Marcação Cerrada



Revista Investidor Institucional
Pág. 20 – Setembro de 2009

Apesar de consultores indicarem a marcação a mercado como ideal para os papéis públicos no caso de planos de contribuição definida, fundações insistem em realizar marcação na curva

Com o aumento do número de planos de Contribuição Definida (CD) e Contribuição Variável (CV) entre os fundos de pensão brasileiros, os debates em torna da marcação a mercado ou na curva de títulos públicos ganhou espaço. Muitas fundações se vêem em meio ao dilema de contabilizar seus papéis por seu valor nominal de compra até o vencimento ou por seu preço diário de mercado, o que pode gerar maior volatilidade nas cotas. A discussão envolve especialmente os planos CD e CV, nos quais o valor da cota é determinante para estabelecer o montante do benefício pago.

A própria Secretaria de Previdência Complementar (SPC) foi questionada sobre o assunto por algumas fundações. Porém, de acordo com Patrícia Monteiro, coordenadora-geral da Secretaria, as mudanças em estudo na Resolução 3.456 do Conselho Monetário Nacional (CMN), que legisla sobre os investimentos fundos de pensão, não contemplarão o assunto. “Como é uma discussão mais complexa, preferimos não entrar nessa seara agora. Mas, na minha opinião, a marcação a mercado tende a prevalecer”, disse Patrícia durante evento organizado por Investidor Institucional no último dia 20 de agosto. Portanto, mesmo depois de feitas as mudanças na resolução, permanece tudo como está no que se refere à marcação dos títulos públicos: cada fundação deve avaliar as implicâncias de marcar papéis na curva ou a mercado.

A discussão em torno do tema não é nova. Em fevereiro de 2002, o Banco Central determinou que todos os gestores marcassem a mercado os papéis de seus fundos de investimento, o que causou na época forte volatilidade no setor.

O valor dos títulos no mercado caiu muito após a mudança, porque havia a expectativa de que o País declarasse moratória depois da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva. O que motivou o banco Central (BC) e Comissão e Valores Mobiliários (CVM) a decidir pela marcação a mercado foi a visão de que, na marcação na curva, se o fundo sofre um grande saque, o gestor é obrigado a vender os títulos a qualquer preço, de forma que o prejuízo acaba ficando para o investidores que saem por último. Além disso, a marcação a mercado evita que o valor da carteira fique defasado em relação ao seu valor real. Entre as fundações, a regra não mudou porque elas são geridas pela Resolução 3.456 do CMN, e não diretamente pela CVM.

OS DOIS LADOS DA MOEDA – Demóstenes Marques, diretor de investimento da Funcef, é um dos defensores da marcação na curva. Com uma carteira de R$ 12 bilhões em títulos públicos distribuídos nos planos BD e CV, 15% do total estão marcados a mercado e outros 85% na curva. Na opinião dele, a marcação a mercado gera uma volatilidade desnecessária na voa do participante, que passa a ter de ficar atento às condições de mercado na hora de decidir resgatar. “Se o título for mantido na carteira de investimento até o vencimento, independente se ele está marcado na curva ou a mercado, ao final do período ele terá rentabilizado exatamente o mesmo montante pelas duas metodologias. A diferença ocorre se houver a alienação do papel antes do vencimento”, explica Marques.

O diretor da Funcef afirma que, como ambas as metodologias deságuam na mesma rentabilidade o título está marcado a mercado, pode ser que no início do período ele renda mais, e no final tenha que render menos por conta da alta já obtida. “Um papel pode render mais no começo, porque a taxa de mercado caiu, e depois terá de render menos, porque no final não tem como rentabilizar mais do que se estivesse marcado na curva”, diz. Para ele, essa é a desvantagem de se marcar a mercado. Um participante que ficou apenas três anos no plano, por exemplo, pode receber mais do que outro que permaneceu por mais tempo e só vai sair posteriormente, em um momento em que a rentabilidade daquele título não estará tão boa.

Na opinião de Marques, se existe a possibilidade de eliminar a volatilidade de um papel, o melhor é fazê-lo. “Ações e fundos DI são ativos que não têm essa dupla possibilidade de precificação e contabilização. Esses outros ativos podem ser usados para fazer a liquidez necessária para o pagamento dos benefícios e coberturas de eventuais resgates e portabilidades que os participantes venham a demandar. Isso permite que o gestor mantenha as NTNs marcadas na curva até o vencimento”, completa.

Marques destaca que pagar os participantes com a alienação de outros ativos que não sejam os títulos públicos não significa transferência de riqueza. “Porque, no final, o papel terá rendido exatamente a mesma coisa do que se ele estivesse marcado a mercado, e o participantes que sai ou se aposenta num período qualquer durante essa permanência do título público na carteira vai levar sua cota a rentabilidade proporcional ao tempo que esteve convivendo com o papel”. Ele exemplifica: se o gestor adquire um papel de dez anos, marcado na curva, o participante que sai depois de três anos vai levar exatamente três décimos da rentabilidade do papel, assim como aquele que sair depois de dez anos levará 100% da rentabilidade do título. “Quando está marcado a mercado, você não sabe em que patamar aquela rentabilidade estará ao longo do período, pode estar acima ou abaixo do papel marcado na curva.”

O diretor da Funcef ressalva, no entanto, que se existir a necessidade de alienar o papel para que o participante possa resgatar ou receber o benefício, não há outra saída a não ser marcar a mercado. “Agora, se puder existir um planejamento do plano de benefícios para que o papel permaneça até o vencimento, independentemente dos movimentos de pagamentos de benefícios, resgates e portabilidades, e a fundação puder fazer esses pagamentos com outros ativos da carteira de investimentos, nós entendemos que é o mais adequado para que possa haver uma distribuição proporcional da rentabilidade do papel ao longo do tempo que ele permaneceu na carteira.”

Essa é exatamente a estratégia da Funcef. Todos os resgates, pagamentos de benefícios e portabilidades são pagos com outros ativos que possam ser vendidos, e não com os títulos públicos de longo prazo marcados na curva. Ao mesmo tempo, a fundação mantém ao menos 15% dos títulos marcados a mercado, de forma a aproveitar janelas de oportunidades que venham a aparecer. “Fundos de pensão não são fundos de investimento. Por isso, o participante não precisa atentar para momento de mercado, para como estão se comportando as taxas de juros, na hora de pedir a aposentadoria. A gente entende que, no plano de previdência, a decisão de resgatar ou se aposentar não é baseada na situação de mercado, e sim, em sua situação laboral, no seu ciclo de vida previdencial”, comenta.

Não é o que pensa Marcelo Rabbat, responsável pela área comercial da Risk Office. Segundo ele, pagar os resgates, benefícios e portabilidades com outros ativos que não sejam os do participante significa transferência de riqueza, “o que é proibido em qualquer regime de fundo de pensão” com planos CD e CV. “Você pode até carregar ativos na curva em planos CD, desde que você diga quem paga a conta. Vai ter ganhadores e perdedores, mas esse tipo de jogo não se pode jogar com a aposentadoria”, critica.

Rabbat lembra que, caso todos os participantes decidam deixar o plano ao mesmo tempo, não há dinheiro suficiente para cobrir esses resgates, já que os títulos marcados na curva não podem ser facilmente vendidos. Para ele, cumprir as obrigações financeiras com recursos de outros ativos não é uma boa idéia. “Você não pode passar dinheiro de ninguém para ninguém, só nos regimes onde ocorre solidariedade entre participantes, como é o caso dos regimes de Benefício Definido”, completa. “Não há mutualismo no CD, só no BD”, diz.

Na opinião de Gustavo Melo, chefe da área de ALM da RiskOffice, a idéia de que a distribuição da rentabilidade é mais justa quando o título é marcado na curva é equivocada. “Se um participante entrar no plano depois que o gestor já comprou o papel, pode estar comprando uma cota mais barata do que seria justo comprar ao preço de agora. Estará diluindo o dinheiro dos demais”, afirma. “Além disso, a liquidez não vai poder ser segurada com outros ativos se todo mundo resolver sair”, completa. Rabbat explica que as cotas dos planos CD são uma fração ideal do patrimônio de um participante. Dessa forma, os ativos de públicos a mercado para que eles pudessem fazer frente a despesas como resgates, pagamento de benefícios e portabilidades, ou para a compra de outros ativos. “Procuramos fazer o estudo de ALM de tal forma que tenhamos uma projeção do que vamos precisar manejar num prazo mais curto. Esse montante marcamos a mercado”, explica Simino. Segundo ele, a maior parte dos títulos está marcada na curva para manter o casamento entre ativo e passivo. “Aquilo que, nos estudos da ALM, temos confiança maior que podemos carregar até o vencimento, deixamos marcado na curva.”

De acordo com Simino, não há planos de a fundação mudar essa estratégia no curto prazo. “Fazemos estudos de tempos em tempos. Neste momento, não temos a intenção de mudar. Mas isso não significa que, amanhã ou depois, refazendo os estudos, a gente não ache interessante colocar mais papéis no mercado”, comenta. Ele explica que o fundo também leva em conta a questão da maturidade. Os títulos mais curtos ficam a mercado, e os mais longos, na curva. No entanto, Simino ressalva que cada fundação de analisar qual o melhor caminho a tomar. Para ele, se há um plano em extinção, a recomendação é ficar na curva. “Se é um plano CD ou CV é recomendável ficar mais a mercado. Mas existem várias circunstâncias para serem avaliadas e ponderadas. Essa discussão ainda não é um consenso.”

Mesmo assim, Simino ressalva que planos de previdência, mesmo os CD e CV, não têm a mesma característica de fundos de investimento, nos quais há cotistas aplicando e sacando diariamente. “No caso dos fundos de investimento, não há dúvida que o melhor é manter os papéis a mercado, como se estabeleceu desde 2002, porque é necessário ter justiça no cálculo para quem está entrando e saindo. Só que no caso dos fundos de pensão, há uma série de variáveis que devem ser levadas em conta”, comenta.

A Valia utiliza estratégia semelhante à da Fundação Cesp. Segundo Maurício Wanderley, diretor de investimentos da entidade, a maioria dos títulos públicos está marcada na curva, porque o maior plano que a fundação detém é de Benefício Definido. No entanto, há alguns papéis longos, e, portanto, marcados na curva, mesmo nos planos de Contribuição Definida. “Como temos a intenção de levar até o vencimento, os títulos mais longos são marcados na curva. Já os títulos de curto e médio prazo, que têm uma atuação mais tática na carteira, são marcados a mercado”, diz Wanderley. Sessenta por cento do patrimônio do plano BD da Valia está em Renda Fixa, sendo que 88% são títulos marcados na curva (títulos públicos longos e debêntures) e 12%, a mercado. Nos planos CD, 70% do patrimônio está renda fixa, sendo que 58% representa títulos marcados na curva e 42% papéis marcados a mercado.

Ele explica que a grande questão em torno da preferência por marcar na curva é o fato de a marcação a mercado trazer uma volatilidade maior à cota. “Mesmo nos títulos mais longos dentro dos planos CD acredito que seja mais adequado marcar na curva. Isso porque esses planos são diferentes dos fundos de investimento tradicionais, que têm visão de curto prazo. Os planos CD, assim como os BD, têm horizonte longo. Então, fazer alocações que tragam muita volatilidade à cota não faz muito sentido. “Wanderley lembra que, diferentemente dos fundos de investimento, o turn over é menor nos fundos previdenciários, o que possibilita a manutenção desses papéis na carteira até seu vencimento. Segundo ele, no caso de títulos públicos mais longos, muitas vezes não há mercado secundário forte o suficiente para existir uma marcação justa de preço. “Há distorções de preço que eventualmente acabam ocorrendo”, lembra.

Na opinião de Ricardo Weiss, diretor de investimentos da Fapes, fundo de pensão dos funcionários do BNDES, o melhor é marcar tudo a mercado para dar maior transparência à carteira. “Temos somente um plano BD e mesmo assim marcamos tudo a mercado”, diz. Rabbat, da Risk Office, concorda com a posição tomada. Segundo ele, de nada adianta deixar apenas alguns títulos a mercado. “Ou são todos a mercado, ou são todos na curva”, conclui.
Autor: Assessoria de Imprensa Web


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