O Avião



Foi a professora dele que pediu a redação. Tudo normal para uma criança que tem a chance de estudar neste país. Apolônio escreveu a sua. Sim, este é seu nome. Realmente anacrônico. Os pais talvez quiseram homenagear as gerações passadas, bem passadas, pois tal nome no século atual nos parece estranho. Por isso, Apolônio compensava as chacotas do nome na sua excelente atuação estudantil. Sempre era um dos melhores da sala. Isto lhe trazia satisfação e alegria.

Até que um dia a professora pediu uma redação. Cada aluno deveria escrever sobre um menino imaginário, num mundo fantasioso e contar alguma coisa sobre suas aventuras. Melhor tema não havia. Apolônio sem rodeios soltou as rédeas da imaginação e o lápis na sua folha. Escreveu, escreveu e escreveu. Os dedos até doíam. A folha era consumida como numa máquina impressora. Ele feliz quis entregar com garbo sua obra prima para sua mestra. Entrego-a feliz na certeza do êxito alcançado mais uma vez. Findou-se assim, mais um dia de aprendizagem formal para o menino.

Na semana seguinte veio o enfado. O dia inesperado, imprevisto em que Apolônio conheceria um pouco mais deste animal chamado ser humano. Este dia foi o da entrega das redações. Sua professora chamava-se Rosa e tinha todo o estilo das professoras das séries da 'pata tenra'. Meio mãezinha, mas ao mesmo tempo mostrava seu ar virginal e imaculado para as crianças, ao menos no período comercial. Era querida pelos afetos infantis e distribuía os seus sem medida. A professora diante dos seus alunos disse que iria entregar as redações, dizer o que era preciso melhorar em cada uma delas e anunciar quem era o vencedor do pequeno concurso de redação. Apolônio esperava o elogio de sempre sem estes adendos e é claro ser o vencedor. E assim, foi chamando nome a nome dizendo para um olhar a letra, para outro a margem, para outro a ortografia, sucessivamente. Porém, quando chamou Apolônio teve que interromper. Disse: 'Querido, você vai ter de refazer sua redação'. Apolônio ficou atônito. Não era verdade. Devia ser outro aluno. A professora continuou: 'É que você falou uma coisa que é errada'. Nossa! O menino ficou pensando: 'Errada!'. Para ele nada estava errado, tudo estava perfeito. Conclui a professora: 'Depois falo em particular'. A turma se revirou em cochichos e a vergonha fez rubro o rosto do menino. Pensava consigo o que tinha feito de errado, o que tinha escrito. Será um palavrão? Ou falado mal de alguém? Ou um erro de ortografia absurdo? Não encontrava em sua memória nada que lhe desse razão da acusação.

A professora dispensou a turma, pois já era o final das aulas do dia dizendo que amanhã anunciaria o vencedor ou a vencedora do concurso e pediu que Apolônio esperasse. Ele, ainda quieto, obedeceu. A professora o chamou e disse:

___ 'Sabe, é que você contou uma historinha que não é legal'.

___ 'Como assim não é legal. Contei a história do menino que estava no país da transformação e que ao fumar o cigarro mágico saia um avião do meio de sua fumaça'.

___ 'Então, o problema é o cigarro. Não fica bem crianças lerem histórias de cigarro'.

___ 'Professora, a história não é sobre cigarro, é sobre os aviões que saíam da fumaça'.

___ 'Eu sei, mas é melhor sair de outro lugar. É só você mudar a redação'.

___ 'Mudar? Não fiz nada de errado. Tenho certeza que se a turma escutar vai gostar'.

A professora ficou sem saber o que fazer. Chamou o menino e o levou para a diretoria. Assim, ela e a diretora poderiam convencer mais facilmente sua teimosia. O menino entrou na sala firme em manter suas posições. A diretora o recebeu com a saudação 'você está atrasando meu almoço' no fundo do coração. Por fora sorria para o cliente, afinal é ele quem pagava seu almoço e tudo o mais. Disse-lhe:

___ 'Apolônio. Achei sua redação o máximo. Realmente é a melhor da sala. Você tem razão em estar chateado, pois ter que reescrever uma história tão empolgante só por causa de um detalhe é chato mesmo, mas é preciso, pois não fica bem, fica chato para a escola, para você, para sua mãe, uma criança fumando na história, entendeu? É só isso'.

O menino fez cara de 'não me toque' e não disse nada. Olhou com raiva para a professora e depois fixou a diretora e disse:

___ 'Não vou mudar minha história. Eu gosto dela desse jeito'. Depois cruzou os braços.

A diretora olhou para a professora e depois disse ao menino:

___ 'Querido, você quem vai decidir. Mude a história e você será o vencedor do concurso. Ou, não mude e sua redação nem aparecerá no caderno de redação comemorativa do fim do ano. Você quem decide sua vida'.

Apolônio sabia que não mudar não era só não vencer o concurso. Era também ter que se explicar em casa, era ter de responder aos colegas porque sua redação não está no livro comemorativo, mas era também fazer o que não queria. Ele pensou, olhou com sagacidade e falou:

___ 'Tudo bem. Eu mudo'.

___ 'Ótimo', respondeu a diretora. 'Assim que age um menino inteligente'.

No dia seguinte, Apolônio tinha uma certeza, era o vencedor. A professora pediu a sua redação reescrita. Ele entregou sem resistência. Ela a colocou junto as demais. Depois acalmou a turminha e disse: 'Hoje vamos anunciaro vencedor do concurso de redação'.E começou: 'Em terceiro lugar... Em segundo lugar... E em primeiro lugar: Apolônio'! O resultado não causou surpresa. Todos aplaudiram apenas por pedido da professora. Ela então o convidou para ler sua redação para todos. Ele se levantou, pegou a folha e começou a contar as aventuras. Furtivamente, pegou uma outra folha e colocou na frente da primeira. Era sua redação original. Continuou a ler normalmente, sem demonstrar qualquer vacilo. E a história caminhou até os cigarros mágicos e seus aviões flamejantes que saiam para enfrentar os inimigos a cada baforada do menino. A professora ficou com raiva e mandou parar imediatamente a leitura. Os colegas protestaram dizendo que queriam ouvir o fim da história. A professora Rosa, esquecendo-se de sua postura virginal e imaculada, tomou a folha das mãos do menino e o mandou assentar-se. Ele a olhou e começou a chorar. A professora disse que ele não era mais o vencedor porque não sabia se comportar como um menino bom. Ainda disse que chamaria a mãe para conversar e que ele devia ter vergonha do que fez. Apolônio ficou magoado. Para ele não havia nada de mal em inventar uma historieta com cigarros. Ele chorando baixinho foi sentar-se.

Quando acabou a aula uma amiga da sala perguntou a Apolônio:

___ 'Não entendi o que a professora fez. Você copiou a redação de alguém'?

Apolônio olhou para a face solidária de sua amiga com carinho e disse:

___ 'Hoje aprendi que ser o que a gente é pode custar caro e que é mais fácil fazer o que se pede, pois assim não se fere o interesse de ninguém'.

A amiga não entendeu bem o que ele disse; achou muito adulta sua sentença e para falar a verdade eu também!


Autor: Antonio Spirandeli


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