Solidários na culpa



Os recentes acontecimentos que marcaram o Estado do Rio de Janeiro no começo desse mês levaram-nos a refletir sobre o andamento das políticas públicas aplicadas em doses homeopáticas pelos governos em todo o Brasil.
As tragédias causadoras de tanto sofrimento nos morros de São Gonçalo e Niterói fazem-nos perceber como o descaso com medidas básicas para a dignidade humana pode alcançar proporções gigantescas. Em meio ao sensacionalismo da mídia, tão ocupada em mostrar qual equipe de jornalismo chegou primeiro ao local ou qual teve acesso às imagens do resgate mais dramático, ecoa o questionamento: quem é o responsável?
Diante de catástrofes, impunidade criminal, conflitos armados e outras atitudes que contrariam a ordem social sempre surge essa indagação. Talvez seja uma maneira pueril de encontrar um culpado para os erros que também são nossos, quer direta ou indiretamente.
Faz-se essa constatação após tomar conhecimento de uma declaração emitida pelo Governador do Estado atingido, Sérgio Cabral. Segundo ele, “a culpa é de toda a sociedade” (disponível em http:// www.g1.com.br, acesso em 09/04/2010).
Pois bem, analisemos a frase e veremos que encontra sentido!
Temos parcela de culpa ao sermos coniventes com o famoso “jeitinho brasileiro”, omissos em nosso direito de exigir que os preceitos básicos constitucionais sejam cumpridos. Somos culpados por votar no melhorzinho e não exigirmos dele o trabalho que deveria desempenhar como nosso representante.
Onde estava o Governo do Rio quando a ocupação desordenada começou nos morros?Talvez atarefado demais em atrair mais turistas para o carnaval, preocupado com o investimento dispensado à construção da Vila Panamericana ou quem sabe escolhendo as melhores imagens para apresentar para a comissão da FIFA? Inclusive, divulgando o morador da favela e sua ligação com o esporte, mas não a rotina adversa que ele enfrenta. O lado feio não traz votos.
O certo é que o problema sempre existiu, mas sua solução, se não é remedia parcamente é protelada para o próximo mandato e quem o assumir. São lançados projetos de habitação, de saneamento básico, de iluminação, cuja conclusão se arrasta lentamente, contrária aos desejos de quem tem urgência de dignidade.
Um vídeo exibido durante as reportagens transmitidas sobre o caso atesta que há quinze anos o morro do Bumba, região seriamente atingida, era um depósito de lixo a céu aberto. Como puderam consentir seres humanos habitando o local por tanto tempo é uma das perguntas. A justificativa automática, de se tratar de ocupação ilegal, não exime a Administração Pública de responsabilidade.
Se não havia autorização legal para essas famílias residirem no local, muito menos a existência de permissão no ordenamento jurídico para ocupar encostas como se fazia, cabia ao Poder Público uma atitude eficaz e não medidas paliativas.
Na mesma reportagem, o Governador faz dura crítica à maneira como direitos humanos e ordem pública são entendidos no Rio de Janeiro: vistos como contraditórios.
Todavia, essa infelizmente é a realidade da maioria dos municípios brasileiros. Em perfeito encaixe à essa questão, José Renato Nalini salienta como é “paradoxal assistir à proclamação enfática dos direitos humanos, simultânea à intensificação do desrespeito por todos eles.”
Transgressões legais e, sobretudo éticas acontecem com constância em nosso cotidiano. Calamos muitas vezes os erros diante de nós porque acreditamos não ser problema nosso. Pelo contrário, são danos que refletem e propagam pelas gerações a cultura da indiferença.
Autor: Thaís Rodrigues Iembo


Artigos Relacionados


O Caos Do Clima Mundial

O Dever Contitucional Do Estado Frente Aos Direitos Sociais E A QuestÃo Social Brasileira

A Efetivação Dos Direitos Sociais Através Das Políticas Públicas

Ano De Reflexão

CatÁstrofes Naturais: De Quem É A Culpa

Tragédia, Sensacionalismo E Ação!

ViolaÇÃo De Direitos Humanos