A destituição dos administradores da Parmalat: da aplicação do direito alienígena para a não-aplicação do direito pátrio



Como se acompanha através da imprensa nacional e internacional a Parmalat vem atravessando uma crise financeira séria. Na Itália, a empresa teve sua falência declarada no dia 27 de dezembro do ano passado, havendo após essa data a destituição de seus administradores (I). No Brasil, antes da declaração da falência houve a destituição de seus administradores (II).
Diante da destituição dos administradores de uma sociedade empresária em crise no Brasil antes de sua falência, interrogamos se essa situação também será estendida para todos os empresários que estão em dificuldades financeiras?
A - A destituição dos administradores na Itália
A destituição dos administradores da direção da Parmalat na Itália ocorreu após a declaração de sua falência, pois a legislação italiana veda essa destituição antes do reconhecimento de seu estado de insolvência.
O artigo 42 do R.D 16.3.1942, n.º 267 da legislação falimentar italiana estabelece que:
"Art. 42. A sentença que declara a falência priva desde essa data o falido da administração e da disponibilidade dos seus bens existente na data da declaração da falência."
Antes de ser declarada a falência, o empresário não é retirado da administração de seus bens, pois, cabe a esse conduzir os negócios de sua atividade empresarial, estando ou não a sociedade empresária em crise financeira.
Desta forma, antes de ser declarada a falência da Parmalat na Itália seus administradores continuam na administração de seus bens, mesmo diante de um pedido de concordata preventiva, como prevê o artigo 167, do R. D. 16.3.1942, n.º 267, in verbis:
"Art. 167.- Durante o processo de concordata, o devedor conserva a administração de seus bens e o exercício da empresa, sob a fiscalização do comissário judicial e a direção do juiz delegado."
Assim, estando o empresário em crise ele não é destituído da administração de seus bens antes da falência.
B - A destituição dos administradores no Brasil
A Parlamat do Brasil é uma sociedade em crise que teve seus administradores destituídos de seus cargos antes da declaração de falência e mesmo diante de um pedido de concordata preventivo, fatos esses que impedem a retirada dos administradores de seus cargos, segundo o que esta previsto no nosso direito positivo.
O artigo 40 da Lei n.º 7661/45, estabelece que:
"Art. 40. Desde o momento da abertura da falência, ou da decretação do seqüestro, o devedor perde o direito de administrar seus bens e deles dispor."
No Brasil a situação referente a administração dos bens de uma sociedade empresária em crise é semelhante aquela estabelecida na legislação italiana porque se proíbe a destituição do administração do empresário em crise antes da falência, mas se admite no caso de uma medida liminar de seqüestro, sendo essa última situação absolutamente questionável.
Não somente antes da falência, como também, a exemplo do que ocorre na legislação italiana, na própria concordata preventiva o administrador não pode ser destituído da administração de seus bens, como se verifica no artigo 167 da Lei n.º 7661/45.
"Art. 167. Durante o processo de concordata preventiva, o devedor conservará a administração dos seus bens e continuará com o seu negócio, sob fiscalização do comissário. Não poderá, entretanto, alienar imóveis ou constituir garantias reais, salvo evidente utilidade, reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o comissário.
Como se verifica, nossa legislação possui artigos específicos que proíbem a destituição dos administradores da sociedade antes da declaração de sua falência, por isso, é um erro muito grande aplicar por analogia outra legislação para destituir os administradores de uma empresa em crise e principalmente a Lei n.º 6.024, de 13 de março de 1974, que se aplica especificamente para as instituições financeiras.
Aplicar por analogia a Lei n.º 6024/74 é esquecer que no direito existe uma hierarquia de leis, a qual exclui a aplicação da analogia para destituir os administradores da sociedade em crise diante de uma legislação específica, ou seja, da Lei n.º 7661/45 que proíbe a destituição dos administradores de seus cargos antes da falência da sociedade empresária em crise.
C- Conclusão
Dessa forma, como se pode concluir, na Itália o juiz segue o que está estabelecido na lei para retirar os administradores da administração dos bens da sociedade e mediante a criação de um decreto específico passa a admitir a intervenção de um administrador judicial na sociedade em crise. No Brasil, o julgador, sem fundamento legal, tenta criar um direito que não existe para explicar o que ele pensa no caso de destituir os administradores de uma sociedade empresária em crise, o que não se pode admitir.
Robson Zanetti é Advogado. Doctorat Droit Privé pela Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Corso Singolo em Diritto Processuale Civile e Diritto Fallimentare pela Università degli Studi di Milano. Autor de mais de 150 artigos , das obras Manual da Sociedade Limitada: Prefácio da Ministra do Superior Tribunal de Justiça Fátima Nancy Andrighi ; A prevenção de Dificuldades e Recuperação de Empresas e Assédio Moral no Trabalho (E-book). É também juiz arbitral e palestrante. [email protected]
Autor: robson zanetti


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