Prestadores De Serviço E O Artifo 129 Da Lei 11.196/05



PRESTADORES DE SERVIÇO E O ARTIGO 129 DA LEI 11.196/05 SITUAÇÕES ATUAIS E SITUAÇÕES PRETÉRITAS Renato Zanolli Consultor Jurídico Zara Consultoria Tributária e Empresarial [email protected] Introdução Desde o advento da Lei 11.196 muito se debateu sobre a possibilidade de substituição da relação de emprego por pagamentos a pessoas físicas (nas prestações de serviços intelectuais, científicos, artísticos e culturais), observando-se o regime de tributação próprio das pessoas jurídicas. Fomos instados por clientes a promover estudos nesse sentido, para afastar essa má interpretação da lei. Em nossas pesquisas, procuramos demonstrar a inviabilidade dessa interpretação evidenciando que os efeitos tributários próprios de pessoas físicas (relação de emprego) somente serão afastados quando a prestação de serviços se der por meio de pessoa jurídica constituída para a efetiva prestação dos serviços contratados, perseverando entretanto o direito do contratado (prestador) reclamar, se for o caso, os direitos trabalhistas de que se julgue titular. Nossas pesquisas adentraram ao projeto de lei, onde pudemos conhecer o veto presidencial ao parágrafo único do art. 129 da Lei 11196/05. Todos tem o dever de interpretar a norma legal É sabido que o operador do direito (procurador, promotor, advogado) e até mesmo ao cidadão comum, pouco importando se investidos ou não das atribuições e poderes de magistrado, tem o dever de interpretar a norma legal porque, afinal, todos a ela se subordinam. Óbviamente, para aplicação das normas é necessário entendê-las e, para isso, interpretá-las. Entender seus efeitos, extensão e alcance, integrando-as ao sistema. Interpretação da Norma (Hermenêutica e Exegese) É possível ao intérprete se restringir à interpretação literal da lei, todavia não pode ser outro o entendimento sobre o artigo em tela a não ser o de que a norma do artigo 129 da Lei nº 11.196/05 tem caráter interpretativo, conforme a seguir procuraremos explicar. A interpretação literal é uma primeira análise da legislação, portanto não cabe ao intérprete se apegar aos excessos de literalidade da lei, eis que o intuito da interpretação é justamente aprofundar-se na busca real do verdadeiro sentido da norma, através dos métodos interpretativos criados pela doutrina clássica e hermenêutica. A esse respeito, recorremos aos ensinamentos doutrinários do ilustre Professor Nilton Latorraca(1) que aborda a questão da interpretação da norma tributária com maior propriedade, quando assim leciona: "(...)A interpretação literal é insuficiente. O Direito, como ciência normativa que é, exige que a interpretação da lei vá muito além de sua literalidade lógica; exige que ela seja essencialmente teleológica. O intérprete há de ter em vista o fim da lei, o resultado que a norma procura atingir no caso concreto, sem deixar de considerá-la como parte de um conjunto sistematicamente orgânico, cuja finalidade última é regular a vida humana organizada em sociedade. (...) Em síntese, o intérprete deve procurar examinar não só a estrutura da norma, mas também e principalmente o seu fundamento e a sua função, tudo no contexto social e histórico, demarcado pelos aspectos espacial e temporal determinados pela vigência da norma." É certo que o Código Tributário Nacional (CTN) enumera os casos em que há vedação expressa a qualquer outro tipo de interpretação que não a literal, conforme se depreende da leitura de seu artigo 111. No entanto, a doutrina e a jurisprudência avançaram de tal sorte nas questões de interpretação das normas, que mesmo em relação à esses casos (mencionados no artigo 111) existem manifestações contrárias ao uso exclusivo da interpretação literal, consoante copiamos a seguir as considerações tecidas pelo Ministro Demócrito Reinaldo no julgamento do Recurso Especial nº 40.553-0/PE: "(...) o artigo 111 do Código aludido estabelece que deve interpretar-se 'literalmente' a legislação tributária que disponha sobre a outorga de isenção (inciso II). É bem verdade que o próprio Supremo Tribunal Federal já entendeu ser descabida essa imposição de interpretação meramente literal, mesmo porque certos termos podem ser multívocos, isto é podem deter mais de um significado, sendo impossível o uso dessa técnica em muitos casos. Cientificamente, a interpretação apenas literal, que teve seu auge após a Revolução Francesa e no curso do século XIX, está hoje de todo superada. De fato, a interpretação literal é apenas o primeiro passo no processo hermenêutico, que precisa levar em conta outros fatores, como o sistema em que se insere a norma, os fins da lei, e assim por diante, sendo certo que, de regra, todos os métodos de interpretação devem concorrer na busca da verdade jurídica. Entendo, pois, que na verdade o artigo 111 proíbe a interpretação extensiva ou qualquer outro mecanismo hermenêutico que implique em a isenção abranger situações não preconizadas na norma que a outorgou (...)" Assim é, que evidencia-se que tanto a doutrina quanto a jurisprudência afastam a literalidade como única interpretação da norma, quando esta conduz à situação divergente daquela buscada pelo legislador em sua edição. Sendo assim, como dissemos nas linhas acima, acompanhamos o nascimento da norma desde o PL, e outra alternativa senão darmos um passo adiante da interpretação literal da lei para, identificarmos o intuito do legislador. Mister, portanto, examinar a "Justificação" da inclusão do artigo 129 no Projeto de Lei de Conversão da Medida Provisória nº 252, de 15 de junho 2005 (PLV 23/05), conforme copiamos abaixo: "Os princípios da valorização do trabalho humano e da livre iniciativa previstos no art. 170 da Constituição Federal asseguram a todos os cidadãos o poder de empreender e organizar seus próprios negócios. O crescimento da demanda por serviços de natureza intelectual em nossa economia requer a edição de norma interpretativa que norteie a atuação dos agentes da Administração e as atividades dos prestadores de serviços intelectuais, esclarecendo eventuais controvérsias sobre a matéria." (Grifos nossos) Ora quando o legislador ofereceu a "justificação", o que fez? Ora, como o próprio nome diz a justificação é a explicação, a justificativa para a aprovação de determinado projeto de lei, extraindo-se daí o motivo da necessidade de se editar tal norma. Diante do que, constata-se que a "justificação", emanada pelo Poder Legislativo para acompanhar os projetos de lei equivale à "exposição de motivos", emanada pelo Poder Executivo, na edição de uma medida provisória ou de própria lei. E o que é a exposição de motivos? Foi em De Plácido e Silva (2) que encontramos a seguinte lição sobre o conceito acerca da exposição de motivos: "Exposição de motivos. Denominação dada ao preâmbulo ou considerandos, que antecedem os textos do projeto de lei ou de qualquer outra resolução, para mostrar as suas vantagens e necessidades. É uma justificativa às medidas ou regras que se consignam nas leis apresentadas para aprovação ou em quaisquer outras resoluções de ordem administrativa." A clareza do trecho transcrito é suficiente para definir a exposição de motivos como a justificativa dada pelo legislador à lei ou medida provisória que se pretende aprovar/editar, demonstrando todas as vicissitudes que permeiam o instrumento normativo. Doutrinariamente a exposição de motivos e, conseqüentemente, a justificação são instrumentos que auxiliam o intérprete a entender o real sentido da norma, verifiquemos qual é a posição dos nossos Tribunais Superiores acerca do assunto. A Primeira Turma do STJ no julgamento do REsp 426663 admitiu a possibilidade da compensação de tributos alegada em embargos à execução fiscal para demonstrar a extinção do crédito tributário, levando em consideração a exposição de motivos da Lei de Execuções Fiscais (LEF), leia-se: "RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. COMPENSAÇÃO. CRÉDITOS DE VALORES RECOLHIDOS INDEVIDAMENTE SOBRE A REMUNERAÇÃO DE AUTÔNOMOS, ADMINISTRADORES E AVULSOS. POSSIBILIDADE. 1. O art. 16, § 3º, da Lei nº 6.830/80 veda a alegação de compensação como matéria de defesa em embargos à execução fiscal. Sua Exposição de Motivos ressalva, porém, essa possibilidade, no caso de créditos líquidos e certos e autorização legislativa. (...) Atendido o primeiro requisito, qual seja, o direito líquido e certo ao crédito, e, em seguida, lei específica permissiva da compensação, não há óbice em utilizar-se a contribuinte dos embargos do devedor para sustentar a nulidade da certidão de dívida ativa. 3. É admissível a alegação da extinção do crédito pelo instituto da compensação, em embargos à execução fiscal . 4. Recurso especial desprovido." (Recurso Especial - REsp 426663 - RS - Relatora Ministra DENISE ARRUDA, 1ª Turma, STJ, DJ 25/10/2004) (Grifos nossos) Na mesma linha, a 2ª Turma do STJ, ao julgar o REsp 439059 baseou sua decisão na exposição de motivos do Decreto nº 2.917/98 para manter a exigência do IPI à alíquota de 5% (cinco por cento), nos termos em que segue: "RECURSO ESPECIAL - ALÍNEA "A" - TRIBUTÁRIO - IPI - ALEGADA OFENSA AO ART. 4º DO DL N. 1.199/71 - INOCORRÊNCIA. (...) Consta da Exposição de Motivos do Decreto n. 2.917/98 que a elevação da alíquota do IPI para 5% "tem o objetivo de ajustar a tributação do IPI sobre o açúcar, revogando-se em conseqüência, o Decreto nº 2.501, de 18 de fevereiro de 1998, por não persistirem as razões que motivaram a atribuição de crédito presumido a estabelecimentos fabricantes para equalização dos preços do produto em todas as regiões do País". Depreende-se, facilmente, que o ajuste da tributação do IPI sobre o açúcar, a que se refere a Exposição de Motivos, insere-se nos objetivos da política econômica governamental a que se refere art. 4º do Decreto n. 1.199/71. Em síntese, a exigência do IPI à alíquota de 5% sobre a produção do açúcar, conforme estipulado no Decreto n. 2.197/98, não contraria o disposto no Decreto n. 1.199/71. Recurso especial não conhecido." (Recurso Especial REsp 439059 - SC - Relator Ministro FRANCIULLI NETTO, 2ª Turma, STJ, DJ 22/03/2004) (Grifos nossos) A leitura das ementas acima colacionadas, é suficiente para que se depreenda que a exposição de motivos, assim como a justificação proferida pelo Poder Legislativo, norteiam o trabalho do intérprete de modo a demonstrar a real intenção do Legislador quando da criação da lei. É de rigor acentuar que a interpretação dada a uma norma pelo contribuinte vale tanto quanto aquela emprestada à mesma pelo fisco. É tão verdadeira tal afirmação, que tal interpretação pode ser contestada, administrativa ou judicialmente. Lógicamente, nos deparemos com a interpretação que foi concebida pelo legislador, a denominada interpretação autêntica, que se sobrepõe a qualquer outra. Sabemos que antes de vir ao mundo jurídico a norma recebe manifestações de vontade do legislador, do executivo, ou mesmo dos lobistas de plantão que arquitetam o texto da lei. Assim aconteceu com a conversão pelo Poder Legislativo da Medida Provisória No. 252 na Lei 11.196, que acrescentou o artigo 129, pois a interpretação que lhe deram e que chegou inclusive à mídia não pode ser rotulada de definitiva, indiscutível e incontestável. Não podemos fugir da regra de interpretação do direito que declara que qualquer norma, em princípio, até que seja declarada inconstitucional pelo Judiciário, é válida e tem força vinculante, obrigando a todos. Efetivamente, não se pode simplesmente ignorar um comando normativo (norma acompanhada de sanção), sob a alegação de que é inválido, ineficaz, inaplicável. Sabe-se porém, que sua aplicação pode depender de regulamentação sem a qual seria impossível a sua exigência. Impossível a sua exigência, porém sua eficácia já tem vida. Mas há normas que não dependem de regulamentação, como é o caso do art. 129, portanto, este não pode ser ignorado devendo por isso ser imediatamente aplicado. O que vale dizer que todos tem o dever de cumprir uma norma enquanto em vigor; ao revés, submeter-se-á, por sua insubordinação civil, ao risco de ser punido. Em determinados casos a punição alcança apenas seu patrimônio (multa, na maioria dos casos); noutros mais extremos, até a privação de sua liberdade. Assim é, que quando o cidadão sentir seu direito maculado ou apenas ameaçado pela norma que a ele obriga e subordina, deve socorrer-se no Judiciário para encontrar a reparação ou afastamento da regra legal, e, só o Judiciário, poderá, por sua decisão, produzir efeitos limitados a ele (parte), ou, dependendo do mecanismo processual utilizado, efeitos gerais extensíveis a todos aqueles que poderiam encontrar-se sob o comando daquela norma (efeito erga omnes). Sublinhe-se, que qualquer método interpretativo da lei não está limitado ao texto escrito (interpretação gramatical) é preciso considerar aspectos históricos vigentes à época da edição da norma, sistema legal no qual a norma se insere, sua especialização, finalidade dela, etc. Assevere-se, por ser de rigor, que também não pode desconsiderar sua redação gramatical, eis que esse é o ponto de partida de qualquer interpretação. Observe-se, que a interpretação gramatical não é o fim, mas o início, a partir do qual todos os demais métodos interpretativos deverão ser aplicados. Fizemos essa introdução porque julgamos ser necessária para a perfeita compreensão das considerações que pedimos "vênia" para lançar em seguida. Evidentemente, o nosso entendimento acerca do alcance desse dispositivo legal, poderá encontrar fortes opositores, especialmente no tocante a interpretação, extensão e alcance do artigo 129 da Lei em comento. Se não vejamos. Art. 129: "Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil." Como dissemos, nossos estudos evoluíram até o PL, que em sua redação original, concebida pelo legislativo contemplava um parágrafo único, que acabou vetado pelo Chefe do Executivo, assim redigido: "O disposto neste artigo não se aplica quando configurada relação de emprego entre o prestador de serviço e a pessoa jurídica contratante, em virtude de sentença judicial definitiva decorrente de reclamação trabalhista." PRIMEIRA QUESTÃO É possível dizer que da leitura do texto gramatical do artigo 129 pode se dizer que qualquer prestador de serviço, sem se constituir em empresa, verá afastada a incidência das regras fiscais e previdenciárias? Não estando escrito no texto, é possível se depreender ou inferir do texto, ou do sistema normativo onde a norma está inserida tal interpretação? Haveremos que retroceder no tempo para analisar a interpretação conferida á terceirização, notadamente à partir do Enunciado 331 do TST, assim lançado: "III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e subordinação direta.". Outrossim, na mesma época, houve uma alteração na CLT, quando foi inserido o parágrafo único ao artigo 442, com as seguinte redação: "Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela." Consequentemente, a partir do Enunciado 331 e do parágrafo único do artigo 442 da CLT, as porteiras se escancaram, surgindo a partir de então inúmeras cooperativas de trabalho. Como não podia deixar de ser, o Judiciário seria instado a dar solução a uma infinidade de processos que entupiram os seus ralos, eis que os cooperativados começaram a reclamar os direitos trabalhistas que teriam sido lesados através das relações cooperativas. Há mais de década e meia, vivenciamos uma situação caótica, porque não apenas atividades-meios como também atividades-fins das empresas passaram a ser dolorosamente terceirizadas. É óbvio, que nada acontece sem causa, e a impiedade surge em face da brutal majoração da carga tributária das empresas, inclusive previdenciária e fundiária, introdução de mecanismos legais que foram tornando a contratação de mão-de-obra absurdamente cara, demissões em massa de trabalhadores provocadas pelas políticas econômicas do govêrno, dando aso a um excedente de mão-de-obra que, sem opções, submete-se à contratação sem relação de emprego formal. Certamente, essas contratações fizeram das cooperativas a solução da moda. É certo que desde aquela época, empresas eram constituídas, seus sócios, eram os antigos empregados, com mais um sócio detentor de diminuta participação, suficiente apenas para garantir a constituição da sociedade prestadora de serviços. Empresa e empregado precisam oferecer emprego e ser empregado, mas os custos são proibitivos, outra alternativa não há se não encontrar um meio de redução dos custos de ambas as partes contratantes, como único meio de garantir um emprego. Sabe-se que anteriormente a contratação de profissionais sob a forma de pessoa jurídica era objeto de contestação pelos agentes da Secretaria da Receita Federal (SRF) e do Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS), haja vista que estes entendiam que tratar-se de um expediente para driblar o pagamento de tributos, bem como disfarçar a existência de vínculos empregatícios. Rotulavam, com essas justificativas, contratações de pessoas jurídicas nesses moldes como fraude à lei e abuso de forma, daí porque elas eram autuadas no intuito de, na esfera previdenciária, exigir da contratante o recolhimento das contribuições sociais e, no âmbito da SRF, impor a tributação correspondente para a pessoa física, que suporta maior carga tributária. Os advogados, sabiam e sabem, que não havia fundamentação legal para essas autuações e pelo princípio da legalidade, tudo aquilo que não for proibido pela lei é permitido. Observe-se, que por esse prisma jurídico, não podemos deixar de registrar que não há qualquer disposição legal que impeça ou restrinja a possibilidade de um indivíduo constituir uma pessoa jurídica para a prestação de serviços. Ao revés, apontamos o artigo 647 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99), aprovado pelo Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 que, sem dúvida alguma dispõe acerca da possibilidade e da licitude dos serviços profissionais serem prestados por pessoas jurídicas, sem que isso configurasse fraude à Lei Tributária. A questão é que a Fazenda, justificou as autuações das empresas que trabalhavam da forma mencionada, no fato de que tais sociedades se dedicavam à prestação de serviços profissionais de caráter personalíssimo, o que, a rigor, seria indisponível, intransmissível e inalienável. Realmente a pessoalidade é uma característica para as sociedades prestadoras de serviço em comento; todavia, frise-se, não existe objeção na lei para que contratassem os serviços através de pessoa jurídica. Na Constituição Federal, encontramos um ponto de apoio que deve ser analisado, através do princípio da livre iniciativa previsto no artigo 170 da Carta Magna que assegura que o cidadão organize sua atividade econômica de forma menos onerosa, inclusive em termos fiscais, desde que, logicamente, pratique atos em consonância com a Lei. Não nos escusamos em revelar que decisão da Justiça do Trabalho reconheceu que o serviço de jornalista pode ser prestado por uma pessoa jurídica, julgando improcedente o pedido de suposto vínculo empregatício existente entre o reclamante e a empresa de televisão reclamada. A sentença, fundamentada no fato de que ao optar em prestar o serviço por meio da pessoa jurídica, para ter o benefício da redução da tributação, não poderia o reclamante também pretender o reconhecimento do vínculo do emprego, pois o mesmo tinha discernimento suficiente para saber o que estava fazendo. Esses comentários são importantíssimos, pois revelaram que as situações anteriores, inclusive aquelas autuadas pelo Fisco, não eram ilegais, portanto não mereciam ser assim tratadas. Cumpre-nos agora verificar quais os efeitos inerentes à edição do artigo 129 da Lei nº 11.196/05 haja vista que, se antes não havia qualquer disposição legal que impedisse a constituição de pessoa jurídica para a prestação de serviços profissionais, o quadro agora foi modificado diante da existência uma norma que expressamente prevê que os serviços de caráter personalíssimos, prestados por sociedades nos estritos ditames legais, não podem ser descaracterizados para fins previdenciários e tributários. Assim é, que é chegado o momento de avaliar o art. 129 da Lei 11196, que ao que no nosso entendimento, veio nesse contexto pretendendo, graças a força de um bem-sucedido lobby, afastar os riscos das partes contratantes. No tocante às relações de trabalho, registre-se que a edição do artigo 129 não veda que a prestação desses serviços se dê através da contratação da pessoa física prestadora de serviços, caso assim seja a vontade do contratado, na medida em que apenas permite a possibilidade dos serviços serem prestados por meio da contratação de uma pessoa jurídica. Outrossim, o veto presidencial do parágrafo único desse artigo, que previa a inaplicabilidade do artigo 129 nos casos em que houvesse sentença judicial definitiva no âmbito da Justiça do Trabalho, em nada interfere, tampouco prejuízo traz aos reclamantes. Há entendimentos que na hipótese de reconhecimento de vínculo empregatício, a despeito do veto presidencial, o regime do artigo 129 torna-se automaticamente inaplicável. Vejamos, se a Justiça Trabalhista, ao apreciar o caso concreto, identifica que a prestação de serviços por uma pessoa jurídica possui, na verdade, todos os indícios de uma relação de emprego entre o tomador e o prestador do serviço, configurando o vínculo empregatício, não poderá haver outra tributação incidente que não a da pessoa física. Nesse caso, portanto, a aplicabilidade do regime do artigo 129 para a prestadora de serviços fica prejudicada, devendo recair sobre a pessoa física empregada, ainda que na legislação não haja menção expressa. É óbvio, que nestes casos, é preciso que ocorra a descaracterização da pessoa jurídica e o reclamante sofrerá pesados ônus em decorrência disso. O que diz o artigo 129? ADONILSON FRANCO (*) afirma faz a seguinte leitura do dispositivo: "Uma interpretação possível seria assim: 'Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, (parte que poderia ser desconsiderada na interpretação: "em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada,") se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil." O fato é, que da leitura feita pelo brilhante tributarista, conclui-se que isto já era assim! Sempre foi assim! É óbvio que os serviços prestados por pessoa jurídica só podem ser tributados pelo regime atribuível às pessoas jurídicas!!! Desnecessária uma nova lei para determinar o que já é! Dessa leitura conclui-se que o artigo 129 veio disciplinar o que já se encontra disciplinado. Outrossim, partindo-se dessa interpretação, vamos avaliar o comando legal com o propósito de encontrar o real sentido da norma, valendo-nos mais uma vez do brilhante ADONILSON FRANCO, que faz a seguinte interpretação: a) a regra geral seria: os tais serviços quando prestados por pessoas jurídicas sujeitam-se apenas às legislações fiscal e previdenciária a elas aplicáveis; b) exceção: quando tais serviços forem prestados por pessoas físicas também se subordinam à legislação aplicável às pessoas jurídicas; c) a ênfase constante da alínea "a" apenas viria reforçar que a regra não exclui nem pessoas físicas, tampouco jurídicas. Ainda assim, não se pode dizer que é a melhor interpretação motivada pela ausência técnica da norma, que certamente foi lançada no mundo jurídico às pressas, para atender os interesses comuns do legislador e do executivo, com certeza os vícios decorrem do fortíssimo lobby que precedeu o seu nascimento. Observemos que a expressão "quando por esta realizada" precisa ser interpretada com muita profundidade, pois está ali para cumprir, no conjunto do comando normativo, muito mais do que aparenta. Tal expressão insinua-se por ser da essência do comando e sua própria condição. Assim é, que conclui-se, que somente quando por sociedade prestadora de serviços realizada a prestação de serviços intelectuais, científicos, artísticos, culturais é que, para fins fiscais e previdenciários subordinam-se eles à tributação aplicável às pessoas jurídicas. A finalidade do artigo 129 seria só a de impedir que a contratação de serviços por meio de prestadores de serviço cobertos pelo manto da pessoa jurídica fosse questionado ou rejeitado pelo fisco? O veto presidencial ao parágrafo único do artigo 129, permite-nos dizer que mesmo sendo configurada a relação de emprego entre o prestador de serviço e a pessoa jurídica contratante, ainda que reconhecido o vínculo por sentença judicial definitiva decorrente de reclamação trabalhista, ainda assim prevalece o regime aplicável às pessoas jurídicas, desde que tenha ocorrido a prestação de serviços por pessoa jurídica. A desconstituição da Pessoa Jurídica O artigo 129 remete ao artigo 50 do Código Civil, que diz: "Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica." Não é raro constatar-se que empresas constituídas com determinado objeto social para específico ramo, desviar a sua finalidade e atuar em ramo diverso com o objetivo de pagar menores tributos como microempresa. Por exemplo: O empresária "A" para se aproveitar da tributação favorecida de microempresa, administrador ou vendedor, constitui sociedade cujo objeto social é a prestação de serviços de digitação, hipoteticamente, mas a prestação de serviços seria efetivamente outro, no exemplo, administração ou vendas. Inúmeras são as hipóteses de desvio de finalidade, indicamos aqui apenas um exemplo o qual, em verdade, é mais real do que possa parecer. Constata-se no exemplo, evidente desvio de finalidade entre o objeto social e a atividade efetivamente realizada. Estabelecer-se-á ai a confusão patrimonial, caracterizada com a apropriação das receitas pela prestação dos serviços em favor diretamente da pessoa natural do sócio sem transitar pela conta-corrente da empresa. Obviamente, só o caso concreto pode estabelecer os limites dessas conceituações de desvio de finalidade e de confusão patrimonial. Assim é, que a norma, determina que, no caso de verificação de abuso de personalidade jurídica caracterizado por qualquer desses dois elementos (desvio de finalidade ou confusão patrimonial), mesmo no caso de pessoas jurídicas constituídas pelo prestador de serviços (com mais um sócio), pode o ente público tributante (Receita Federal ou INSS) ou mesmo o Ministério Público requerer a desconsideração da personalidade jurídica para exigir os tributos que seriam devidos no âmbito de uma relação de emprego, pagos porém no regime próprio de personalidade jurídica. Ao que nos parece, é que a fiscalização e a imposição de penalidade deveriam, nesse caso, ser sempre dirigidas ao prestador de serviços porquanto inobstante tenham se beneficiado da redução da carga tributária tanto o tomador (contratante) quanto o prestador (contratado), o comando legal disposto no art. 129 é endereçado ao prestador porque somente este pode desviar a finalidade ou provocar confusão patrimonial em claro abuso da personalidade jurídica da sociedade de que é titular. Resulta da leitura que acabamos de fazer do artigo 129 que a norma veio, reconhecer que quando pessoas naturais regularmente constituídas em empresas prestarem serviços como pessoas jurídicas, o INSS, IR, PIS, COFINS e CSLL (inclusive no regime de fonte) - e, claro, ISS embora inalcançado pela norma no caso por versar a Lei 11196 tema que se resolve no âmbito de competência exclusiva da União -, deverão seguir o tratamento próprio aplicável às pessoas jurídicas, sem o risco de autuação, salvo nos casos de abuso da personalidade jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Na verdade, ao respaldo do artigo 129, o contratante e o contratado, busca-se sem contrariar os ditames do artigo 110 do CTN, a substituição de incidências mais gravosas por outras mitigadas. É de rigor esclarecer que até aqui nos ativemos a tirar conclusões exclusivamente ao âmbito tributário (INSS e tributos e contribuições e federais); todavia, é certo que nada poderá afastar do prestador de serviços a faculdade de insurgir-se contra a relação contratual firmada através do Código Civil, para reclamar direitos trabalhistas. Com o veto do parágrafo único ou sem o veto do parágrafo único, o contratante de serviços tem o direito de postular a reclamação trabalhista. Mas é preciso lembrar que essa faculdade que o prestador de serviços tem para ingressar no corredor que conduz à Justiça Trabalhista, precisa de uma chave que está guardada na arca da norma contida no artigo 50 do Código Civil Brasileiro, isso porque quando o prestador de serviços assim agir, autorizará o contratante, sendo o caso, invocar aplicação do art. 50 do Código Civil postulando aplicação das disposições do mesmo art. 129 da Lei 11196 (Código Civil, art. 177), de modo a reclamar seja exigido do contratado obrigações relativas ao INSS e tributos e contribuições não recolhidos ou recolhidos a menor pelo regime próprio de pessoas jurídicas já por se tratar, a contratação até então havida, de negócio jurídico nulo, posto simulado, nos termos do art. 166, IV c/c art. 167, II, ambos do Código Civil. E isso, no nosso entendimento, dentro do âmbito da própria ação trabalhista requerendo seja a Receita Federal e o INSS para tanto oficiados. Sendo assim, se o prestador de serviços ingressar com a reclamação trabalhista contra o tomador dos serviços, estará expressamente confessando, que o contrato firmado pela pessoa jurídica da qual é titular, foi simulado, devendo imediatamente ser aplicado o artigo 50 do Código Civil Brasileiro, desconsiderando-se a pessoa jurídica, devendo todos os recursos financeiros provenientes dessa contratação ingressarem diretamente na pessoa física do prestador de serviços, sofrendo tributações como pessoa física e não como pessoa jurídica; outrossim, estará também ferindo a regra do artigo 177 do CCB, podendo dele ser exigido todas as obrigações relativas ao INSS e tributos e contribuições que não foram recolhidos, eis que o negócio jurídico que acobertava as contribuições anteriormente feitas é nulo, portanto não surtiu nenhum efeito. Assevere-se, que o prestador de serviços terá que recolher o total dessas contribuições, não é a diferença do que recolheu na situação simulada com a situação rela, deverá recolher o total das contribuições, com multa, juros, atualização monetária, além de sofrer a aplicação de autos de infração e imposição de multa. Os tributos recolhidos na forma simulada, não serão compensados; o prestador de serviço terá que ingressar com o pedido de restituição desses tributos, haja vista que não estavam acobertados pelo manto jurídico do ato jurídico perfeito, eis que em face da simulação confessada, o ato que respaldava aquelas contribuições inexiste no mundo jurídico. Situações Pretéritas Nossos estudos concluíram que de acordo com o disposto na justificação da inclusão do artigo 129 no PLV 23/05, não pairam dúvidas de que a norma em comento tem caráter iminentemente interpretativo, devendo, notadamente, ser aplicado a fatos pretérito, conforme estipula o artigo 106 do Código Tributário Nacional, in verbis: "Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; II - tratando-se de ato não definitivamente julgado: a) quando deixe de defini-lo como infração; b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo; c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática." Concluído que estamos diante de uma norma de caráter interpretativo, é certo que ela pretende apenas garantir que o regime adotado pelas pessoas jurídicas prestadoras de serviços não poderia ser questionado pelo Fisco ou pela Previdência, vez que esse modelo vinha sendo freqüentemente contestado, a despeito de nada estar proibido em lei. Diante da natureza interpretativa do artigo 129 da Lei nº 11.196/05, a Fazenda Nacional e o INSS deverão respeitar a aplicação retroativa da norma, nos termos do artigo 106 do CTN. Ou seja, tanto as fiscalizações em andamento quanto as autuações já efetuadas poderão se beneficiar das disposições do artigo em tela. Conclusão Primeiramente, assevere-se que a norma estampada no artigo 129 não trouxe novo regime jurídico mas, tão-somente esclareceu o que já deveria estar sendo admitido pelo Fisco e pela Previdência, entendemos que há o afastamento, por definitivo, da insegurança jurídica dos prestadores de serviços profissionais organizados em forma de pessoas jurídicas. Ressalte-se, que da análise da justificação da inclusão do artigo 129 no Projeto de Lei de Conversão da "MP do Bem" enxerga-se bem nítido que este se tratava de norma de caráter meramente interpretativo, fato que, se coaduna com a evolução das relações de trabalho a que o Brasil por ora tem experimentado. Concluímos assim, que o artigo 129 da Lei nº 11.196/05 jogou uma pá de cal aos questionamentos do Fisco e da Previdência, sendo inquestionável a legitimidade de tal procedimento, inclusive em relação aos fatos pretéritos. Notas (1) Latorraca Nilton, in Direito Tributário: Imposto de Renda das Empresas, 15ª edição, Jurídica Atlas,p. 59 (2) In Vocabulário Jurídico, Editora Forense, 1999, p.340. (*)Sócio Titular de Franco Advogados Associados, Advogado de Empresas em São Paulo; Pós-Graduado em Direito Tributário; Professor no Curso de Pós-Graduação em Direito Tributário do Centro de Extensão Universitária (CEU); Autor de Matérias Publicadas na Revista Tributária e de Finanças Públicas (RT); Revista Dialética de Direito Tributário; Revista de Estudos Tributários, além de em inúmeros sites especializados.
Autor: renato zanolli


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