ESPECIAL ETANOL: CONCORRÊNCIA DESMONTA ESTRUTURA FAMILIAR DE USINAS



Agência Estado
08 de março de 2007

São Paulo, 08 - O aumento de interesse mundial pelo etanol, culminando na visita do presidente norte-americano George W. Bush ao Brasil amanhã, esta mudando a estrutura do setor de açúcar e álcool no Brasil. Acostumados com a presença marcante de empresas familiares, os empresários agora assistem a entrada de grandes competidores internacionais. Até agora, a líder de mercado, Cosan, pode avançar com determinação, comprando empresas e se firmando como a grande consolidadora do setor, que vive um dos processos mais intensos e rápidos de fusões e aquisições.

A partir de agora, no entanto, o cenário ficará mais complexo. A inserção de novas empresas tende a elevar o valor dos ativos existentes, dificultando a estratégia da Cosan de liderar o processo de consolidação no Brasil. "Quando o grupo iniciou as aquisições há dois anos, comprava baratíssimo. Hoje, os valores da época não são mais suficientes", afirma Adriano Blanaru, analista-chefe da Link Corretora. Prova disso é a derrota sofrida na tentativa de compra da Vale do Rosário, usina com capacidade de moagem de 10 milhões de toneladas de cana-de-açúcar. Na ocasião, o grupo de acionistas minoritários liderados por Cícero Junqueira Franco, diretor da Vale do Rosário, e Luiz Lacerda Biagi obtiveram R$ 1,35 bilhão do Bradesco para comprar 80% de participação e evitar a compra pela Cosan, que estava disposta a desembolsar R$ 1,6 bilhão para ter 100% da Vale do Rosário. Como comparação, basta lembrar que a Cosan pagou US$ 275,3 milhões para adquirir a usina Corona, com 6 milhões de toneladas de capacidade, em fevereiro do ano passado. "A disputa provou que há recursos sobrando no mercado. Ao mesmo tempo, a Cosan não quis avançar na briga pela usina para não inflacionar ainda mais o mercado", diz Luiz Fernando Abussamra, coordenador de agronegócio da RiskOffice* Consultoria.

O analista Felipe Hirai, do Merrill Lynch, lembra que diferentes competidores tem entrado no mercado com o objetivo de comprar usinas, o que na prática eleva o preço dos ativos. Dreyfus, Cargill, Noble Group, Infinity Bio-Energy e Clean Energy Brazil são exemplos de empresas tentando investir no setor, como lembra o analista do Merrill Lynch. Hoje, o Brasil possui mais de 300 usinas e as dez maiores empresas dominam apenas 30% do mercado. "A consolidação é um processo inevitável porque o ganho de escala é fundamental para se manter no mercado", afirma o analista Marcio Kawassaki, da Fator Corretora.

O aumento da concorrência no setor sucroalcooleiro, decorrente das perspectives de grande crescimento do mercado de etanol, poderá ainda derrubar os preços do álcool e do açúcar, em razão de um possível excesso de oferta. "O risco é que a entrada de novas usinas aumente a pressão sobre os preços do açúcar, afetando seu valor no mercado", diz. Ele lembra que o preço do item alcançou US$ 0,18 por libra, em 2005, para os atuais US$ 0,10 por libra. "A alta em 2005 refletiu problemas na safra no Brasil, na Austrália e na Índia. Atualmente, a produção tem sido boa e não há fundamentos para um novo aumento", explica o especialista. Para Hirai, do Merrill Lynch, inclusive os ganhos obtidos com o processo de consolidação podem ser reduzidos pelo comportamento do preço do açúcar. "O crescimento dos ganhos pode vir das aquisições, mas com margens mais baixas, já que nossas projeções indicam preços baixos do açúcar no curto prazo", afirma o analista.

Além dos aspectos operacionais, a vinda de novos concorrentes pode afetar o desempenho da Cosan no mercado de capitais, hoje o único veículo no Brasil para o investidor que deseja se aproveitar do boom do mercado de biocombustíveis. "A presença de grandes empresas estrangeiras e fundos de investimento forçarão um choque de gestão das companhias e a abertura de capital, apesar de ser um processo lento", acredita Abussamra. Para ele, terão maiores ganhos as companhias com elevado nível de governança corporativa e gestão de risco. Nesse sentido, a Cosan pode obter uma vantagem. A empresa e listada no Novo Mercado da Bovespa e oferece a 100% de tag-along. Ainda assim, Hirai acredita que o ingresso de outras empresas do setor de açúcar e álcool prejudicará o desempenho das ações da companhia. "Isso poderá dissipar a liquidez da Cosan. Investidores podem vender papéis da empresa para participar de outros processos de abertura de capital, corroendo parte do prêmio de valorização."

Um dos novos concorrentes novatos no setor é a Infinity Bio-Energy, fundo composto por americanos e ingleses constituído em março de 2006 para desenvolver projetos em biocombustíveis no Brasil. A empresa tem planos de investir até a safra 2009/2010 cerca de US$ 400 milhões em novos ativos, segundo o presidente Sergio Thompson Flores. Sem nenhuma experiência anterior no setor, o executivo é um exemplo do quanto o etanol tem despertado interesse em empresários de diversos setores da economia. "Investiremos em cinco projetos no período. Dois serão adquiridos dentro dos próximos dias e os outros nós construiremos", revela Flores. Os nomes das usinas que serão compradas não foram revelados, mas os empreendimentos da empresa estão localizadas nos Estados do Mato Grosso do Sul, Espírito Santo e Bahia.

Com as três usinas já em operação e outros cinco projetos em curso, a capacidade de moagem estimada pela Infinity será de 20 milhões de tonelada de cana-de-açúcar. "Certamente, estaremos entre os dez maiores do setor", afirma Flores. O executivo diz que além dos investimentos em curso, a empresa tem condição de investir mais US$ 500 milhões em novas aquisições ou em novos projetos. "Apostamos no etanol a partir da convicção de que tínhamos que as crescentes pressões ambientais demandariam uma solução a curto prazo e que a única alternativa viável ao petróleo é o álcool", justifica. A empresa trabalha com uma taxa interna de retorno de 20%.

O executivo explica que a escolha reflete as características únicas do Brasil na produção de etanol. "Culturas com o milho têm restrições do ponto de vista da área agricultável e da eficiência energética do processo. Enquanto a relação consumida e gerada no milho é de 1,2, na cana isso representa 8 vezes", afirma. Além disso, a produção de etanol a partir da cana é praticamente auto-suficiente, utilizando apenas 15% de combustíveis fósseis - principalmente em caminhões e tratores. "No milho e na beterraba, a energia consumida é totalmente de origem fóssil."

Do ponto de vista econômico, a cana é mais viável do que o etanol de milho. Estimativas do professor emérito da Unicamp e coordenador do Projeto Etanol, Rogério Cerqueira Leite, o álcool a partir da cana custa US$ 40 o barril equivalente de petróleo, enquanto o produto a partir do milho sai por US$ 120.

*A RiskOffice é dirigida por Marcelo Rabbat, consultor de investimentos especializado em riscos de crédito e de mercado. Rabbat é um dos sócios da PR&A Consultoria
Autor: Assessoria de Imprensa Web


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