As barreiras à escrita



Escrever um texto é uma luta constante e, para a grande maioria dos escritores, solitária contra as palavras que, uma vez terminada, é recomeçada, pois o texto precisa passar por uma revisão e, algumas vezes, ser reescrito. Durante a revisão, são feitas correções ortográficas (com a consulta de dicionários) e sintáticas, substituição de palavras por sinônimos, com o objetivo de evitar a repetição de termos e, no caso das composições dissertativas, uma busca de erros e contradições na linha argumentativa para que eles sejam reparados de modo a garantir a coerência (a clareza de idéias das unidades, isto é, das partes do texto analisadas separadamente) e a coesão (a clareza de idéias do conjunto, ou seja, do texto como um todo), tudo para haver harmonia e uma melhor legibilidade do texto.

Tudo isso pode levar minutos, horas, dias ou até anos mas, assim que terminado, o texto é publicado pelo autor, nem sempre com a intenção de agradar aos seus leitores. Afinal, há vários contextos (situações) e vários veículos para a publicação do trabalho escrito, e também variações de linguagem, o que torna válida a frase que diz que "Não se pode agradar a gregos e troianos" e, embora possa-se partir da premissa de que um texto só é realmente escrito depois de ser lido por outra pessoa, ele sempre é lido por pelo menos uma: O seu autor.

O escritor, antes da publicação do seu texto, sempre relê o que ele mesmo escreveu para realizar uma autocrítica, saindo do papel de emissor da mensagem e colocando-se no lugar de receptor (e isto constitui uma comunicação do escritor com ele mesmo).

Um escritor pode criar textos de diferentes tipos, dependendo do objetivo com o qual cada um é feito. No entanto, os modos de organização textual são sempre os mesmos: Descrição, narração e dissertação. Romancistas, jornalistas e literatos conhecem bem os três gêneros e têm um tempo não muito escasso para montar um texto em sua profissão, ou, pelo menos, um tempo maior do que o tempo que é dado em um concurso público que exige uma redação de seus candidatos, como o vestibular ou o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio).

Conhecer os gêneros de organização textual, as técnicas de redação e a norma culta da língua é fundamental para prestar concursos públicos. Numa situação dessas, o candidato tem apenas algumas horas para fazer uma redação (uma dissertação, na grande maioria das vezes). Os ponteiros não param, e não há tempo a perder com revisões demoradas, e tampouco há dicionários para descobrir a grafia de certas palavras. Para piorar, também não há chances para erros, já que o escritor usa papel e caneta e, portanto, não pode se dar o luxo de acrescentar ou suprimir palavras à vontade como se pode fazer com o teclado de um computador, usando a tecla "Backspace". Qualquer erro pode ser muito prejudicial, e dificilmente pode ser corrigido sem rasuras, que são inadmissíveis em um texto formal.

Isso vale para quem gosta e costuma ler e escrever (e para quem estudou os três gêneros de organização textual e a gramática normativa da língua) e está preparado para elaborar uma redação de acordo com o nível exigido, pois as dificuldades para as pessoas que não gostam ou não costumam ler e escrever são muito maiores. Em situação de prova ou concurso público, elas acabam produzindo um texto repleto de erros gramaticais e de linguagem rala ou mesmo vulgar, muito aquém da esperada por aqueles encarregados de avaliar sua redação.

Então,embora redigir um texto seja um prazer para alguns, nunca é uma tarefa extremamente fácil, mesmo para quem lê, escreve e conhece os gêneros de organização textual e as técnicas de redação. Entrementes, também não precisa ser um fardo como é para tantos.

As pessoas que criam textos muito ruins em concursos, ao contrário das que produzem bons textos, não gostam ou não costumam fazer quatro coisas essenciais para escrever bem: Ler, escrever, estudar técnicas de redação e prestar atenção ao mundo e aos sentimentos. É dessa forma que alguém adquiri e transmite conhecimento (e ter conhecimento sobre diversos assuntos é fundamental, porque para uma pessoa escrever bem, deve escrever sobre aquilo que ela sabe).

A conclusão óbvia a que se chega é a de que as barreiras culturais e educacionais que dificultam a escrita são as mesmas que dificultam a leitura, pois uma atividade está intrinsecamente vinculada a outra. Uma dessas barreiras culturais é o fato de a linguagem audiovisual ser prezada e apreciada de modo demasiado em detrimento da linguagem escrita. Apesar de as mídias audiovisuais (cinema, música e telejogos, por exemplos) serem ricas em modelos de frases que podem ser lidas com os ouvidos, por assim dizer, ou mesmo com os olhos, no caso das atrações legendadas, jovens e adultos carecem de leitura de textos publicados em revistas, jornais, revistas em quadrinhos e livros.

Muitos estudantes não estão habituados ao prazer desse tipo de leitura, e ainda há aqueles que não conseguem confrontar as partes de um texto, juntá-las e extrair o(s) seu(s) significado(s), ou seja, não conseguem interpretá-lo, já que a interpretação de um texto depende não só da sua estrutura, mas também do nível de cultura (erudição) e de leitura de quem o lê que, no caso de uma boa parte dos alunos, é muito baixo (às vezes, mesmo aqueles que lêem bastante têm dificuldades em compreender alguns textos, sendo que a compreensão de um trabalho escrito não vem, na maioria da vezes, muito rapidamente. Logo, a dificuldade de alguém que não tem o hábito de ler é ainda maior). Isso se chama analfabetismo funcional.

A maioria dos estudantes tem uma linguagem verbal vulgar por não ter o hábito de ler e, como resultado, essa mesma maioria acaba escrevendo como fala. Portanto, a maioria deixa a linguagem escrita parecida com a linguagem verbal, quando, na verdade, o ideal seria o contrário: Deixar a linguagem verbal parecida com a linguagem escrita, isto é, falar como se escreve (na medida do possível), o que só deve ser feito com um certo nível de leitura.

As barreiras culturais que dificultam a criação de um bom texto acabam por aí? Não. As pessoas, principalmente os jovens e estudantes, não prestam atenção ao mundo. Quem parar para ouvir as conversas que muitos adolescentes ou mesmo adultos têm, notará que os assuntos quase nunca são política ou acontecimentos da atualidade - assuntos esses que a imprensa nunca deixa morrer. Logo, não é um erro deduzir que eles não assistem aos telejornais e muito menos lêem notícias em jornais impressos ou em páginas de notícias da Internet.

Outra coisa que muitos deixam de fazer é conversar com pessoas diferentes. Ficar restrito a um grupo de amigos homogênio tem suas vantagens, mas também limita o universo daqueles que o integram, inclusive no que diz respeito à linguagem, porque eles ficam presos a um único jeito de falar. Os membros de um grupo de adolescentes, a menos que haja algum engano, não conversam com pessoas mais velhas e, conforme vão envelhecendo, não conversam com as mais novas. As pessoas também podem ser lidas, e ler pessoas é algo que está em falta. Não se conversa muito mais com os avós, com os tios, com os primos e não há mais anedotas à mesa ou na varanda.

Por último, existem as barreiras educacionais que dificultam a leitura (e a escrita) que também são muito fortes: A dificuldade com a gramática normativa da língua portuguesa no Brasil (e isso é um fato decorrente do péssimo ensino e do péssimo aprendizado do português no país), a falta de incentivo à leitura (mesmo que a Literatura tenha se estendido a outras mídias mediante a adaptação de clássicos para o cinema e que haja fóruns na Internet, tão usada por jovens, dedicados a ela) e a falta de aulas de redação desde cedo - aulas essas que incluem o ensino dos gêneros de organização textual e das técnicas de redação que servem não só para treinar a escrita, mas também a leitura.

Quando houver uma mudança na cultura da papolução brasileira em relação à leitura e uma mudança no ensino público e privado para que haja aulas de redação desde a mais tenra idade, todos terão maiores chances de fazer uma boa redação em um concurso público. Em outras palavras, quando todas as barreiras culturais e educacionais que dificultam a leitura e a escrita forem superadas, haverá redações melhores nos concursos públicos.

Não que todos sejam obrigados a ser bons escritores. Na verdade, ninguém é obrigado, por exemplo, a ler dez livros por ano e ser capaz de produzir um texto acadêmico. Apenas aqueles que desejam seguir uma carreira em que isso seja necessário devem fazê-lo. Afinal, o país não precisa apenas de escritores, romancistas, jornalistas e literatos; ele precisa de médicos, engenheiros, garis, padeiros e muitas pessoas que exerçam outras funções que não estejam muito ligadas a leitura e à escrita.

Nenhum estudante é obrigado a redigir textos assiduamente e revisá-los para praticar a escrita se isso não o agrada, assim como não é obrigado a ler dez livros por ano (dez livros por ano é muito para alguns e pouco para outros). Nenhum aluno é obrigado a ser um excelente escritor que relê e critica o que ele mesmo escreve. No entanto, nenhum aluno deve deixar de ler, escrever e estudar os gêneros de organização textual. Cada um deve fazer essas atividades de acordo com a sua vontade e, sobretudo, com suas inclinações vocacionais.

Contudo, transmitir idéias é uma faculdade que todos os seres humanos possuem. Portanto, todos têm o direito ao menos de conhecer desde cedo o universo das letras, mesmo que no decorrer da vida queiram se afastar dele, apesar de os textos estarem em todos os lugares (nos filmes, nas músicas, nos telejogos, nas conversas do cotidiano, e em muitas outras coisas).

O Hábito de ler e escrever sem o conhecimento profundo dos gêneros de organização textual, das técnicas de redação e da gramática normativa da língua adianta de alguma coisa na hora de redigir um texto, mas conhecer ou estudar os gêneros de organização textual, as técnicas de redação e a gramática normativa da língua sem o hábito de ler e escrever de nada adianta.
Autor: Márcio Alessandro de Oliveira


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