A hora da seletividade



REVISTA RAZÃO CONTÁBIL RISKOFFICE
MERCADO - ABRIL DE 2007

Investidores sinalizam que estão adotando critérios mais rigorosos ante o congestionamento de emissões

A ebulição do mercado financeiro brasileiro, que resistiu aos sopros de Xangai, recebeu jatos de água fria de um lado inesperado, os próprios aplicadores. Pela primeira vez desde 2004, os investidores (principalmente os estrangeiros) fizeram ver que há ofertas demais. Num curto período de tempo, duas novatas, a Even e a JHSF - ambas do setor de construção - cancelaram suas ofer­tas secundárias; uma terceira, a lavanderia Atmosfera simplesmente desistiu da oferta inicial (IPO), por falta de interessados. Não é caso, ainda, de os alarmistas de plantão saírem dizendo o proverbial "eu bem que avisei". Bons ativos continuarão sendo atraentes; mas um recado claro esta dado: os critérios de seletividade estão mudando.

É natural, diante da quantidade de novas empresas ingressando no mercado financeiro, que o investi dor fique mais atento as promessas de lançamento. Não vai querer, por exemplo, que as boas práticas de Governança Corporativa fiquem apenas no papel. Ao mesmo tempo, observará que a rentabilidade passada não significa obrigatoriamente um futuro promissor ou vice-versa e, principalmente, avaliará o que motiva a abertura de capital. Ao fazer um IPO, na maioria das vezes, as empresas buscam recursos para financiar novos projetos, seja por aquisição ou não, e ampliar o capital de giro para fazer frente ao incremento da demanda. No entanto, existem aquelas que, embora ainda não preparadas para abrir o capital, mas precisam de re­cursos para cobrir passivos.

De acordo com os dados da Associação Nacional dos Bancos de In­vestimento (Anbid), no ano passado 31% das empresas que ingressavam na Bovespa estavam nessa situação. No primeiro trimestre deste ano, o percentual recuou para 14%. "Isso significa que as empresas agora estão indo à bolsa atrás de dinheiro para fazer investimento", diz o vice-presidente da Anbid, Luiz Fernando Resende. "Se o objetivo da empresa for simplesmente cobrir passivos não é uma boa idéia investir nela, pois pode voltar a se endividar", alerta Henrique Campos, gerente sênior de auditoria da BDO Trevisan. "Se for para melhorar o capital de giro e voltar a crescer é um bom negócio."

Setores que prometem

Depois de observar a motivação da empresa para a abertura de capi­tal, os olhos do investidor estão postos também no setor em que a novata opera. "As usinas de açúcar, por exemplo, está bastante endividadas, porem as perspectivas para o setor são muito positivas", comenta Campos. "A questão é que investiram muito e passaram por anos muito difíceis", explica. Esse é um dos segmentos que tem despertado a atenção dos investidores devido as previsões de incremento da demanda. Outras áreas do agribusiness, como os frigoríficos, também tem boas perspectivas. Em outro exem­plo, a CSU, que teve prejuízo no ano passado, deve crescer no futu­ro, pois seu setor, a tecnologia da informação, é promissor. "O passa­do é interessante, mas o que interessa é a capacidade de a empresa obter receita futura", diz Campos.

A frustração da Even e da JHSF acendeu uma polêmica sobre o futuro das empresas de construção civil, que até 2005 não tinha nenhuma empresa de capital aberto desse setor e agora tem 15. No ano passado, o setor liderou a participação em ofertas primárias e secundárias, com 18,9% do volume to­tal apurado no período, de R$ 31,3 bilhões. Os investidores estrangeiros ficaram com cerca de 75% do total das colocações. Assim, são eles que podem dizer se estão satisfeitos com a rentabi­lidade. "Ha uma certa tensão com a área imobiliária, um certo alerta", diz Rezende, da Anbid.

"Ainda não há dados para prever o futuro do setor imobiliário. As companhias estão vindo à bolsa acreditando no crescimento econômico do País", afirma Carlos Antonio Rocca, diretor da Consultoria RiskOffice. Hoje, existem duas correntes de opinião sobre o que poderá acontecer com o ramo da construção civil. Uma é que vai ocorrer um processo de consolidação. O grande número de empresas do setor imobiliário e de construção que abriram capital desde 2005 começa a sinalizar a possibilidade de saturação do mercado, que pode desembocar em uma onda de aquisições e fusões. No México, onde uma série de companhias abriu capital, isso ocorreu.

Outra corrente defende que ocorrerá um efeito dominó, repetindo a derrubada da década de 1970. Essa corrente pressiona para que seja criado um índice especifico do setor imobiliário, providencia que não pode ser tomada, contudo, antes que se pro­ve que tal movimento é sustentável.

Distorção em resultados

Já o segmento de bancos de pequeno e médio porte, que também tem se destacado nos IPOs, mostrou-se bastante rentável no presente. Os resultados crescentes impressionam num primeiro momento. Enquanto a rentabilidade do patrimônio liquido no caso de alguns desses bancos chegou a atingir mais de 50% em 2006, a média dos privados (Bradesco, Itaú, Unibanco) caiu no ano passado, ficando em 21%. Essa diferença tem, no entanto, de ser colocada na perspectiva devida: os lucros fo­ram inflados pelo processo de vendas das carteiras de crédito para as instituições maiores.

"A comparação dos resultados deve ser cuidadosa. Os pequenos e médios estão mais suscetíveis a distorções em razão das carteiras de crédito consignado que foram cedidas. As receitas futuras foram antecipadas, explica Rodrigo Indiani, analista da Austin Rating. As receitas com a carteira de crédito, que podem levar até 48 meses para serem obtidas são recebidas à vista, o que gera o problema.

Uma das distorções consiste na venda das carteiras com coobrigação. Nesse tipo de operação, apesar de repassarem os empréstimos aos cuidados de outra instituição, os bancos continuam responsáveis pelo risco do crédito. "A venda das carteiras permite aos pequenos conseguirem se alavancar mais, porem nas operações de coobrigação essas instituições não tem provisionado o risco, o que pode prejudicar a rentabilidade futura. Os lucros não são reais", explica o economista especializado na área de RiskBank da Lopes Filho, João Augusto Frota Salles.

Distorções nos resultados de bancos pequenos

As regras tendem a mudar e, por isso, as instituições precisarão de mais recursos para o PL. O Banco Central já sinalizou que, em breve, será obrigatória a provisão de 100%, no caso das carteiras cedidas com coobrigação. Isso explica a corrida dos bancos para captar recursos via Bovespa. Na lista dos pedidos de abertura de capital estão o Paraná Banco, Bic Banco, Sofisa, Cruzeiro do Sul e Banco Pine.

"A tendência é que as captações sejam usadas para aumentar a escala de crédito, rentabilizando o PL", afirma Indiani. O Bonsucesso, que registrou uma rentabilidade sobre o PL de 55% também esta pronto para abrir o capital. A captação de recursos do banco em 2006 subiu 92%, para R$ 475 milhões. Somente em operações de CDB, o aumento foi de 72%, com volume de R$ 389 milhões. O patrimônio líquido cresceu no ano passado 62%, para R$ 131,4 milhões. "O risco de aplicar recursos em instituições de pequeno porte é mais elevado. Os pe­quenos não têm as melhores classificações de rating, por exemplo", lembra Salles.

Governança no papel

No momento em que o mercado se torna mais seletivo, uma outra questão a resolver é a relação das can­didatas a abertura de capital com as práticas de Governança Corporativa. Campos, da BDO Trevisan, ressalta que as empresas melhoraram a governança e vão para o mercado por questão de sobrevivência. "Quem não fizer isso tende a ser engolido, pois a globalização está aí", lembra. Para ingressar no mercado, arcam com os al­tos custos para a adaptação as boas práticas mais os da própria operação de captação. São gastos no curto prazo, a serem recuperados no médio. "Notamos no geral que há a melhora do lucro das empresas que investem em Governança Corporativa. O resultado é positivo", ressalta o especialista. "Não é realista ver o fato de uma empresa apresentar resultado negativo que não tenha Governança Cor­porativa. Nos balanços os custos de captação podem prejudicar os resultados das companhias", complementa Resende.

O advogado Alexandre Navarro mostra, no entanto, que a adoção da governança, na prática, implicando mudar o modelo de gestão da noite para o dia, e um processo complicado particularmente para as empresas familiares. "Algumas que acompanhamos não mudaram realmente a conduta interna: a governança ficou no papel. Para se adequar às regras tem que haver critérios de reorganização. Adequar os instru mentos legais não é o suficiente", explica.

A empresa pode não levar a sério os princípios da governança. Por exemplo, há vários casos em que os CEOs acumulam também o cargo de presidente do Conselho de Administração. Muitas têm o histórico de organizações familiares. "É complicado que haja mudanças bruscas. Isso nem sempre é ruim, pois uma mudança mexe com toda a estrutura organizacional da empresa e pode prejudicar os negócios. O mercado impôs a governança e agora as empresas precisarão se adaptar", re­sume Navarro.

Outro profissional de mercado reclama que companhias que estão abrindo o capital muitas vezes contratam o profissional de Relações com Investidores uma semana an­tes da estréia. "Ou seja, aceitam a Governança Corporativa como obrigação e não porque é bom para os negócios. Ainda faltam algumas provas para saber se o Novo Merca­do realmente protege o investidor. Ele ainda não foi testado, pois a Câmara de Arbitragem até hoje não entrou em ação. Imagine se a questão da venda do grupo Ipiranga fos­se parar lá”.

*A RiskOffice é dirigida também por Marcelo Rabbat, consultor de investimentos especializado em risco de crédito e risco de mercado.
Autor: Assessoria de Imprensa Web


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