uma ação judicial contra a empresa de tabaco, pleiteando seu direito à saúde. É uma grande inversão de valores. Em minhas palestras, tenho o hábito de perguntar às pessoas: “Quantos neste auditório gostariam de ver um mundo com menos violência? Por favor, levantem a mão”, sendo a manifestação unânime. Mas quando pergunto “Então, quantos de vocês praticam a não-violência no seu cotidiano, nos mínimos detalhes da vida, tratando as pessoas com justiça e respeito, cultivando pensamentos de compaixão e cuidando de sua saúde com disciplina?” e não sobra um com a mão para o alto. Gandhi dizia “seja você a mudança que quer ver no mundo”.

INTEGRIDADE: FAÇA O QUE FALO E O QUE FAÇO

E onde repousa minha excelência? Na minha integridade. E o que nos leva à integridade? Os valores assimilados e praticados, ou seja, o discurso coerente com a prática. Os valores nos ajudam a criar um padrão de conduta, criam sustentação e retidão na vida e nas ações, sobretudo na prática dos chamados valores universais. Os orientais chamam a prática desses valores de Dharma (do sânscrito Dhri, que significa trama, urdidura e tem o sentido de sustentação, limites e “reto agir”) e sua função é balizar e dar sustentação às ações.

A ética envolve os aspectos físicos e comportamentais que nos permite utilizar, de forma harmônica e sustentável, todos os bens da vida, permitindo que nossos descendentes também o façam. Numa abordagem mais ampla, ela existe para garantir a sobrevivência do Homem. Entretanto, a ética não é um valor por si só (como muitas vezes encontramos em algumas organizações a ética como um valor), mas um conjunto de valores sustentadores das ações e das relações humanas.

VALORES UNIVERSAIS

Então o que é um valor? É a consideração por uma atitude apreciada ou estimada pelo dono do valor. Valores são apropriados quando demonstram certas atitudes éticas. Um valor ético é um padrão de conduta apropriado originado na maneira pela qual eu desejo que os outros me vejam ou me tratem. As normas éticas não são exatamente regras arbitrárias feitas pelo Homem, mas originadas de uma consideração inerente e comum ao seu próprio interesse e conforto. Por isso, valores éticos são naturais e universais.

Os valores universais devem ser universais no conteúdo e relativos na aplicação, pois existem situações onde o que é considerado ético torna-se não ético, dependendo do contexto. Por exemplo, sou capaz de aplicar um valor pela verdade (um valor universal) de forma muito consistente e absoluta em relação às palavras dos outros, mas em relação às minhas próprias palavras, a aplicação será menos consistente e bastante relativa à situação. Porque isso? Afinal, a fonte dos meus valores é encontrada na maneira pela qual desejo que os outros me tratem. É fácil exigir que os outros observem padrões éticos de modo que eu possa ser o beneficiário (foco no direito). Parece-me menos fácil ser coerente na aplicação desses padrões no meu próprio comportamento.

Não podemos fugir dos valores porque ninguém, vivendo neste mundo, pode fugir dos relacionamentos. Desconsiderar um valor me coloca em conflito comigo mesmo, pois quando pratico uma ação que é um não-valor para mim, crio uma semente de culpa, que é tudo que preciso para produzir insônia. Na presença de conflito sua qualidade de vida fica comprometida (arrependimento, culpa, sentimento de fracasso) e culmina com o enfraquecimento do próprio caráter. Os conflitos aparecem quando sou incapaz de viver de acordo com um determinado valor que, consciente ou inconscientemente aceito. No entanto, o conteúdo universal dos valores só pode ser negado se não houver em mim qualquer preocupação pela forma como a outra pessoa me trata. Se eu desejo que a outra pessoa tenha uma determinada conduta comigo, então estou preso a um sistema de valores.

VALORES NA LIDERANÇA

Mohandas Gandhi, um homem extraordinário e um dos maiores exemplos de liderança da humanidade baseou sua conduta em dois valores universais: a não-violência e a verdade. Viveu isso com intensa disciplina e em nenhum momento de sua vida, como líder, negligenciou tais valores. Conta-se que, antes de tomar qualquer decisão, Gandhi submetia os resultados da decisão a esses dois valores. Se o resultado infringisse qualquer um deles, causando prejuízo a alguém, Gandhi não tinha dúvidas em refugar. Para compreendermos precisamente o conceito da não-violência e da verdade disseminados por Gandhi temos de conhecer o sentido das palavras que origina tais valores.

Ahinsa (do sânscrito A – negação e Hinsa – violência) significa guiar-se cuidadosamente, de modo a evitar que qualquer conduta ou comportamento venha a gerar dor, sofrimento ou humilhação, física ou psicológica a alguém. Nesse sentido, a conduta do líder deve seguir o esforço consciente para evitar causar qualquer atitude que venha a prejudicar alguém. É obvio que é praticamente impossível não causar sofrimentos, principalmente quando se está numa posição onde seu papel é cobrar, exigir, inovar e muitas vezes demitir. Mas quando você tem o compromisso consciente com este valor e as pessoas que o cercam estão cientes desse compromisso, gera a compreensão dos envolvidos. Deve-se fazer o que deve ser feito, com qualidade na ação. A comunicação adequada e assertiva, o “olho no olho” nos ajuda a superar o autoritarismo e a violência psicológica ou assédio moral nas relações entre líder e liderado.

Satya (do sânscrito Satya – verdade) não se limita apenas à palavra, mas a autenticidade. A verdade é fundamental para se conquistar a credibilidade e confiança dos seus. Não é somente a abstenção da mentira, mas a busca de uma perfeita coerência entre os pensamentos, as palavras e os atos. Também diz respeito ao compromisso de não iludir os outros, criando falsas expectativas com aquilo que não pode ser cumprido.

Há uma passagem da vida de Gandhi onde, numa reunião com colaboradores na África do Sul, ele deveria ler um documento. Um dos presentes se manifestou, pedindo que Gandhi não lesse o texto, pois ele não concordava totalmente com seu conteúdo, por um motivo particular bastante forte. Gandhi então perguntou se havia mais alguém na sala que se opunha à leitura do texto e nenhum outro membro se manifestou. Surpreendentemente, Gandhi decidiu que não leria o texto. Questionado sobre sua decisão, ele afirmou que se tivesse mais alguém que se opusesse à leitura, ele teria lido, pois seria excessivamente humilhante para apenas um membro do grupo ser excluído. Se quisermos nos manter no caminho para um padrão de liderança mais elevado, teremos de expandir a aplicação da melhoria continua de modo a incluir a prática da ética. Temos de considerar a prática de valores universais no estilo de gestão.

Gandhi lançava mão de votos para se impor à disciplina necessária para manter seu compromisso. Na vida prática, isso equivale à “decisão irrevogável”. Por exemplo, quando um indivíduo toma a decisão de jamais tomar drogas, ele não tem de passar pelo processo de decisão a cada oportunidade que se apresente – a decisão já foi tomada.

COMO DESENVOLVER VALORES UNIVERSAIS NA ORGANIZAÇÃO?

Nunca de forma autoritária ou baseada na moral. Somente quando reconheço o valor dos valores universais em minha vida e estou disposto em assimilá-los, aí sim eles se tornam valores pessoais. A diferença é que o valor assimilado não exige escolha da minha parte, torna-se espontâneo. Para um valor não-assimilado tornar-se valor assimilado preciso:

Exercitá-lo deliberadamente até que esteja convencido de seu valor. Para se tornar espontâneo devo considerar seu valor em minha vida pessoal.

Reconhecer os resultados danosos (médio e longo prazo) do meio-valor.
Autor: Carlos Legal


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