A luta pela Amazônia Brasileira na BR 163



A luta dos brasileiros contra a internacionalização dos interesses sobre a Amazônia brasileira, tem uma história, apresenta-se viva no presente e vai continuar existindo no futuro. A região nunca deixou, é hoje e vai permanecer sendo, objeto da cobiça internacional.

Desde o descobrimento existem inúmeros episódios de tentativas de tornar a região um patrimônio internacional, algo como uma Antártica, aonde o acesso seria livre e a soberania não existiria. Brasileiros foram chamados para ocupar essa imensa região, que estava sob ameaça dessa internacionalização. A terra sem homens foi então oferecida aos homens sem terra, que vieram ocupar para não entregar, entre outros locais, a região da BR 163. Quando as pessoas ali chegaram na década de 70, a luta delas contra a influência externa estava, na verdade, apenas começando.

O planejamento da implantação da rodovia procurou identificar um traçado que permitisse o estabelecimento, primeiro, de uma base produtiva agropecuária. Sem a agricultura, não existem cidades. Dessa forma, ao longo do eixo da rodovia, em ambas as direções, foi estabelecida uma área de influência de 100 km, voltada para a implantação de atividades agropecuárias, destinadas a permitir a auto-sustentabilidade da ocupação do território. Eram, de fato, medidas voltadas para estabelecer a presença brasileira em toda a região. O ZEE BR 163, encontrou uma vasta área coberta por terras com aptidão agrícola 1, 2 e 3 na região de influência da rodovia, que chega a 79 % na área hoje coberta pelo Decreto de Criação da Flona Jamanxim, no Pará, comprovando a eficiência daquele plano de assentamento.

Vale lembrar que a área disponível para a agropecuária e silvicultura no mundo, sofreu uma redução de 1,1 ha / habitante para 0,3 ha / habitante, entre 1960 e a projeção para 2030. Das áreas que podem ser utilizadas para agricultura nos principais países do mundo, o Brasil tem 51 % do total, portanto, o maior potencial de competitividade de todo o planeta para crescimento sustentado do setor.

Essa bem planejada história, fez com que o convite trouxesse para região trabalhadores do movimento sem terra, agricultores familiares e pequenas, médias e grandes empresas, que foram solidificando o processo de ocupação e gerando trabalho e renda. Do outro lado, a rodovia também fez com que fossem geradas preocupações muito grandes, principalmente, do Setor de Pesquisa Econômica do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o equivalente do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no Brasil. Segundo dados daquele setor de pesquisa, no relatório sobre a agricultura no Brasil e Argentina (USDA, 2002), o tremendo potencial de produtividade do setor brasileiro, se realizado: “poderia ter implicações profundas para o comércio global e para as exportações, preços e lucros da produção dos EUA.” O documento trata da BR 163, informando que a implantação iria aumentar a competitividade internacional de uma imensa produção do Centro-Oeste e Norte do Brasil, região com imensas áreas de terras virgens, prontas para ser integradas a nova infra-estrutura (USDA, 2002). O relatório faz referência a estratégias para influenciar os aspectos ambientais relacionados a implantação de infra-estrutura, chamando a atenção para a existência de ONGs ambientalistas locais, passíveis de ser financiadas através de fundos internacionais.

Em 2005, o “World Watch Institute”, uma renomada ONG internacional, publicou artigo intitulado: “Um Desafio para os Conservacionistas” (WWI, 2005). No trabalho, voltado para apresentar uma discussão sobre o futuro do desenvolvimento sustentado, o Banco Mundial, o Fundo Mundial do Meio Ambiente (GEF), o Fundo Internacional para a Vida Selvagem (WWF) e a Agência de Assistência dos EUA (USAID), são citadas entre as instituições que recebem o fluxo de dinheiro dos Governos (EUA) e Empresas (madeireiras, setor agropecuário), voltado para implantar uma agenda de interesses, compactuada com a agenda ambiental (CHAPIN, 2005).

A estratégia de trabalho, envolve trabalhar com repasse de dinheiro para as ONGs ambientalistas locais, o que diminui a quantidade de documentos que a USAID tem de produzir e aumenta o poder de influência das ONGs internacionais na região (CHAPIN, 2005). Além disso, o documento afirma que: “A Usaid, GEF e o Banco Mundial, são agências diplomáticas que trabalham muito próximas dos Governos Nacionais.”(CHAPIN, 2005). O resultado, segundo o documento, é que os interesses locais são completamente alienados, com a ajuda das instituições federais que recebem os fundos dessas instituições. A população local acaba sendo retirada das regiões objeto dos acordos, revelando a intenção de conseguir evitar que a ocupação humana possa impactar o interesse dos financiadores. O documento satiriza o fato das populações locais serem extintas pela chegada das ONGs ambientalistas. Há uma aparente ligação com um aspecto importante de internacionalização de interesses na Amazônia brasileira. O resultado disso foi que com a criação do Mosaico de UCs da BR 163, financiando pelo Banco Mundial, GEF e USAID, a área de UCs no Pará ultrapassou os 50 % do total do Estado. Com o incremento desse mosaico de UCs no Pará, segundo estudo apresentado pela Embrapa, faltam quase 9 milhões ha para que o Estado consiga cumprir com a legislação ambiental, mesmo antes de qualquer assentamento humano (EMBRAPA, 2009).

O Ministério do Meio Ambiente foi e permanece, ocupado por uma grande quantidade de membros de ONGs ambientalistas com laços internacionais e locais. São exatamente essas ONGs que recebem o fluxo de dinheiro, que vai das empresas internacionais e do departamento de agricultura dos EUA para a USAID, GEF e Banco Mundial. Dessa forma, no caso da BR 163, as ONGs ambientalistas estão atuando em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente, para atender a demanda apresentada pelas empresas e governo dos EUA. O resultado foi uma grande onda de criação de Unidades de Conservação em área de alta produtividade agropecuária, como o caso da Flona Jamanxim, que apresenta ainda, segundo o ZEE BR 163, um alto potencial social. O alto potencial social significa que existe uma sociedade consolidada na área (ZEE BR 163, 2008). A intenção evidente é retirar a população e destruir a capacidade empresarial da região, buscando argumentos para a retirada dos empreendimentos industriais e com gerenciamento profissional.

O projeto prevê ainda a concessão das áreas da Flona Jamanxim para empresas florestais, que vão realizar o manejo florestal sustentado. A população e as empresas locais já realizam o MFS desde sua chegada, tendo sido impedidos de dar continuidade na mesma época em que foi ventilada a proposta de criação do mosaico de UCs.

Demonstrando o descontentamento com a atitude, a população local foi contrária a criação da UCs em todas as ocasiões em que se manifestou, incluindo durante as consultas públicas e através de processos judiciais e administrativos em todas as instâncias possíveis. O ZEE BR 163, o Icmbio, Ibama, Ministério Público, Procuradoria Geral, Câmara dos Deputados, Senado Federal e muitas outras instituições, são testemunhas da contrariedade da população local com a criação do mosaico de UCs e em especial a Flona Jamanxim. O próprio Ibama, através do Núcleo de Florestas Nacionais, do Comitê de Florestas - Nucflona/Coflo/Ibama/MMA, na sua Informação de junho/2005, retrata que: “Audiências públicas são mero cumprimento de exigência jurídico-administrativa e rito para consecução de objetivos pré-estabelecidos (pg 04)”, fazendo com que o “Processo para criação de UCs no mosaico da BR 163 criem distorções jurídico-adminstrativas, técnico-gerenciais e político-institucionais, com efeitos danosos a curto, médio e longo prazo.” (Nucflona, 2005).

As audiências públicas foram realizadas sem seguir o rito legal, e os documentos dos resultados ignorados para atender o interesse da criação das UCs, contra a vontade da população local. O próprio Banco Mundial recebeu relatório distorcido sobre a operacionalização da operação.

De acordo com o projeto financiado pelo Banco Mundial, havia a obrigatoriedade de criação de um Comitê de Mediação de Conflitos – CMC, permanente e voltado para criar atos administrativos com a função de negociar soluções para os descontentamentos sociais gerados pela criação e implantação das UCs (Arpa, 2002). Mesmo com todo o apelo da população local e as evidências claras desse descontentamento geral com a criação das UCs, a equipe do Icmbio que assumiu a administração dos fundos do Arpa, enviou relatório ao Banco Mundial, em 22 de junho de 2009, que diz expressamente que: “Não ocorreu nenhum impacto adverso durante o projeto. O CMC nunca foi reunido, mesmo depois de oficialmente criado, demonstrando que nunca houve qualquer reclamação significativa quanto à criação das UCs” (Banco Mundial/Arpa, 2009). É difícil acreditar a que nível chegou o descaso com os direitos da população local e a preocupação com o cumprimento de determinações legais.

A ocupação da região pela população é um fato conhecido e reconhecido há longa data, inclusive pelos membros do Consórcio da BR 163, que em 2004 produziram mapa indicando que a zona que compreendia os 100 km dois lados do eixo da rodovia, já estava ocupada e com nível de conversão de áreas florestais para uso agropecuário de 30 % (CONSÓRCIO BR 163, 2004). O Governo do Pará, em conjunto com as populações locais, já havia produzido Planos Integrados de Desenvolvimento – PID, para várias áreas ao longo do eixo da BR 163, combinando uma estratégia de ocupação que implantava o desenvolvimento sustentado como meta para a região (PID, 2002).

Mesmo com toda a evidência da inadequação da criação do mosaico de UCs, o MMA enviou material para a Presidência da República, que resultou em Decreto de Criação do Mosaico de UCs da BR 163, em 2006. Esse decreto incluía, entre outras, a Flona Jamanxim, no escopo das UCs criadas com o dinheiro do GEF, Banco Mundial e USAID para atender aos interesses das empresa e Governos dos EUA junto à BR 163. Com isso, o Governo Federal acabou investindo contra os produtores rurais na região, na determinação de retirar a população local e formar as UCs que aquelas organizações estão pagando pra ser implantadas, em conjunto com as ONGs ambientais nacionais e o MMA. A força policial já está sendo empregada e, em portaria recente, está sendo autorizado o uso de “armas de fogo” para os trabalhos (Presidência da República, 2009), de interrupção das atividades, retirada das criações e da população.

O direito de autodeterminação está estabelecido pela Convenção Internacional dos Direitos Civis e Públicos, de 1976, que prevê, no seu Art 1.º, que é a população local que decide sobre o destino dos recursos naturais da região que ocupa (ONU, 1976). Além disso, a Convenção Internacional para Eliminar Todas as Formas de Discriminação, determina que sejam proibidas: “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência..., com o propósito de anular ou desigualar o reconhecimento, gozo ou exercício, em bases de igualdade, dos direitos humanos em qualquer campo da vida pública, incluindo política, econômica, social e cultural...garantindo as liberdades fundamentais do cidadão” (Art 1.º e 4.º) (ONU, 1976). Portanto, a população local tem direito de exigir sua soberania na escolha do destino dos recursos naturais, e não pode ser discriminada pelos ambientalistas do MMA ou Icmbio.

Quanto aos procedimentos de consulta pública e a garantia dos direitos de reclamação da criação das UCs, o Banco Mundial tem um Departamento de Integridade Institucional, que reconhece a confiança pública depositada no banco, e está comprometido com a melhoria dos processos de governança dos projetos financiados por ele (Banco Mundial, 2009). O banco define comportamento fraudulento como: Prática de qualquer ato de omissão, incluindo a representação falseada, que conhecidamente e sem a devida atenção distorcem, ou tentam distorcer procedimentos, para dispensar um participante de uma obrigação assumida (Banco Mundial, 2006).

A criação do Mosaico de UCs na BR 163, e em especial da Flona Jamanxim, sem atender aos preceitos legais, desrespeitando os resultados das audiências públicas, e omitindo as reclamações da sociedade local junto ao CMC, atenta contra os direitos humanos da população local e contra o contrato de financiamento do próprio ARPA.

A população local está mobilizada para evitar as conseqüências desse ato, que está ocasionando uma grande revolta em toda a região. Na tentativa de encontrar no diálogo uma solução pacífica para a questão, ofereceu uma proposta de readequação para o MMA, assim como um projeto de formação do “Corredor da Biodiversidade da BR 163” - uma estratégia regional de conservação de uso das florestas, voltada para a complementaridade entre os esforços de criação das UCs. Essa é uma demonstração clara da vontade da população local de buscar solução para o conflito, integrando-se aos objetivos maiores do desenvolvimento sustentável para toda a região. A proposta da população local já foi estudada em comparação com a proposta do MMA para a Flona Jamanxim, e demonstrou estar em uma sintonia muito maior com os objetivos do desenvolvimento sustentável, atingindo um nível de 84%, contra 25% do ICMBIO. As atividades agropecuárias, silvipastoris e agroflorestais realizadas na Flona Jamanxim pelos 2,2 mil habitantes e empresários, estão sendo conduzidas dentro do que prescreve a legislação e de forma sustentada, contribuindo para gerar produtos de qualidade e serviços ambientais para a sociedade.

Os brasileiros da BR 163, especialmente da Flona Jamanxim, estão na linha de frente do combate aos interesses internacionais na Amazônia brasileira. Por conta disso, estão sendo vítimas de uma grande mobilização do aparato ambientalista e econômico, que busca retirar a população e os empreendimentos agropecuários e florestais na região. Sob o pretexto de garantir a qualidade ambiental, está sendo financiada e executada a desintegração da sociedade local, e a transferência de suas áreas para a formação de Unidades de Conservação e novamente transferência para novos empreendedores. Esse objetivo nunca atendeu os interesses da população local, e somente vai gerar benefícios para o Departamento de Agricultura dos EUA, que foi o primeiro a vislumbrar a necessidade de agir para conter o avanço do desenvolvimento sustentado do setor rural no eixo da BR 163.

É preciso que sejam revistos os procedimentos que levaram a criação do mosaico de UCs da BR 163, para isso a população local, através de seus representantes em todas as esferas privadas e públicas, precisa se unir e reivindicar a imediata revisão dos limites das UCs, especialmente da Flona Jamanxim. O procedimento deve ainda buscar o resgate e legitimação das ações federais na região, através da realização de novas audiências públicas, como forma de corrigir as omissões realizadas nas primeiras, garantindo os direitos básicos da população local, principalmente no que tange a auto-determinação sobre o gerenciamento dos recursos naturais.

Eder Zanetti é engenheiro florestal, com mestrado em manejo florestal sustentável e gerenciamento de propriedades rurais pela Albert-Ludwigs Universitat de Freiburg, na Alemanha, e doutorando em Manejo Florestal Sustentável para a Amazônia Brasileira pela UFPR. Membro do painel de especialistas da UNFCCC para revisão externa de metodologias florestais do MDL do Protocolo de Quioto, especialista na área de mudanças climáticas globais e serviços ambientais das florestas. Já atuou como engenheiro florestal em 13 países dos 5 continentes, venceu vários prêmios nacionais e internacionais na área ambiental, tem 4 livros publicados sobre temas relacionados ao uso e gerenciamento dos recursos naturais, e reside ou trabalha na Amazônia brasileira desde 1973. Atualmente atua junto às organizações da sociedade civil, prefeituras e população local da região de influência da BR 163 na Flona Jamanxim, na luta pelo reconhecimento de seu direito de permanecer no local.

Robson Zanetti é Advogado. Doctorat Droit Privé pela Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Corso Singolo em Diritto Processuale Civile e Diritto Fallimentare pela Università degli Studi di Milano. Autor de mais de 150 artigos , das obras Manual da Sociedade Limitada: Prefácio da Ministra do Superior Tribunal de Justiça Fátima Nancy Andrighi ; A prevenção de Dificuldades e Recuperação de Empresas e Assédio Moral no Trabalho (E-book). É também juiz arbitral e palestrante. [email protected].
Autor: robson zanetti


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