A calamitosa novela da dengue



A dengue, nos últimos anos, pode ser considerada um problema grave de saúde pública no Brasil.

Recentemente, escrevi um artigo neste prestigioso jornal - intitulado "A Dengue no MS: Aqui (não) é assim mesmo?" - sobre a falta de senso de cidadania, consciência ambiental e asseio de parte das residências, terrenos e quintais em prol da coletividade. Tratei também do possível conformismo de uma parcela da população com relação à epidemia da dengue, que assola mais uma vez o Mato Grosso do Sul e outros estados do Brasil.

Verdade seja dita, o desleixo vem prevalecendo e, lamentavelmente, contribuindo com a epidemia. Dia desses, estive lendo com atenção vários estudos sobre a dengue, em que descobri que os primeiros registros de casos no Brasil ocorreram no século XIX. Já durante o século XX, também houve registros da doença, mais precisamente na década de 1920.

Entretanto, o Brasil passou 63 anos sem que houvesse relato de casos de dengue. Os estudiosos da área afirmam que, neste período, o Aedes aegypti foi erradicado do Brasil e de outros países da América.

Somente em 1976, o Brasil foi reinfestado pelo mosquito transmissor. Assim, apareceu no ano de 1982 a primeira epidemia de dengue laboratorialmente comprovada, no estado de Roraima.

Esses relatos que trazem o histórico da dengue, em especial, sobre o reaparecimento no Brasil, podem nos fornecer subsídios para fartas reflexões.

Apontam que a volta da dengue está diretamente relacionada à sua reinfestação pelo vetor principal. Acrescentam que diversos fatores sociais e econômicos associam-se ao reaparecimento da doença, como o crescimento populacional, o processo de urbanização rápido e desordenado e a má distribuição de renda.

Por esse prisma, o histórico da dengue se mistura com a história do Brasil, uma vez que, grande parte da população do país foi “expulsa” do campo, migrando para as áreas urbanas, passando a viver de forma desorganizada em favelas ou invasões, onde as condições de habitação eram (e continuam sendo) precárias, como por exemplo, falta coleta de lixo, asfalto, galerias de águas fluviais e saneamento básico.

Com isto, a dengue voltou e teve um aumento significativo do número de criadouros potenciais do mosquito Aedes aegypti. Além disso, o mundo diminuiu as distâncias com a intensificação do tráfego aéreo e terrestre. Assim, fica notório que isso ajudou na disseminação da doença, pois há o transporte mais intenso e rápido do vírus no sangue de pessoas infectadas.

Esse cenário aliado a uma conjunção de fatores, explicam em parte o aumento dos casos de dengue. Vivemos um período de forte calor, combinado com as chuvas e o descompromisso da população que persiste em jogar lixo nas ruas e terrenos baldios e a falta de cuidados com as próprias residências e quintais favorece a proliferação do mosquito Aedes egypti. Aliás, muitos parecem ignorar o perigo da doença.

Percebe-se em muitas cidades que existem falhas na limpeza urbana, como o não recolhimento de lixo, entulhos em calçadas e terrenos, água parada em vias públicas que se tornam criadouros de larvas do mosquito.

Como a própria propaganda do Ministério da Saúde diz: “a guerra contra a dengue já começou”, isso já está constatado, pois vemos o carro de fumacê andando pra lá e pra cá, além das muitas pessoas envolvidas fazendo visitas nas casas.

No artigo anterior, destaquei a necessidade de um processo educativo que levasse ao rompimento com esse conformismo anacrônico, já que, só assim, acredito que conseguiríamos erradicar o mosquito Aeds aegypti em todo o Brasil.

Estamos sempre a aprender: onde não há educação, se deve partir para a punição! É muito louvável a ideia de notificar e obrigar os donos de terrenos a limpá-los sob pena de multa. Se a pessoa é proprietária de um terreno baldio ou de prédio abandonado ou desocupado deve saber que o seu desleixo pode prejudicar muitas pessoas. É ali que o mosquito Aeds aegypti pode proliferar, e não escolhe quem vai picar.

É importante lembrar que terrenos abandonados acumulam lixo e pode ser habitat ideal para animais peçonhentos como cobras e escorpiões.

Até Campo Grande, que brigou tanto para ser uma das sedes da Copa do Mundo de 2014, convive com o problema da dengue e dos milhares de terrenos baldios, casas e construções abandonadas. Dias desses, um dos canais de televisão registrou que muitos desses imóveis da capital estão servindo de esconderijo de usuários de drogas.

Muitos proprietários não tomam as medidas necessárias, assim as autoridades municipais e estaduais têm que agir rapidamente, porque a dengue não espera.

Multar o proprietário talvez seja uma das únicas formas de agir, já que, como dizia um sábio professor que tive na Unicamp, “o bolso é a parte mais sensível do corpo humano”, então quem sabe se as multas forem aplicadas, a população se educa. É importante multar para que o efeito demonstração passe a ocorrer.

Creio que outra possível solução estaria vinculada à instituição e aplicação do IPTU progressivo para os imóveis que estiverem abandonados e subutilizados. A importância da taxação progressiva no tempo estimularia a ocupação racional do espaço urbano. Não podemos ficar na mão de especuladores descomprometidos com o problema da dengue.

Contudo, o pano de fundo aqui é a vontade política de buscar instrumentos legais para otimizar o espaço urbano e evitar os muitos passivos sociais e ambientais. Tamanhas omissões e falhas do poder público ocasionam graves problemas como a dengue.

Nos dois artigos que escrevi, fiz simples considerações, e, agora, espero que os secretários municipais, vereadores e até prefeitos sensibilizem-se, contribuindo com um país mais saudável e equânime. Depende de vontade política e tomada de decisão visando à diminuição dos casos de dengue.

Por fim, vale a reflexão dos elevados gastos governamentais com essa guerra contra a dengue, desde os milhares de carros de fumacê, do pessoal envolvido em visitas nas casas, dos muitos leitos e profissionais da saúde ocupados com os doentes da dengue. Com certeza, é melhor prevenir do que remediar.

OBSERVAÇÃO: Artigo publicado no jornal Folha do Povo - Campo Grande (MS) - Ano XII, no. 3.625, edição de 15 de abril de 2010, p. A-2.
Autor: Marçal Rogério Rizzo


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