Vinculação Do Estudo Do Impacto Ambiental



Vinculação do Estudo do Impacto Ambiental (EIA)

Gabriela Mansur Soares

O objetivo desse artigo é demonstrar como o EIA, mesmo sendo um ato administrativo discricionário, seguindo a lógica doa ato que ele autoriza, a ser exercido pela administração pública ambiental, qual seja o Licenciamento Ambiental, está o EIA sujeito ao controle judicial, tendo em vista está subjugado ao princípio da Juridicidade, como forma de atribuir maior eficiência e eficácia a prevenção do dano ambiental.

Para conseguirmos demonstrar o pretendido é necessário que analisemos institutos a que o direito administrativo ambiental se sujeita por ser um ramo do direito administrativo e por estar inserido no Estado Democrático de Direito como é o caso do Estado brasileiro. Esses institutos, ou melhor, esses conceitos, estão intimamente ligados com o conceito e a concepção dos vários tipos de Estados Nacionais, presentes até os nossos dias, e que ao evoluírem juntamente com a sociedade e com sua história, refletem os anseios dessa sociedade no momento da análise.

Os primeiros a analisarmos são os princípios jurídicos, e para isso devemos entender o que são normas jurídicas e seu tratamento ao longo da história do Direito para então entendermos o que modernamente, ou melhor, o que para os pós-positivistas se entende por princípios jurídicos.

Norma jurídica é uma norma que pretende produzir algum efeito no mundo dos fatos, ou deseja moldar a realidade, alterá-la ou modificá-la em alguma medida, e o que a torna jurídica é a sua capacidade de impor pela força, se necessário, a realização dos efeitos por ela pretendidos, ou ainda, a capacidade de associar algum tipo de conseqüência ao seu descumprimento, capaz ainda de provocar mesmo que em substituição, a realização do efeito normativo inicialmente previsto ou a que ele se equivalha. E as regras o que são? Seriam essas sinônimos de normas jurídicas? Por muito tempo tinha-se essa máxima como verdade, isso porque as teorias que explicavam o direito, fossem elas realistas, ou positivistas, foram concebidas em paradigmas onde a lei traduzida pela regra, imperava como única via para evitar a volta a um Estado Absolutista subordinado ao poder do monarca.

Atualmente, e sob a égide do Estado Democrático de Direito, entendemos regras como sendo uma forma de expressão da norma jurídica, que ao lado dos princípios jurídicos completa o ordenamento jurídico como um sistema (DWORKIN).

Os princípios jurídicos só ganharam a devida importância no momento no qual Dworkin, ao tentar desfazer das concepções realistas, convencionalistas e positivistas, elaborou a sua Teoria da Integridade do Direito, a partir de então os princípios foram vistos como forma de concretização de uma norma, assim como as regras, e, portanto, dotados de normatividade, capazes de gerar efetividade e eficiência aos atos que erigia, além de para o autor serem capazes de limitar a discricionariedade de um ato seja administrativo ou judicial.

Modernamente, aceitamos os princípios como sendo o núcleo basilar de uma norma, é a essência de uma ordem, seus parâmetros direcionam um sistema jurídico ordenado. Para Carmen Lúcia "o princípio impõe-se como norma jurídica quando o valor formulado socialmente é absorvido pelo Direito como base do sistema posto a observância no Estado por governantes e governados".

O que nos apresenta bem claro é que a distinção de um princípio para uma regra é quanto à natureza da orientação que oferecem. Os principais autores que fizeram tal distinção e que eregiram os princípios aos patamares modernos foram Dworkin e Alexy. Para aquele ao contrário das regras que tem apenas uma dimensão de validade, os princípios possuem uma dimensão de peso, de importância, não são aplicados no plano da validade. Para ser aplicado em um caso concreto quando em confronto a outro princípio valerá aquele que ponderado (aqui essa ponderação tem sentido de reflexão) for mais adequado a solução do caso.

Já para Alexy os princípios são mandamentos de otimização, assim esclarece Luis Virgílio Afonso da Silva "segundo Alexy, princípios são normas que estabelecem que algo deve ser realizado na maior medida do possível, diante das possibilidades fáticas e jurídicas presentes". A diferença é que para essa teoria um princípio quando em colisão com outro impede sua realização, e essa só pode ser resolvida sobepesando os mesmos em busca da otimização que sempre depende do caso concreto.

Apesar das diferentes formas de se explicar o que é um princípio jurídico e como interpretá-lo frente a um sistema jurídico, o importante é que com a visão pós-positivista do que é Direito, esses princípios adquirem normatividade que antes á eles eram negados, pois são capazes de quando aplicados a determinado caso, de produzir determinados efeitos pretendidos pela norma, o que comumente conhecemos como eficácia da norma.

Tomo como base do presente artigo a visão de princípios posta por Dworkin na sua Teoria do Direito como Integridade, onde o complexo de normas que representa o Direito deve ser capaz de apresentar sempre soluções jurídicas a casos concretos mesmo que para isso não seja o caso regulado pelo ordenamento jurídico em forma de regra. Nesse caso temos que seguir os mandamentos dos princípios que para o autor são padrões que contêm exigências de justiça, equidade, devido processo legal ou qualquer outra dimensão de moralidade.

A Integridade para Dworkin é obtida sempre com a fusão de dois outros princípios: o de se poder exigir do legislador o estabelecimento de um ordenamento coerente quanto aos princípios, e ode exigir que a prestação jurisdicional seja coerente e uniforme quanto à aplicação das leis desse ordenamento, aqui o que se busca é a correta aplicação da lei.

Importante observar que o Direito como Integridade só se realiza em uma comunidade de princípios, onde as pessoas que formam essa comunidade reconhecem que são governados por princípios comuns e não somente por regras criadas em conformidade com um acordo político, onde o direito não se restringe a um conjunto de decisões tomadas institucionalmente, mas é antes um sistema de princípios construído a partir da interpretação da história e das práticas sociais dessa comunidade, e tudo isso é capaz de limitar a discricionariedade dos atos jurídicos, no nosso caso específico os atos dos gestores ambientais, como veremos adiante.

Passemos a analisar em detalhadamente um desses princípios, qual seja o da legalidade que nasceu na Revolução Francesa como forma natural de obstar qualquer poder absoluto sujeitando-o ao Império da lei e controlando o Estado em benefício do administrado. No seu surgimento o princípio era ligado ao Estado Polícia, onde cabia ao mesmo policiar os cidadãos, observando o que ditado pela lei. A lei nesse Estado Liberal era essencialmente formal. Presa ao texto legal, o formalismo era mais importante do que a efetiva realização da igualdade e justiça, o princípio era basicamente usado para a proteção a liberdade individual do cidadão e das propriedades particulares.

Com a mudança do paradigma estatal para o Estado Social o princípio da legalidade tomou um âmbito de dirimir os grandes conflitos e diferenças sociais existentes, além de legitimar os regimes totalitaristas e ditatoriais a usarem a força.

Com o fracasso desse modelo estatal observou-se que apenas a lei formal não era suficiente para oferecer segurança jurídica e justiça a sociedade, dessa forma a concepção de legalidade muda, em consonância com os anseios sociais em busca de uma justiça material, e sob o paradigma do Estado Democrático de Direito passa a ser entendido como princípio da juridicidade. Enquanto o princípio da legalidade no Estado liberal objetivava submeter o administrador público à lei formal, no Estado Democrático de Direito o princípio da legalidade ganha status de juridicidade, submetendo o administrador público não apenas à lei, mas ao Direito que pode ser instrumentalizado por outros meios que não a lei formal, em busca de uma justiça material e o ideal de justiça social.

O princípio da juridicidade aplicado à administração pública, no nosso caso ao gestor público ambiental, significa a ausência total de liberdade do gestor no trato da coisa pública. Para Carmen Lúcia é que "o princípio da juridicidade administrativa, significa, portanto, que a administração pública é o Direito em um de seus momentos o da dinâmica"... "nem é que ela se submete ao Direito, mas tão somente que ela é o próprio Direito"... "quem se submete ao Direito é o administrador público". Essa dinâmica deve ser entendida pelo modo como ao administrador faz funcionar a norma jurídica quando de sua aplicação. Então o princípio é antes a adequação perfeita entre o posto pelo Direito e pelo ordenamento como todo, e o realizado pela entidade administrativa em busca da concretização desse ordenamento.

Entendido o que vem a ser o princípio da juridicidade, traduzido pelo instituto da juridicidade administrativa, passemos a discutir outro ponto importante para o cerne desse artigo, a discricionariedade administrativa. Esse tema é um dos grandes combatidos pelos pós-positivistas principalmente por Dworkin e de sua Teoria da Integridade do Direito, mas antes de entendermos o repúdio ao instituto temos antes de tudo que entendê-lo.

A discricionariedade administrativa assim como o princípio da legalidade, nasceu em França (e dele é indissociável), mais precisamente no Conselho de Estado da França, e se desenvolveu na Europa no séc.XVIII, advindo do princípio da separação dos poderes clássica, do Estado liberal, onde o equilíbrio de 'forças' entre o executivo (monarca), legislativo e judiciário, e a vinculação à lei formal eram suficientes para garantir segurança jurídica aos administrados.

Tal segurança traduzida em liberdade individual significou para a administração pública, e para a feitura de atos públicos, uma limitação da vontade do que a lei dispunha como sendo contrária a liberdade individual. Foi o que Montesquieu, um dos principais filósofos da época, entendeu como sendo liberdade individual sendo 'o direito de fazer tudo aquilo que as leis permitem', consequentemente à esfera pública era legado tudo o que garantisse o exercício dessa liberdade.

O poder público, antes na mão do monarca e agora na mão dos três poderes, era limitado pelo próprio poder traduzido em lei, que emanava da soberania popular, em prol de se evitar abusos. Ocorre que mesmo subjugados à lei, o administrador público (independente do poder) para administrar a coisa pública em alguns casos não amparados ou previstos pela lei, fica livre para elaborar atos que se submetem ao seu juízo de valor, dentro de uma escolha pautada na conveniência e na oportunidade.

Essa definição é o que entendemos por poder discricionário, que, embora excepcional, no início de sua concepção não foi assim entendido, o que deu margem para que os administradores fizessem as maiores atrocidades em nome da própria lei.

A busca dos pós-positivistas foi justamente a limitação dessa discricionariedade, e a busca por um caráter mais objetivo da livre escolha que a lei ofertava ao administrador. Retomemos, pois, a teoria de Dworkin, por essa a discricionariedade estaria limitada pelos princípios jurídicos que dão forma a integridade do direito, em nossos dias significa limitação por todos os princípios do ordenamento, inclusive às regras, que conformam o próprio direito.

Com a concepção desses dois institutos e a sua aplicação quanto ao administrador público quanto aos seus atos, outra pergunta que se faz crescente e se os atos administrativos podem sofrer controle externo pelo poder judicial. A pergunta encontra resposta também no princípio da juridicidade.

Analisemos, o judiciário deve exercer um controle externo, à posteriori, quanto a legalidade dos atos administrativos vinculados, aqueles que postos pela lei, mandam margem a juízo de valor por parte do gestor, ora os atos discricionários também são postos pela lei, e portanto, podem ser ilegais, se o juízo de valor for feito fora dos padrões postos por essa lei, temos que mesmo q de acordo com alei formal, esse pode não estar de acordo com sistema jurídico posto pelo direito do estado e conformado pela juridicidade.

A discricionariedade administrativa estaria, pois, afastada pela integridade do direito e aplicação de princípios jurídicos sempre em busca de uma resposta correta, que para o gestor público nada mais é do que a eficiência e a satisfação do interresse público.

Mas o que a vinculação, a limitação do poder discricionário é o princípio da juridicidade na administração pública tem haver com o Estudo do Impacto Ambiental e com a Licença Ambiental? E mais, como à luz desse princípio, podemos controlar judicialmente a vinculação do administrador ao EIA? Enfim, como esse controle pode servir para atribuir responsabilidades pelos danos ambientais que sejam recorrentes da não observância do EIA?

Primeiramente, o EIA tem origem no direito norte-americano e posto na CR/88 como pressuposto do controle preventivo dos danos ambientais. Nesse estudo, avaliam-se todas as obras e atividades que possam causar séria deterioração do meio ambiente e tem por objetivo compatibilizar o desenvolvimento econômico social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. Esse estudo preventivo está intimamente relacionado ao licenciamento ambiental (processo administrativo pelo qual o órgão ambiental competente analisa a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades que utilizem recursos ambientais e que possam efetiva ou potencialmente degradar o meio ambiente) e desse é requisito.

Pela legislação vigente, o EIA não vincula obrigatoriamente a decisão a ser tomada pelo administrador público ambiental para concessão do licenciamento quando esse estudo é desfavorável ao empreendimento, o que se tem é uma ampla interpretação de conveniência e oportunidade pelo gestor do conteúdo do EIA e dos impactos nele analisados, o que acaba por transformá-lo em um ato administrativo discricionário. Mas será que o gestor público ambiental é o mais indicado para fazer esse juízo?

Por outro lado, segundo essa mesma legislação, o EIA vincula o órgão público a conceder a licença ambiental caso o mesmo seja favorável ao empreendimento. Ora se o licenciamento é forma de se evitar o impacto ambiental, como pode o gestor público, alegando conveniência e oportunidade deixar de aplicar o EIA desfavorável?

Meu ponto de vista há que se vincular o administrador ambiental tanto ao estudo favorável quanto ao desfavorável, eliminando dessa forma qualquer traço de discricionariedade contida no ato. Como deve então ser obtida tal vinculação? Tendo em vista estar a administração pública ambiental subjugada aos princípios da administração pública, nada mais evidente do que aplicar ao primeiro os princípios inerentes a esse.

Assim, aplicamos o princípio da juridicidade como forma de afastar a discricionariedade do administrador e a não vinculação ao EIA quando o mesmo é desfavorável a alguma atividade ou obra. Mais uma vez, estaríamos vinculando o gestor ambiental não apenas a lei que estabelece a conveniência quanto ao desenvolvimento econômico, mas ao direito como todo, e principalmente à constituição que estabelece a preservação do meio ambiente em detrimento de interesses particulares.

Enfim, o administrador ambiental não pode licenciar nenhum empreendimento se a recomendação contida no EIA for contrária ao licenciamento. Dessa forma, caso o EIA não seja respeitado pelo gestor e esse apesar do desenvolvimento econômico causar dano ao meio ambiente, em virtude da vinculação, é possível através do controle judicial por uma ação civil pública responsabilizar o gestor pela sua não observância.

REFERÊNCIAS

ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4º Ed., revista. São Paulo: Malheiros Editora, 2005.

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BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o principio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

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DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. 1. Ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1999.

______________. Levando os direitos à sério. Tradução Nelson Boeira. 1ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

GOMES, Alexandre Travessoni. A moral e o direito em Kant: ensaios analíticos. 1 Ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007.

SILVA, Luis Vírgilio Afonso. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Publicado in Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais (2003). P.607-630.

ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. 1. Ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1994.


Autor: GABRIELA SOARES


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