A PREGUIÇA DO BAMBU*
Mas agora é outro momento. Rever os jardins japoneses, respirar ar puro, lembrar como é estar vivo de fato. Sim, por que os últimos acontecimentos no ano passado, por vezes, me tiraram o senso. Essa coisa boa que é simplesmente sentir, respirar, e dar graças por poder fazê-lo e contemplar tudo à nossa volta.
No jardim japonês - um belo parque num bairro fundado por japoneses no século 17, aqui na Florida -, volto à casa. Lá tenho aquele gostinho de brincar outra vez como criança, imaginaçao solta a cada parada e a cada visão de árvore que parece especialmente plantada ali apenas pra realçar meu apetite de beleza e natureza.
De repente, uma parada súbita. Um certo grupo em torno de uma jovem, vestida pra festa, em seu delicado traje azul violeta e sua juventude pictórica refletida num rosto impressionista debaixo do chapéu que compunha seu traje de debutante. Paramos todos diante dos transeuntes.
A menina do chapéu lilás rouba nossa atenção por um momento e me transporto ao tempo dos pintores impressionistas lá em Paris, num dado picnic, talvez a sentir o mesmo que senti nesse instante. Quem sabe?
Continuamos a caminhar e eu, quase flutuando, me recordo do tempo em que nadava nos céus. Sim, por que céu azul como esse é para se nadar. Braçadas lentas, meneio de cabeça leve a contemplar lá do alto a paisagem difusa lá debaixo. Comento com minha amiga sobre essa visão quase desejo e ela sorri por assimilar o pensamento.
“- Quem sabe dia desses poderemos apenas pensar e as imagens e sons do que sonhamos sejam transportadas simplesmente para a mente do outro como num filme desses que a gente coloca com adendo nos nossos emails?” - esse seu comentário, comungando de meu sonho de nadar no céu azul, me deixa em regozijo.
No passeio de um jardim japonês tudo é válido e concreto. De repente, meio ao silêncio misto com sons de vozes ao redor, ouço um espreguiçar, desses que a gente experimenta quando deita na rede, à tarde, quase anoitecendo, depois de um almoço feito em fogão de lenha. O corpo pende lentamente e a rede lança um som de preguiça, dessas cheias de poesia e encanto: nhec, nham, nehc, nham...
Olho lentamente à busca do ser lânguido que ecoa novamente:- nhec, nham, nehc, nahmmm... Quem será?
Ergo a cabeça em busca de um pássaro ou algo que seja. Quero saber quem, a essa hora da tarde, me deita tal preguiça. E ei-lo: magnifico, junto a seus companheiros, numa dança de rede de nordeste, a balançar. Um dos altivos bambus num grupo de uns seis ou sete, naquela touceira, a mostrar que também eles parecem sentir preguiça. Sorrio em sinal de cumplicidade e seguimos a caminhar.
Lembro-me das lições de ikebana, aprendidas há anos na Igreja da Rua Itabaiana. Aprender com as plantas, todas elas, a ler o vento, seus sinais e códigos, apreender com os galhos e seus movimentos o que a natureza fala naquele instante, e saber com delicadeza a nos comportar como eles em seus reinos magníficos. Os bambus nos revelam a resiliência e a flexibilidade. Em sua altivez, jamais perdem a humildade de saberem se curvar e mesmo diante de tantos desafios podem nos sussurrar, mesmo sem conhecerem Macunaíma: “- Ai, que preguiça!”
A natureza me refaz as conexões cerebrais. Reaviva a memória essencial e fala ao meu peito, agora manso, que amar e cultivar a amizade é do reino de minha riqueza íntima. Tão nobre quanto a beleza do jardim onde hoje pouso minhas pegadas e impressões, mesmo com os pés molhados e gostosamente fresquinhos.
Mais uns passos e chegamos diante da exuberância dos bonzais. Não resisto, e abraço com gosto uma das arvorezinhas. Ela me chamou, eu juro! E quando vou ver quem é... surpresa: uma jabuticabeira brasileira! Jamais pensei que pudesse haver uma jabuticabeira em forma de bonzai. E, não deu pra evitar os tempos de menina a subir na árvore cheia de frutos e sentir a vida sem sabê-la.
E parece que é assim mesmo. Viver a vida exclui o saber. No momento em que se vive, apenas se registra, em todos os sentidos, o almagama de quem passa e experimenta. O resto são códigos dos homens em nome de se fazer históricos, cheios de selos e etiquetas.
Eu, fico com a preguiça do bambú que ainda ecoa em mim seu sussurro sábio de altivez, resiliência e humildade: - nhec, cnhec, nhammmmm...
Autor: Lucas Leal Barrozo
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