Os Precatórios Judiciários - Da Redação Original da CRFB à PEC Nº 29/2000



Pós-Graduação (MBA) em Direito Tributário
Fundação Getúlio Vargas - Niterói, Turma II
Professor: Procurador da Fazenda Nacional Celso de Albuquerque e Silva
Aluno e Autor: Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho

Trabalho de Direito Financeiro e Planejamento do Estado (Entregue em Março de 2003)

"OS PRECATÓRIOS JUDICIÁRIOS - DA REDAÇÃO ORIGINAL DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA À PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 29/2000"

INTRODUÇÃO – A REDAÇÃO ORIGINAL DO ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

Inicialmente, devo definir o que são os precatórios judiciários: regulados constitucional e infraconstitucionalmente, os precatórios judiciais são documentos emitidos pelos Juízes aos Juízes-Presidentes dos respectivos Tribunais, para que estes determinem o pagamento das dívidas das Fazendas Públicas dos entes federados, sejam da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios (a sistemática detalhada do pagamento está descrita ao longo deste trabalho). Os precatórios são constitucionalmente positivados pelo artigo 100 da Carta Política, bem como pelos textos constantes em alguns artigos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, além, é claro, da legislação infraconstitucional.

Conforme a sua natureza, os precatórios podem ter caráter alimentício ou não alimentício. Cabe afirmar que os precatórios de natureza alimentícia são aqueles decorrentes de vencimentos, proventos, salários, pensões, e, com fundamento na responsabilidade civil, o pagamento de indenizações por morte ou invalidez. Todos os demais são de natureza não alimentícia: dentre estes podemos citar os créditos tributários, aqueles referentes a ações de desapropriação, etc.

Com a entrada em vigor da Constituição da República de 1988 e a inserção dos precatórios no texto promulgado, sua redação original, no que a eles se refere, era somente a que abaixo se segue:

“Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
§ 1° É obrigatória a inclusão, nas entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1° de julho, data em que terão atualizados seus valores, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte.
§ 2° As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados ao Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias respectivas à repartição competente, cabendo ao Presidente do tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento, segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito.”

Caput – Analisando o caput do referido artigo 100, podemos verificar que o legislador constituinte deu prioridade aos créditos de natureza alimentícia, como, por exemplo, aqueles resultantes de pagamentos realizados pelo ente federado com fundamento na responsabilidade civil por morte ou invalidez. Com a exceção de créditos como este, que prescindem de precatórios judiciais para seu regular cumprimento e satisfação (e que, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, também deveriam obedecer a uma ordem cronológica de apresentação, embora exclusiva para eles próprios), todos os demais serão saldados também em ordem cronológica de apresentação, mas de precatórios, sendo totalmente vedada a inclusão privilegiada de processos ou pessoas específicas nas dotações orçamentárias criadas com o objetivo de satisfazer tais dívidas das fazendas dos entes federados.

Concluo com isso que há duas ordens cronológicas a se verificar: a dos créditos de natureza alimentícia e a dos créditos de natureza não alimentícia, por meio dos precatórios. O caput proíbe que, no ato de se determinar o orçamento do ente federado para a liquidação das sentenças judiciais transitadas em julgado condenando a Fazenda Pública, se designe casos ou pessoas específicas: o orçamento deve ser global e único para este fim.

Contudo, cabe afirmar que, pela posição na qual grande parte da doutrina se baseava, eram incluídos dentro do conceito de créditos de natureza alimentícia não somente os pagamentos dentro da área cível, como a já mencionada responsabilidade civil decorrente de indenização por morte ou invalidez, mas também, por analogia ou interpretação extensiva da norma constitucional, aqueles resultantes da relação de trabalho, uma vez que, assim como o conceito de “alimentício” nos remonta à idéia de sobrevivência, e, por isso mesmo, de urgência, a proteção legal ao hipossuficiente na relação de trabalho, seja ela privada ou pública (caso em que são incluídas as Fazendas Estatais) também nos leva a tais conceitos. Assim, também tínhamos como absoluta prioridade constitucional no pagamento das dívidas judiciárias das Fazendas Públicas aqueles créditos resultantes de salários e vencimentos, por exemplo. Portanto, o hipossuficiente tinha proteção não somente dentro da iniciativa privada, mas também em suas relações trabalhistas com o Estado, com direito de preferência no pagamento dos créditos.

Tal posição doutrinária e jurisprudencial se fundamentava no fato de a própria Constituição da República atual ter inserido em seu texto diversas normas de proteção à relação de trabalho, em seu artigo 7°, bem como o princípio do valor social do trabalho e da livre iniciativa, numa interpretação histórica e teleológica que remonta à primeira Constituição brasileira que teve papel fundamental no Direito do Trabalho, qual seja, a de
1934. Desde então, todas as demais Cartas Políticas deram prioridade à proteção da relação de emprego em seus diversos textos, tanto nos regimes democráticos (1946 e 1988) quanto nos conturbados períodos políticos de 1937 e 1967-1969. Ora, se os créditos de natureza trabalhista decorrentes da relação privada de emprego tinham prioridade absoluta em nosso Direito Positivo, sendo absolutamente impenhoráveis, é razoável que tenham prioridade absoluta também quando se trata do pagamento de dívidas estatais, uma vez que o Poder Público é um empregador, com maior poder sobre seus empregados do que os empreendedores da iniciativa privada, pelo menos teoricamente. Portanto, histórica e teleologicamente, vemos que uma das prioridades do legislador constitucional foi sempre a de proteger a parte mais fraca da relação de emprego, o que também se aplica contra o Poder Público, que é a parte mais forte em qualquer relação de trabalho. Desta forma, esta proteção constitucional também se verifica quando falamos de créditos contra a Fazenda.

Não se deve interpretar o caput do artigo 100 literalmente, principalmente quando ele não menciona o Distrito Federal como incluso na ordem constitucional de pagamentos dos precatórios judiciários. O Distrito Federal, como boa parte da doutrina diz, tem a natureza jurídica de “Estado anômalo”, devendo ser considerado, portanto, como Estado da Federação, embora de natureza diversa, possuindo personalidade jurídica de Direito Público e também sua própria Fazenda Distrital. Portanto, fundamentando-se na doutrina dominante na época e na interpretação extensiva e analógica da norma constitucional, o Distrito Federal também se sujeita às normas constitucionais sobre o pagamento das dívidas públicas aqui discutidas.

§ 1° - O parágrafo 1° afirmava ser obrigatória nas entidades de Direito Público a inclusão de verba especial destinada puramente ao pagamento de precatórios apresentados até o dia 1° de julho anterior àquele determinado exercício, data em que tinham seus valores atualizados monetariamente, devendo os respectivos pagamentos ser feitos até o final de tal exercício posterior. O exercício sempre coincide com o ano civil, de acordo com o artigo 34 da Lei n° 4320/64. Portanto, os entes de Direito Público da Administração Pública Direta, que são a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, bem como aqueles entes públicos incluídos na Administração Pública Indireta, deverão, em seus orçamentos, destinar determinada verba, dentro de suas possibilidades, exclusivamente ao pagamento dos créditos devidos por sua Fazenda. Caso isso não ocorra, poderíamos, em tese, dar ênfase à ação de inconstitucionalidade por omissão, de acordo com o artigo 103, parágrafo 2°, da Constituição da República, que é aquela que ocorre devido à inércia do próprio legislador infraconstitucional ou de determinado ente com personalidade jurídica em relação a fazer algo determinado pela Constituição e que até o momento não se concretizou. Como a Fazenda Pública está vinculada a órgãos administrativos, a correção de tal inércia deveria ocorrer em 30 dias. Só que há um problema: ainda não está regulamentada infraconstitucionalmente a ação de inconstitucionalidade por omissão, sendo esta uma das razões pelas quais muitas Administrações Públicas continuam a desrespeitar o parágrafo 1° do artigo 100 da Carta Magna.

Em relação a uma outra questão referente ao mesmo parágrafo, em minha opinião seria um erro eventual alteração que permitisse a atualização até a data do pagamento, durante o exercício seguinte, e não exatamente no 1° de julho anterior. Isso porque a Fazenda Pública sempre poderia invocar, a seu favor, erro ao estimar determinado índice inflacionário, e, assim, desatender os demais precatórios remanescentes, já que estaria esgotada a verba orçamentária destinada a esse tipo de pagamento, uma vez que a Constituição da República não exige suplementações, que dependem de superávit, anulação de outras dotações orçamentárias ou operações de crédito, de acordo com o artigo 165, V, da Carta Política.

§ 2º - Já o parágrafo 2° determinava que as parcelas do orçamento devessem estar sob a custódia indireta do Poder Judiciário, uma vez que o seria por intermédio da repartição competente para as quais tais quantias deveriam ser recolhidas (seria o famoso instituto de Direito Civil da consignação em pagamento – só que indiretamente e em nível constitucional). Quem deveria determinar o pagamento, de acordo com as possibilidades do depósito, dando prioridade aos créditos de natureza alimentícia, e, ausentes estes, obedecendo rigorosamente a ordem cronológica de apresentação dos precatórios nos créditos de natureza não alimentícia (ambos os casos em que se poderia seqüestrar a importância necessária ao pagamento do precatório judiciário se assim o requerer o credor para garantir que seu direito constitucional de preferência previsto no caput deste artigo 100 seja respeitado), seria o Juiz Presidente do Tribunal que admitir a decisão contra a Fazenda Pública.

A EMENDA CONSTITUCIONAL N° 30, DE 13-09-2000

Em 2000 foi editada a Emenda Constitucional n° 30, que fez algumas alterações nos parágrafos 1° e 2° do artigo 100, cujo caput foi mantido, havendo, ainda, a incorporação ao texto constitucional dos parágrafos 1°-A e 3°, todos abaixo transcritos:

“Art. 100.............................................
§ 1° É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1° de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.
§ 1°-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.
§ 2° As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito.
§ 3° O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica ao pagamento de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.
§ 4° A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no § 3° deste artigo, segundo as diferentes capacidades das entidades de direito público.
§ 5° O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular do precatório incorrerá em crime de responsabilidade.”

§ 1°, parcialmente alterado – Em relação ao parágrafo 1°, vemos uma única diferença acrescentada pela Emenda Constitucional n° 30, apesar da significativa mudança nos termos escritos: enquanto que na redação original determinava-se a atualização dos valores dos precatórios judiciários já na data limite de 1° de julho anterior ao exercício no qual deveriam ser feitos os pagamentos, na nova redação a determinação constitucional é de que tal atualização monetária seja feita somente na data do pagamento, que deve ser realizado justamente até o final do exercício seguinte. Isso tem efeito enorme em relação aos valores reais que são pagos, pois, se antes já havia incerteza em relação aos mesmos, em virtude do fato de a atualização ser feita na precoce data limite de 1° de julho do exercício anterior, agora tal atualização terá de esperar até o pagamento, o que faz com que tais valores reais, determinados pela atualização monetária, possam se alterar significativamente devido à instabilidade da conjuntura econômica brasileira. Fora essa mudança, não houve mais alterações no parágrafo 1°, cujos demais comentários já feitos neste trabalho em relação à sua redação original continuam aqui se aplicando.

§ 1°-A, acrescentado – O parágrafo 1°-A, acrescentado ao texto, veio positivar aquilo que a doutrina dominante já entendia como sendo o correto em 1988 por meio da interpretação extensiva e analógica da norma constitucional então em vigor: dentro dos créditos de natureza alimentícia se encontram os de origem trabalhista, tais como salários, vencimentos e benefícios previdenciários, além dos demais ali constantes. Desta forma, o legislador constitucional derivado acabou com a controvérsia doutrinária a respeito do assunto, sedimentando de vez a idéia contida na até então aplicada interpretação histórica e teleológica do nosso Direito Positivo de que os créditos de natureza alimentícia são o gênero do qual os créditos de natureza trabalhista são espécies.

Portanto, todos os créditos constantes no gênero “créditos de natureza alimentícia”, descritos no parágrafo 1°-A, têm precedência de pagamento em relação aos demais. Cabe afirmar que este elenco de créditos apresentados como de natureza alimentícia não é exaustivo, mas sim exemplificativo, o que autoriza a interpretação extensiva e analógica, bem como a edição de leis infraconstitucionais determinando que outros tipos de crédito venham a ser incluídos neste rol.

§ 2°, parcialmente alterado – Agora, o parágrafo 2° determina que a consignação das dotações orçamentárias e dos créditos abertos não seja feita por meio de recolhimento às repartições competentes, mas do próprio Poder Judiciário, que ficaria como guardião e depositário direto do montante, sendo que as demais determinações constantes na redação original (competência do Presidente do Tribunal que emitiu a decisão para determinar o pagamento e seqüestro da quantia necessária à satisfação precedente dos créditos de natureza alimentícia, ou, em sua ausência, dos créditos de natureza não alimentícia, de acordo com a rigorosa ordem cronológica de apresentação de seus precatórios, em todos os casos se o credor assim o requerer, no caso de ameaça ao seu direito de precedência) foram mantidas.

No entanto, entende a doutrina majoritária, liderada por Barbosa Moreira, que, se houver realmente preterição na ordem cronológica, o seqüestro deve recair sobre a quantia que foi ilegal e inconstitucionalmente paga ao credor cujo precatório foi apresentado posteriormente ao do credor preterido, uma vez que o direito público é isento de constrição judicial, e, portanto, de penhora. Do contrário, o erro na ordem cronológica não poderia ser corrigido, violando, desta forma, a própria Constituição da República. Se, no momento de ordenação do seqüestro, o credor indevidamente pago não possuir moeda corrente suficiente para satisfazê-lo, pode tal constrição recair sobre seus bens, se assim o pedir o credor preterido. Mas, se ainda assim não for suficiente para se saldar o débito, pode o credor preterido exigir da respectiva Fazenda Pública a inclusão de seu precatório no topo da lista de credores, procedendo a novo seqüestro em caso de nova preterição.

Sendo indevido o seqüestro, cabe mandado de segurança por parte do credor atacado ou da Fazenda Pública, uma vez que este tipo de constrição é medida meramente administrativa.

§ 3°, acrescentado – Norma de alcance limitado, deixa ao legislador infraconstitucional a tarefa de definir quais são os pagamentos de pequeno valor em relação aos quais as Fazendas Públicas não deverão obedecer ao comando constitucional instituído no caput do artigo 100. São situações que, pela sua pequena natureza e complexidade, prescindiriam de precatórios para terem seus débitos satisfeitos pela Fazenda, a exemplo dos créditos de natureza alimentícia (uma pequena observação a ser feita é a confirmação da interpretação extensiva e analógica feita ao caput do artigo 100 da redação original, no que diz respeito ao fato de o Distrito Federal naquele elenco de entes federados também se incluir, tese esta confirmada por este parágrafo 3° quando se menciona “Fazenda Distrital”). Este artigo é pretensamente regulamentado, na esfera federal, pela Lei n° 10.099/2000, abaixo transcrita em seus principais artigos:

“Art. 1° O art. 128 da Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991, alterado pela Lei n° 9.032, de 28 de abril de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação:
‘Art. 128. As demandas judiciais que tiverem por objeto o reajuste ou a concessão de benefícios regulados nesta Lei cujos valores de execução não forem superior a R$ 5.180,25 (cinco mil, cento e oitenta reais e vinte e cinco centavos) por autor poderão, por opção de cada um dos exeqüentes, ser quitadas no prazo de até sessenta dias após a intimação do trânsito em julgado da decisão, sem necessidade da expedição de precatório’.
Art. 2° O disposto no artigo 128 da Lei n° 8.213, de 1991, aplica-se aos benefícios de prestação continuada de que trata a Lei n° 8.742, de 7 de dezembro de 1993.
Art. 3° Os precatórios inscritos no orçamento para o exercício de 2000 que se enquadrem nas demandas judiciais de que trata o artigo 128 da Lei n° 8.213, de 1991, ou no artigo 2° desta lei, poderão ser liquidados em até noventa dias da data de sua publicação, fora da ordem cronológica de apresentação.”

Por que digo “pretensamente regulamentado”? Porque a Lei n° 8.213/1991 dispõe sobre benefícios previdenciários, benefícios estes que, como determina o parágrafo 1°-A do artigo 100 da Carta Magna, estão incluídos dentro do conceito de créditos de natureza alimentícia. Desta forma, ao exigir, a contrariu sensu, a emissão de precatórios para o pagamento destes benefícios quando os mesmos forem superiores à quantia de R$ 5.180,25, o artigo 1° da Lei n° 10.099/2000, e, conseqüentemente, o artigo 128 da Lei n° 8.213/1991 se tornam inconstitucionais, uma vez que não foram recepcionados pela Emenda Constitucional n° 30. E, se o caput é inconstitucional, todos os parágrafos, que dele dependem e não estão aqui transcritos, também o são.

Como já dito neste trabalho, entendo que o rol de créditos de natureza alimentícia positivados no parágrafo 1°-A do artigo 100 da Constituição da República não é exaustivo. Por isso, esse artigo 2° se torna inconstitucional e sem sentido por dois motivos: a Lei n° 8.742/93 fala em benefícios de assistência social continuada, podendo-se incluir dentro de seu conceito os benefícios previdenciários, já que aqueles são o gênero do qual os segundos são espécie. Portanto, se os benefícios previdenciários estão inclusos, não se pode falar em teto máximo ou mínimo para limite de emissão de precatórios: independentemente do valor, os créditos de natureza alimentícia dispensam precatórios para a sua regular satisfação. Além disso, como considero o artigo 1° da Lei n° 10.099/2000 inconstitucional, pelas razões já acima expostas, este mesmo artigo 2°, se referindo à alteração dada pelo artigo 1°, fica prejudicado, pois se refere à nova e inconstitucional redação dada ao artigo 128 por esta Lei n° 10.099/2000, fazendo com que todo o artigo 2° perca positivação jurídica, uma vez que não se pode fundamentar qualquer artigo em outro inconstitucional, e, portanto, inexistente.

O artigo 3° seria uma exceção ao entendimento do Supremo Tribunal Federal de que há uma fila própria para créditos de natureza alimentícia entre eles próprios, pois os benefícios previdenciários são espécie dentro de tal conceito, de acordo com o parágrafo 1°-A do artigo 100 da Carta magna. Mas também este artigo fica prejudicado, uma vez que depende da existência dos artigos 1° e 2° da mesma Lei n° 10.099/2000 para adquirir sentido jurídico. Se os dois ditos artigos são inconstitucionais, este que deles depende também se torna ineficaz. POR TODOS ESTES MOTIVOS FUNDAMENTO MINHA TESE DE QUE A LEI N° 10.099/2000 É TOTALMENTE INCONSTITUCIONAL.

Porém, o parágrafo 3° do artigo 100 está, aí sim, regulamentado na esfera federal pela Lei n° 10.259/2001, que criou os Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais, estabelecendo no parágrafo 1° de seu artigo 17 o seguinte:

“Art. 17..............................................
§ 1° Para os efeitos do § 3° do artigo 100 da Constituição Federal, as obrigações ali definidas como de pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório, terão como limite o mesmo valor estabelecido nesta lei para a competência do Juizado Especial Cível (artigo 3°, caput).”

Cabe afirmar que o artigo 3°, caput, da Lei n° 10.259/2001, estabelece o valor máximo de sessenta salários mínimos para que se configure as competência do Juizado Especial Cível Federal, e, conseqüentemente, por força do parágrafo 1° do artigo 17, para a dispensa da emissão de precatórios nos créditos de natureza não alimentícia. Se o crédito for de natureza alimentícia, não se aplica esta lei, mas tão somente o caput do artigo 100 da Constituição da República.

§ 4°, acrescentado – Os legisladores infraconstitucionais das esferas federal, estadual, distrital e municipal deverão, de acordo com a capacidade orçamentária dos entes federados para os quais legislam, estabelecer os pequenos valores, aos quais se refere o parágrafo 3°, que dispensariam a emissão de precatórios nos créditos de natureza não alimentícia devidos por suas respectivas Fazendas Públicas. Em relação aos Estados, ao Distrito federal e aos Municípios, enquanto tais leis não forem criadas considerar-se-ão de pequeno valor os tetos máximos estabelecidos no artigo 87, I e II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, conforme veremos mais à frente.

§ 5°, acrescentado – Em relação à regulamentação deste parágrafo 5°, exporei parte do Projeto de Lei n° 687, que cria os crimes de responsabilidade dos magistrados, cujo artigo 1°, III, está abaixo transcrito e será recepcionado pela Constituição da República, caso o projeto se torne lei:

“Art. 1° São crimes de responsabilidade dos magistrados os atos vedados nos termos do artigo 95, parágrafo único, da Constituição Federal; os definidos como crime na Lei n° 1.079, de 10 de abril de 1950, e ainda:
......................................................
III – retardar, praticar indevidamente ou deixar de praticar ato de ofício, em processo judicial, com ofensa à lei, para beneficiar uma das partes ou satisfazer sentimento pessoal ou interesse próprio ou alheio;”

Portanto, pela redação proposta vemos que já existe uma lei em relação ao assunto, a 1.070/1950. A nova lei que se originaria a partir do Projeto n° 687 só viria a acrescentar mais alguns tipos penais de responsabilidade aplicáveis aos magistrados, e, provavelmente, retirar a aplicação de algumas das regras gerais do Código Penal em prol da utilização do novo diploma legal, cujas condutas são específicas dos magistrados (o Código Penal possui as condutas criminosas tipificadas de forma geral, enquanto que a nova lei se aplicaria exclusivamente aos magistrados, e, portanto, se sobreporia àquele quando o mesmo tipo penal estiver tipificado em ambos – princípio da especialização).

A título de curiosidade, exponho também o inciso VI do mesmo artigo, que incriminaria o magistrado que impusesse condenação desproporcional à Fazenda Pública:

“VI – condenar a Fazenda Pública, em ação de desapropriação, ou em qualquer outro tipo de ação, ao pagamento de indenização flagrantemente desproporcional ao preço de mercado do bem imóvel, ferindo o princípio constitucional da justa indenização;”

Por outro lado, a Emenda Constitucional n° 30 inseriu o artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, cujo caput está abaixo transcrito:

“Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão de créditos.”

Digo inicialmente que este artigo é inconstitucional. Isso porque, apesar de ele próprio ter se encarregado de excluir as hipóteses sobre as quais sua regra geral de parcelamento não incidiria, hipóteses estas que também o fulminariam de inconstitucionalidade se não tivessem sido segregadas de sua abrangência, o legislador pecou ao falar em precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda. Precatórios são pendentes, e, portanto, existentes, quando já há uma sentença judicial de conhecimento transitada em julgado, condenando a Fazenda Pública. Havendo essa sentença, começa-se o processo de execução, no qual a Fazenda Pública condenada deve opor embargos no prazo de dez dias após a sua citação, de acordo com o artigo 730 do Código de Processo Civil. Esgotado esse prazo sem a oposição dos embargos, o órgão julgador da execução emite o precatório ao Presidente do Tribunal competente, requisitando o seu pagamento (isso se chama empenho). É O PRECATÓRIO LEGALMENTE EMITIDO QUE DÁ O DIREITO AO PAGAMENTO À VISTA, NÃO O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA QUE CONDENOU A FAZENDA PÚBLICA – ESTE SOMENTE DECLARA IMUTAVELMENTE UM DIREITO PRÉ-EXISTENTE. Portanto, o artigo está retroagindo para atingir diretamente o ato jurídico perfeito (não o direito adquirido, uma vez que este só existiria se o pagamento à vista já tivesse sido feito). Se somente se incluísse no parcelamento decenal as ações ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 que ainda não tivesse constituído o precatório, não haveria a inconstitucionalidade, uma vez que não haveria ainda o ato jurídico perfeito de emissão dos precatórios, mas somente uma expectativa de direito.

A EMENDA CONSTITUCIONAL N° 37, DE 12-06-2002

A Emenda Constitucional n° 37 apenas acrescentou um novo parágrafo 4°, renumerando os dois subseqüentes do artigo 100 da Carta Política, que passaram a ser o 5° e o 6°, de modo que continuam plenamente em vigor as alterações produzidas pela Emenda n° 30 e a redação do caput do referido artigo. O novo parágrafo 4° acrescentado pela Emenda n° 37 está logo abaixo transcrito:

“§ 4° São vedados a expedição de precatório complementar ou suplementar de valor pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, a fim de que seu pagamento não se faça, em parte, na forma estabelecida no § 3° deste artigo e, em parte, mediante expedição de precatório.”

Com este parágrafo, o legislador positiva a idéia de que os valores constantes nos precatórios devem ser pagos integralmente ao seu credor, proibindo que haja controvérsia a respeito do fato de os pagamentos poderem ser feitos de formas fracionadas, repartidas ou quebradas, de modo que entre eventuais parcelas do pagamento haja diferenciação entre si nos modos pelos quais foram executadas. Assim, se há, num crédito de natureza não alimentícia, um valor total que ultrapasse o previsto em lei como sendo de pequeno valor, deve ele ser pago integralmente somente mediante a expedição de precatório, não sendo permitido o pagamento de uma parte do débito total, correspondente ao que a lei determina como sendo de pequeno valor, sem precatório, e o remanescente por meio da emissão dos mesmos: ultrapassando-se a quantia máxima legalmente considerada como de pequeno valor, nos créditos de natureza não alimentícia, é obrigatória a emissão de precatório sobre o valor total.

Também são vedadas as emissões de precatórios complementares ao valor pago, uma vez que o parágrafo 1° do artigo 100 afirma que a atualização monetária se faça no momento do pagamento. Assim, a instabilidade da conjuntura econômica nacional não é mais motivo para que se expeça este tipo de precatório.

Antes da Emenda Constitucional n° 30, a atualização dos valores dos débitos deveria ser feita no 1° de julho anterior ao exercício no qual o precatório deveria ser pago. Agora, com a atualização no momento do pagamento, não há mais a necessidade de expedição deste tipo de precatório.

Precatórios suplementares são aqueles decorrentes de recursos que são reforço da dotação orçamentária, os quais agora também não são mais permitidos. Portanto, se a dotação orçamentária destinada ao pagamento dos precatórios não for suficiente para cobrir os débitos de todos eles, os remanescentes devem esperar o exercício seguinte para serem pagos, ou, para que os débitos de natureza não alimentícia sejam pagos desde já em espécie, deve-se aplicar o artigo 87, parágrafo único, do ADCT, que diz textualmente:

“Art. 87..............................................
Parágrafo único. Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido neste artigo, o pagamento far-se-á, sempre, por meio de precatório, sendo facultada à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo
Sem o precatório, da forma prevista no § 3° do art. 100.”

Cabe afirmar que os valores estabelecidos pelos incisos I e II do artigo 87, aos quais se refere este parágrafo único, são de quarenta salários mínimos para os estados e o Distrito Federal, e de trinta salários mínimos para os Municípios.

Agora, ater-me-ei a comentários gerais sobre o impacto da Emenda Constitucional n° 37, inclusive na área trabalhista, na qual atuo. Todos sabemos que, no Brasil, existe um elevado nível de insatisfação em relação à prestação da tutela jurisdicional, tanto no que diz respeito à demora para que se chegue à definitividade da decisão quanto pelo fato de ser extremamente inefetiva a entrega do resultado do litígio ao destinatário, o que se agrava quando o devedor é o Poder Público e o destinatário, um particular. Afinal, o Poder Público possui uma série de vantagens legais, o que, em minha análise particular, fere frontalmente o princípio da isonomia entre as partes, fazendo, muitas vezes, com que aquele se utilize de subterfúgios que alega ser o direito de defesa – o que ocorre, na verdade, é o abuso do direito de defesa, resultando no fato de que a efetividade da prestação da tutela jurisdicional leva anos, e, não raras vezes, décadas para se concretizar.

Como sabemos, a regra constitucional que disciplina os créditos devidos pelas Fazendas Estatais é a do precatório, salvo os créditos de natureza alimentícia e aqueles definidos em lei como de pequeno valor. Portanto, nos créditos de natureza não alimentícia, deve haver sempre três fases dentro do processo pertinente:
1ª Fase de conhecimento, logo depois da qual o magistrado declara o direito;
2ª Fase executiva, na qual o direito declarado na fase anterior é quantificado;
3ª Os valores quantificados na fase executiva devem ser incluídos no orçamento da Fazenda Pública devedora, dado o princípio de que os bens públicos não estão sujeitos à apreensão determinada pelo próprio Poder Judiciário.

Quando as decisões judiciais no litígio entre uma pessoa física e um ente federado tem como objeto a relação de trabalho prestada pelo primeiro em relação ao segundo, se provadas as razões do primeiro, é reconhecido o direito às remunerações decorrentes desta relação, pagamento este que deve ser feito em pecúnia. Mas é justamente a partir do descumprimento de obrigações como esta que surgem os infindáveis precatórios (neste caso, inconstitucionais, mas que continuavam sendo emitidos) do Poder Público, o que, progressivamente e em condenações cumulativas, vai gerando a dívida pública trabalhista, que infelizmente nunca é saldada.

Como já dito, os créditos de natureza alimentícia são o gênero do qual os créditos de natureza trabalhista são espécie, incluindo-se aí os salários (ou, analogicamente, também as remunerações), conforme agora positivados no parágrafo 1°-A do artigo 100. Possuem, portanto, ordem de precedência em relação aos créditos não alimentícios. Assim, a Justiça do Trabalho ficou livre de emitir precatórios para que se cumprissem suas decisões contrárias à Fazenda Pública. Mas não é isso o que vinha ocorrendo entre os respeitáveis magistrados trabalhistas: eles continuavam a se utilizar do precatório para que se pagasse as dívidas que as Fazendas Públicas tinham para com a pessoa física em créditos de natureza trabalhista, em virtude da controvérsia existente sobre se esses créditos se incluíam ou não dentro do conceito de créditos de natureza alimentícia.

Então, a única alternativa que restava ao credor da Fazenda Pública seria o pedido de intervenção, que é inteiramente desfavorável à Fazenda, mas mais ainda ao seu credor. Assim, o Poder Público ficava tacitamente autorizado a descumprir as ordens que provêm do próprio estado: as decisões judiciais transitadas em julgado.

Por causa de tudo isso o legislador constitucional derivado emitiu a Emenda Constitucional n° 30, acabando, por intermédio de seu parágrafo 1°-A, inserido no corpo do artigo 100, com a já mencionada controvérsia sobre a inclusão ou não dos créditos de natureza trabalhista dentro do conceito de créditos de natureza alimentícia, fazendo com que os primeiros tivessem positivação jurídica neste sentido, prescindindo de precatórios para a sua satisfação.

Mas com a mesma Emenda surgiram problemas a respeito da auto-aplicação ou não do parágrafo 3° do artigo 100 da Carta Magna, que dispensou o pagamento por meio de precatórios das dívidas de pequena monta nos créditos não alimentícios. Os magistrados da Justiça Comum, entendendo que não era auto-aplicável este parágrafo 3° do artigo 100, continuaram fazendo com que as dívidas fossem pagas por meio de precatórios judiciais. Quando da promulgação da Emenda n° 30 (que trazia o parágrafo 3°), o que era dívida de pequena monta? Na esfera federal, até a entrada em vigor da Lei n° 10.259/2001, não se sabia, mas a Justiça do Trabalho, por força do parágrafo 1°-A do artigo 100, passou a fazer com que se iniciassem execuções diretas contra as Fazendas Públicas. Se a Emenda Constitucional n° 30 não tivesse inserido o parágrafo 1°-A ao artigo 100, ainda subsistiria a controvérsia a respeito da inclusão ou não dos créditos trabalhistas dentro do conceito de créditos de natureza alimentícia. Mas, ainda assim, os magistrados trabalhistas poderiam utilizar o conceito de créditos de natureza alimentícia em sentido lato, incluindo-se aí os trabalhistas, ou, caso assim não entendessem, fundamentar-se diretamente no parágrafo 3°, inserido ao artigo 100, juntamente com a aplicação analógica da Lei previdenciária, fazendo, portanto, com que houvesse dispensa de emissão de precatórios em dívidas estatais trabalhistas que não excedessem a sessenta salários mínimos, considerando-se como tal o limite máximo das chamadas dívidas de pequeno valor.

Em relação à Justiça Comum, qual foi, então, a providência do legislador constitucional derivado no sentido de dirimir a controvérsia a respeito de “pequenos valores” que dispensariam a emissão de precatórios? Promulgar a Emenda Constitucional n° 37, que, inserindo o artigo 87, I e II, do ADCT, fixa o limite máximo para a dispensa de emissão de precatórios em quarenta e trinta salários mínimos, em relação às dívidas das fazendas Públicas dos Estados e do Distrito Federal (quarenta salários mínimos), e a dos Municípios (trinta salários mínimos), quando se tiver por objeto direitos não privilegiados, até que entrem em vigor as respectivas leis estaduais, distritais e municipais que regulamentem a matéria, de acordo com as possibilidades do ente federado. Em esfera federal, como já vimos, este valor está regulamentado pela Lei n° 10.259/2001.

Desta forma, os magistrados devem adotar os incontroversos entendimentos consubstanciados no comando constitucional, fazendo com que as dívidas estatais trabalhistas sejam executadas diretamente, sem emissão de precatórios, enquanto que na Justiça Comum deve-se obedecer ao estatuído no artigo 87, I e II, do ADCT, mas sempre e em ambos os casos de forma racional, dentro das possibilidades administrativas, de modo que não invada a esfera de competência do Poder Executivo, inviabilizando a Administração do ente executado.

A Emenda n° 37 inseriu também o artigo 86 no ADCT, que, em seu parágrafo 3°, positiva, embora temporariamente (afinal, é um artigo do ADCT) o entendimento até então dominante no Supremo Tribunal Federal de que, embora prescindindo de precatórios para sua satisfação, os créditos de natureza alimentícia devem obedecer a ordem cronológica de sua apresentação entre eles próprios, conforme se nota pela transcrição abaixo do mesmo.

“Art. 86..............................................
§ 3° Observada a ordem cronológica de sua apresentação, os débitos de natureza alimentícia previstos neste artigo terão precedência sobre todos os demais.”

Cabe afirmar que, no caput deste artigo 86 do ADCT, bem como em todos os seus demais parágrafos e incisos, não há nenhuma menção a créditos de natureza alimentícia. Portanto, certamente o legislador, neste parágrafo 3°, faz alusão ao artigo 100 do corpo permanente da Constituição da República.

A PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL N° 29/2000

Em relação à Proposta de Emenda Constitucional n° 29/2000, que trata mais especificamente da Reforma do Poder Judiciário, inicio minha argumentação destacando o fato de que, em relação aos precatórios, tal modificação passaria a configurar a seguinte redação:

“Art. 100. Os pagamentos devidos pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas respectivas autarquias e fundações públicas, em virtude de decisão judicial transitada em julgado, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação de títulos sentenciais líquidos e certos emitidos pelo juízo de execução e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para esse fim.
§ 1° Os títulos sentenciais serão emitidos pela autoridade judiciária e terão os vencimentos dos valores apurados divididos em sessenta parcelas, vencíveis no dia 25 ou dia útil seguinte dos meses de fevereiro a novembro do ano seguinte ao da sua emissão.
§ 2° Os títulos sentenciais serão liquidados com acréscimo de juros legais e atualização monetária, mediante a apresentação pelo credor à rede bancária autorizada a receber depósitos de dotações orçamentárias e a arrecadar tributos, quando se fará a devida compensação à conta do órgão público devedor.
§ 3° Os títulos de que tratam os parágrafos anteriores terão livre circulação no mercado e poderão ser cedidos a terceiros, independentemente de concordância do devedor.
§ 4° É obrigatória, sob pena de crime de responsabilidade, a inclusão, no orçamento das entidades referidas no caput deste artigo, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas e, julgado, cujo valor estimativo será fixado pelo Poder Judiciário quando da apresentação da sua proposta orçamentária.
§ 5° Os títulos sentenciais líquidos e certos emitidos pelo juízo da execução correspondentes a débitos de natureza alimentícia serão pagos em moeda corrente, no prazo de cento de vinte dias após a data de sua emissão, acrescidos de juros legais, na forma prevista nos §§ 1° a 3° deste artigo, respeitada e estrita ordem cronológica de apresentação.
§ 6° Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.
§ 7° As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente de cada Tribunal determinar a preparação de empenho para a liquidação dos títulos sentenciais apresentados até 1° de julho de cada ano pelo juízo da execução, segundo as possibilidades do depósito.
§ 8° Os pagamentos de que trata o parágrafo anterior deverão ser liberados até o dia dez de cada mês, sob pena de cometimento de crime de responsabilidade.
§ 9° As obrigações definidas em lei como de pequeno valor serão liquidadas em moeda corrente e na data de apresentação ficada no título sentencial à rede bancária, respeitado o disposto nos §§ 1° a 3° deste artigo.
§ 10 A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no § 9° deste artigo, segundo as diferentes capacidades financeiras das entidades de direito público.
§ 11 São vedados a expedição de precatório complementar ou suplementar do valor pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, a fim de que seu pagamento não se faça, em parte, na forma estabelecida no § 9°, e, em parte, mediante a expedição de título sentencial, pelo sistema prescrito nos §§ 1° e 2° deste artigo.
§ 12 A autoridade judiciária ou administrativa que, por ato comissivo ou omissivo, retardar, frustrar ou tentar frustrar a liquidação regular de título sentencial incorrerá em crime de responsabilidade.
§ 13 Os títulos sentenciais emitidos por autoridade judiciária contra as entidades referidas no caput deste artigo terão, em seus vencimentos, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora e de quaisquer encargos de responsabilidade do credor e de seus sucessores.”

Caput – Aqui, positivou-se de vez a figura do Distrito federal como sujeito passivo da obrigação de pagar suas dívidas para com pessoas físicas ou jurídicas por meio de sua Fazenda Pública, não se necessitando de usar mais a interpretação extensiva e analógica, além do parágrafo 3° do artigo 100, introduzido pela Emenda Constitucional n° 30, para considerá-lo capaz de tais obrigações.

Da mesma forma, o legislador constitucional derivado mencionou diretamente as autarquias e fundações públicas dos entes federados devedores. Assim, como o legislador indica expressamente quais os entes da Administração Pública Indireta são suscetíveis de contrair tais dívidas com terceiros, temos que ter em mente que somente as duas espécies mencionadas (autarquias e fundações públicas) poderiam ser o pólo passivo de uma demanda como essa, vedando-se a inclusão das demais entidades paraestatais, a não ser que viessem, por força de lei infraconstitucional, a ser incluídas neste rol, o que não é vedado pela Carta Magna. Se assim não o fosse, o legislador constitucional derivado também os teria mencionado no caput o que difere do cedo do Distrito Federal, pois desde o início sabíamos que o mesmo possuía a sua própria Fazenda Distrital – ou seja, eu fazia uma interpretação extensiva e analógica fundamentada na realidade fática). Então, com a menção de ambas as entidades da Administração Pública Indireta no caput do artigo forma- se um elenco exaustivo enquanto não houver lei infraconstitucional determinando a inclusão de outras entidades paraestatais, cujas dívidas até então deverão ser pagas pelos entes federados aos quais estão vinculadas.

Uma outra inovação trazida pelo caput seria a substituição dos antigos precatórios judiciários, constantes da atual redação, por títulos sentenciais líquidos e certos. A princípio poder parecer só uma questão de nomenclatura, uma vez que estes títulos, emitidos pela autoridade judiciária, seriam, assim como os atuais precatórios, pagos também obedecendo- se a ordem cronológica rigorosa de sua apresentação, permanecendo, portanto, vedada a inclusão privilegiada no orçamento de quem quer que seja e/ou seu caso específico. Mas não se trata somente de uma questão de nomenclatura, conforme veremos mais adiante.

§ 1° - Atualmente, os precatórios devem ser pagos, cada um, de uma só vez e no final do exercício posterior ao prazo máximo dado para sua apresentação, qual seja, 1° de julho do exercício posterior. A exceção está constante no artigo 78 do ADCT, que afirma que os precatórios pendentes em 13/09/2000 e os que tiveram ações ajuizadas até 31 de dezembro de 1999, ressalvadas as exceções ali previstas, devem ser pagos em, no máximo, dez prestações anuais. Como já disse, considero este artigo inconstitucional.

E é justamente neste parágrafo 1° que visualizamos a primeira diferença entre os atuais precatórios e os títulos sentenciais: enquanto que os primeiros, quando inclusos nas hipóteses do inconstitucional artigo 78 do ADCT, se submeteriam às regras logo acima expostas, os segundos viriam a ser pagos em sessenta parcelas mensais, até os dias 25 dos meses situados entre fevereiro do ano seguinte à sua emissão. Portanto, as dívidas do Poder Público não mais seriam pagas de uma só vez, e sim em dezenas de parcelas. Isso revogaria
o artigo 78 do ADCT, que perderia o seu falso vigor em prol da norma proposta, claramente mais favorável ao credor. Desta forma, se este parágrafo 1° fosse aprovado, os pagamentos por emissão de precatórios que já estivessem em andamento de acordo com o artigo 78 do ADCT deveriam se adaptar à nova norma, de modo que o restante para complementar o pagamento do débito total viesse a ser pago mensalmente a partir do mês de fevereiro do ano posterior à entrada em vigor da emenda. Assim, não se poderia falar em inconstitucionalidade deste parágrafo 1°, não somente por não ferir direitos adquiridos e conceder vantagens novas, mas também por ser o ADCT norma de caráter transitório, estando, portanto, em posição normativa hierarquicamente inferior ao corpo permanente da Constituição da República.

Por outro lado, a norma posposta é, ao menos em teoria, mais desfavorável em relação ao sistema geral de precatórios, não abrangido pelo artigo 78 do ADCT, uma vez que estes (os precatórios) são pagos de uma só vez, enquanto que os títulos sentenciais o seriam em dez vezes mensais, como já dito aqui. Assim, caso a modificação viesse a ser aprovada, os precatórios já constituídos, na forma já explicada quando comentei a inconstitucionalidade do artigo 78 do ADCT (a Constituição da República, em cláusula pétrea, diz que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada – artigo 5°, XXXVI) continuariam a ser pagos de uma só vez, já que não poder-se-ia violar o artigo 5°, XXXVI, da Constituição da República, no que tange ao ato jurídico perfeito, enquanto que aquelas dívidas cujos precatórios ainda não foram emitidos, em virtude de não haver ainda o trânsito em julgado de sentença condenando a Fazenda Pública, seriam regidas pelo novo sistema de títulos sentenciais, mais desfavorável, ainda que o processo judicial tivesse sido iniciado, uma vez que aí não temos que falar em ato jurídico perfeito de emissão de precatórios, mas tão somente em expectativa de direito, que não tem como característica, obviamente, o mesmo caráter de definitividade do ato jurídico perfeito. Portanto, nesta hipótese, não se poderia falar em inconstitucionalidade deste parágrafo 1° em relação á cláusula pétrea do artigo 5°, XXXVI.

§ 2° - A conjuntura econômica nacional é instável, ainda que digam o contrário. Por isso, tanto no texto atual (parágrafo 1°) quanto na PEC n° 29/2000 o legislador incluiu a atualização monetária como complemento essencial à quantia a ser paga, que, em virtude da intensa volatilidade financeira do País, vai perdendo o seu valor real, razão pela qual deve a atualização ser acrescida. Mas, enquanto que no sistema atual a regra é a de uma única atualização monetária, feita na data do pagamento, que deve ser no exercício seguinte ao prazo máximo de 1° de julho do exercício anterior (data máxima para apresentação dos precatórios que se objetivem ser pagos no exercício seguinte), na norma proposta seriam diversas atualizações monetárias acrescidas de juros legais (o que não existe no sistema constitucional atual), sempre em relação a cada parcela, à medida que forem sendo pagas, em virtude da apresentação dos títulos sentenciais. De acordo com a Lei n° 4.414/64 e Súmula n° 70 do Superior Tribunal de Justiça, os juros moratórios (6%) contra a Fazenda fluem na forma da lei civil. Os juros compensatórios (12%) assim o são desde a ocupação do bem, em se tratando de desapropriação, ou desde a data do ato impeditivo da renda a ser compensada (Súmulas n° 164 do Supremo Tribunal Federal e 69, 113 e 114 do Superior Tribunal de Justiça). Quanto à correção monetária, deve ser a mesma calculada de acordo com os índices oficiais, e, se estes não refletirem a inflação real ou se faltarem, será determinada por decisão judicial (Súmula 67 do Superior Tribunal de Justiça). Todas essas interpretações dos Tribunais Superiores serão recepcionadas pela PEC n° 29/2000 se a mesma vier a se tornar uma Emenda Constitucional, uma vez que nada há na mesma que se incompatibilize com as súmulas aqui mencionadas.

§ 3° - Poder-se-ia fazer uma cessão de créditos a terceiro, por parte do credor. Neste caso, podemos fazer uma analogia com o instituto de Direito Civil da subrogação, que ocorre, por exemplo, quando alguém, para saldar uma dívida com um antigo credor, renunciar ao crédito ao qual tinha direito em favor daquele. O mesmo, portanto, pode ocorrer em relação aos títulos sentenciais, decorrentes da dívida pública. Ao mesmo tempo, os títulos sentenciais, que equivaleriam aos demais das Fazendas Públicas, poderiam ser negociados pelo credor tal como se faz com qualquer outro título, como, por exemplo, para compensar dívidas tributárias, sendo esta mais uma razão pela qual a subrogação é expressamente mencionada pelo legislador neste parágrafo. A cessão de créditos já é prevista no artigo 78 do ADCT, vindo a ser consolidada no corpo constitucional permanente se essas alterações vierem a ser aprovadas.

§ 4° - Os entes federados, suas autarquias e fundações públicas deverão, em seu orçamento, reservar parte de seus recursos para o pagamento aos credores quando da apresentação dos títulos sentenciais. Em relação às entidades da Administração Pública
Indireta que não estejam expressas no elenco exaustivo descrito no caput do artigo 100 alterado pela PEC n° 29/2000, o quantum devido pelas mesmas deverá estar incluído na parte global do orçamento, reservada para o pagamento dos títulos sentenciais, do ente federado ao qual elas estejam vinculadas. A inclusão, tanto nos orçamentos dos entes federados quando nos das autarquias e fundações públicas, deverá ser geral, sem destinação dos recursos para pagamento a determinada pessoa e/ou caso específico, de acordo com o caput do artigo. Os crimes de responsabilidade referidos neste parágrafo, a serem praticados pelas autoridades administrativas omissas, serão regulamentados infraconstitucionalmente. Enquanto não o forem, aplica-se a regra geral (Código Penal), no que for cabível.

§ 5° - Quando se tratar de débitos de natureza alimentícia, já consagrados no atual parágrafo 1°-A do artigo 100 e que viriam a ser mencionados no parágrafo 6° da redação dada pela PEC n° 29/2000, os títulos sentenciais deverão ser pagos em pecúnia em até 120 dias, contados da data de sua emissão, sempre respeitada a ordem cronológica de sua apresentação e obedecido o que dispõem os parágrafos 1° a 3° da PEC n° 29/2000, no que diz respeito aos juros de mercado, à atualização monetária e à cessão de créditos. Mais uma vez o legislador constitucional privilegiaria os créditos de natureza alimentícia, dando a seus credores o direito de serem pagos de uma só vez, independentemente do que estatui o parágrafo 1° no que diz respeito à forma de pagamento. É isso o que a redação proposta nos imporia.

Mas, façamos uma especulação: se na redação proposta ao parágrafo 5° pela PEC n° 29/2000 o legislador retirasse a expressão “acrescidos de juros legais”, deveríamos concluir que a forma de pagamento dada para o pagamento dos títulos sentenciais ali discutidos deveria compatibilizar-se com a norma prevista no parágrafo 1°, pois, enquanto este diz que os títulos sentenciais devem ser pagos em sessenta parcelas mensais, com vencimentos nos dias 25 dos meses situados entre fevereiro e novembro do ano posterior à sua emissão, o próprio parágrafo 5°, afirmando que os títulos sentenciais decorrentes dos créditos de natureza alimentícia devem ser pagos no prazo máximo de cento e vinte dias após a sua emissão, faria com que eu afirmasse, com o objetivo de compatibilizar ambas as redações, que durante os cento e vinte dias posteriores à emissão dos títulos relativos aos créditos de natureza alimentícia deveria ser paga somente a sua primeira parcela, e não o crédito como um todo, caso contrário se estaria abrindo uma exceção ao parágrafo 1°, o que não seria permitido pela própria redação do parágrafo 5°. Então, como se faria caso o prazo de cento e vinte dias para pagamento ultrapassasse o dia 25 de fevereiro do ano seguinte ao da emissão dos títulos sentenciais, data máxima dada para o vencimento da primeira parcela? Pagar-se-ia a primeira parcela no máximo até o próprio dia 25 de fevereiro, uma vez que a norma constitucional, no caso que determina cento e vinte dias após a sua regular emissão, não deveria ser interpretada de modo a ferir uma outra norma também constitucional, ainda mais quando ambas estivessem intimamente ligadas, o que seria o caso dos parágrafos 1° e
5° aqui discutidos. Se não fosse assim, teríamos uma inconstitucionalidade fática ao desobedecer a forma de pagamento prevista no parágrafo 1°-A. Assim, poderíamos reduzir bastante o prazo de cento e vinte dias quando, por exemplo, os títulos sentenciais viessem a ser emitidos em dezembro.

Por outro lado, na redação real o legislador positivaria definitivamente o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que há duas filas cronológicas a serem seguidas (temporariamente esse entendimento está positivado no artigo 86, § 3°, do ADCT): a dos créditos de natureza alimentícia e a dos créditos de natureza não alimentícia. Em ambas as filas deve-se respeitar a ordem de apresentação de seus títulos sentenciais, com prioridade para os créditos de natureza alimentícia. Durante a apresentação dos títulos sentenciais de ambas as filas deveria haver acréscimo de correção monetária e juros de mercado (estes últimos não existem no atual sistema constitucional vigente em relação aos precatórios), de acordo com os entendimentos jurisprudenciais mencionados quando fiz os comentários relativos ao parágrafo 2°.

§ 6° - Seria mera reprodução literal do atual parágrafo 1°-A do artigo 100 da Carta Magna, mantendo-se o rol de créditos privilegiados ali mencionados.

§ 7° - Quando houvesse a consignação em juízo dos recursos destinados ao pagamento dos títulos sentenciais, será competente o Presidente do Tribunal para preparar o empenho que objetive a liquidação dos títulos sentenciais apresentados até 1° de julho do ano anterior. O empenho, que atualmente é a emissão do precatório ou ofício requisitório pela autoridade judiciária de primeira instância ao Presidente do respectivo Tribunal competente, requisitando o pagamento quando estiverem esgotados os recursos previstos no artigo 730 do Código de Processo Civil, passaria a ser a expedição dos títulos sentenciais, por parte da autoridade judiciária encarregada da execução, que, apresentados no prazo previsto no caput do artigo, teriam sua legitimidade verificada por meio da liquidação a ser feita pelo Presidente do Tribunal. Se os títulos sentenciais não revestissem a forma legal, seriam recusados e devolvidos à autoridade judiciária encarregada da execução, que os emitiu, exatamente como ocorre hoje com os precatórios atuais, tendo como única e significativa diferença a forma de pagamento, prevista no parágrafo 1° do mesmo artigo.

Uma observação a ser feita é a de que os Tribunais competentes para todo este procedimento, incluindo o do atual sistema de precatórios, são os Tribunais de Justiça dos respectivos estados (ou, talvez, outro, dependendo isso da Lei de Organização Judiciária de cada Estado), quando a fazenda Pública condenada for a estadual, a distrital ou a municipal, ou, caso seja a Fazenda Pública da União a condenada, o Tribunal Regional Federal ao qual a Vara Federal onde foi proposto o processo de execução esteja vinculada.

§ 8° - As dotações orçamentárias e os créditos abertos para o pagamento dos títulos sentenciais seriam consignados no Poder Judiciário até o dia 10 de cada mês, sob pena de cometimento de crime de responsabilidade. Em relação à regulamentação infraconstitucional destes crimes, reporto-me ao que está dito nos comentários que faço em relação ao parágrafo 12, mais abaixo.

§ 9º - Aplicar-se-ia às obrigações de pequeno valor, sendo as mesmas as previstas em esfera federal no artigo 17 da Lei n° 10.245/2001, e, analogicamente aos próprios títulos sentenciais, o disposto no artigo 87, I e II, do ADCT, quando a dívida contraída for das Fazendas Públicas Estaduais, Municipais e Distrital. Ora, se existem tais normas relativas a pequenos valores, que dispensam de emissão de precatórios para a regular satisfação de débitos das Fazendas Públicas, essas mesmas normas deveriam ser aplicadas analogicamente aos títulos sentenciais que revestissem os valores máximos nelas positivados. Em virtude disso, deveriam ser pagos em moeda corrente com fundamento nestas mesmas normas, enquanto matéria específica sobre tal caso não fosse regulamentada infraconstitucionalmente.

§ 10 – Continuariam em vigor, relativamente a créditos não privilegiados e por analogia aos precatórios, os incisos I e II do artigo 87 do ADCT, até que entrem em vigor as respectivas leis dos entes federados ali mencionados, determinando os limites das dívidas de pequeno valor, que dispensariam a emissão dos títulos sentenciais. Na esfera federal, também continuaria em vigor a Lei n° 10.259/2001. Portanto, tais normas virão a ser recepcionadas caso a PEC n° 29/2000 venha a ser tornar efetiva emenda constitucional.

§ 11 – Mantenho o que foi dito quando dos comentários ao parágrafo 4° do atual artigo 100 da Constituição da República, o que é corroborado pelo parágrafo único do artigo 87 do ADCT.

Fundamento a analogia aos precatórios, tanto no que diz respeito ao parágrafo anterior quanto a este, no fato de tanto estes quanto os títulos sentenciais possuírem a mesma natureza jurídica: ambos são requisições de pagamento das dívidas passivas dos entes federados. Portanto, não há razão para não incorporar as normas aplicáveis aos precatórios aos novos títulos sentenciais, naquilo que entre ambos não vier a ser incompatível, bem como naquilo que vier a ser recepcionado e não se incompatibilizar com o texto proposto pela PEC n° 29/2000.

§ 12 – Novamente me reporto ao artigo 1°, III, do Projeto de Lei n° 687, que viria a definir os crimes de responsabilidade dos magistrados e que será recepcionado pela Constituição da República caso venha a ser aprovado. Mas, enquanto este projeto de lei não é aprovado, ficam os magistrados sujeitos ás sanções previstas na Lei n° 1.079/1950, e, em relação à autoridade administrativa, poderia ela estar incursa em várias sanções previstas no próprio Código Penal, uma vez que, na ausência de lei específica, aplica-se a lei geral. Da mesma forma, todas aquelas condutas dos magistrados que não tipifiquem as condutas previstas na Lei n° 1.079/1950 e que estejam ligadas efetivamente à atividade jurisdicional poderiam vir a configurar algum tipo criminal já consagrado no Código Penal, como prevaricação ou corrupção passiva, enquanto o referido projeto não se transformar em lei efetiva. Então, se o projeto vier a se tornar lei, muitos dos tipos penais gerais descritos no Código Penal deverão deixar de ser aplicados aos magistrados, em prol da lei específica, que se sobreporia à lei geral por meio do princípio da especialização.

§ 13 – Temos aqui o famoso instituto de Direito Civil da compensação, desta vez em relação a tributos e quaisquer outros encargos sociais de responsabilidade do credor e seus sucessores. Assim, por exemplo, se eu devo R$ 20.000,00 (vinte mil reais) de imposto de renda e a Fazenda Pública me deve R$ 15.000,00 (quinze mil reais), o meu débito seria compensado, de modo que eu passaria a dever ao fisco federal somente R$ 5.000,00 (cinco mil reais), o mesmo se aplicando a outros encargos, como os de natureza previdenciária.

Agora, comentando globalmente a proposta, vemos que seria uma alteração bastante radical na forma de pagamento dos débitos judiciais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, além dos entes da Administração Pública Indireta (autarquias e fundações públicas), uma vez que o atual sistema de precatórios não garante efetivamente a entrega da tutela jurisdicional ao credor, já que as entidades públicas utilizam-se de inúmeros subterfúgios para não quitar seus débitos, inclusive do abuso do direito de defesa. Apesar de na atualidade estar legalmente prevista a intervenção no Estado ou Município que não pagar os precatórios cuja sentença judicial tenha transitado em julgado, isso raramente acontece, pois a intervenção não passa de um ato meramente político. Também poderíamos optar pelo seqüestro judicial de verbas para o pagamento destas importâncias, o que vem acontecendo muito freqüentemente na esfera trabalhista, por serem consideradas dívidas de natureza alimentícia. Mas tais soluções não são satisfatórias para qualquer uma das partes, menos ainda para o trabalhador, que muitas vezes depende do pagamento da dívida para sustentar a si próprio e a sua família.

Há, nas Administrações Públicas brasileiras, um angustiante problema, razão pela qual se propôs a PEC n° 29/2000: elas (as Administrações Públicas) sempre gastaram mais do que arrecadaram, sendo este o motivo principal pelo qual as dotações orçamentárias destinadas ao pagamento das dívidas estatais nunca são suficientes para se saldar todos os débitos.

Além disso, entrou em vigor aquela que é vulgarmente denominada Lei de Responsabilidade Fiscal, que obrigou os administradores públicos a fazer uma repartição racional de seus orçamentos. Com esta Lei, independentemente da vontade do gestor público, a Administração deverá cuidar seriamente da questão orçamentária. Mas começaram a surgir argumentos dos administradores públicos de que a lei os tornou devedores de dívidas impagáveis, uma vez que a repartição do orçamento para essa ou aquela despesa ficou muito mais rigorosa, não se podendo gastar acima de determinado limite e deixar dívidas para o administrador subseqüente, sob pena de se sofrer inelegibilidade e até mesmo, em determinados casos, prisão.

Diante desses argumentos e dessas situações, entre outros, o Superior Tribunal de Justiça, dentro da Reforma do Judiciário, elaborou a PEC n° 29/2000, que tem como fundamento primordial para o pagamento das dívidas estatais a existência de títulos sentenciais, que substituiriam os antigos precatórios. O legislador não mais daria qualquer ênfase aos créditos de natureza alimentícia no caput do artigo 100, instituindo-se um regime especial de pagamento destes créditos, descrito no parágrafo 5° do artigo 100 proposto pela PEC n° 29/2000, acima transcrito, mantendo-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que há uma fila própria para os créditos de natureza alimentícia.

Os débitos dos entes federados, portanto, bem como das demais entidades integrantes da Administração Pública Indireta (autarquias e fundações públicas), seriam feitos na ordem cronológica de apresentação não de precatórios, mas de títulos sentenciais líquidos e certos, emitidos pelo juízo da execução e que poderiam ser negociados no mercado, em virtude de ter havido sentença transitada em julgado condenando o ente federado ou entidade da Administração Pública Indireta, mencionada no caput do artigo 100, a quitar débitos para com os seus respectivos credores. Assim, o administrador efetuaria o pagamento em sessenta parcelas, que deveriam ser obrigatoriamente incluídas no orçamento global do ano imediatamente posterior à sentença condenatória transitada em julgado exclusivamente para este fim, enterrando definitivamente o modelo de precatórios até então vigente. Continuariam sendo vedados, no orçamento dos referidos entes, a designação pessoal ou casual dentro do orçamento, mantendo-se o sistema de reserva orçamentária global e geral para o pagamento dos créditos.

Ao receber estes títulos sentenciais negociáveis, que praticamente equivalem aos demais das dívidas estatais, no lugar de precatórios, o credor da Fazenda Pública poderá com eles fazer negociações tal como se faz em relação a qualquer outro título, podendo, inclusive, compensar dívidas tributárias. Sem dúvida, seria um grande avanço nas relações entre os credores e as Fazendas Públicas, principalmente as Estaduais, uma vez que, segundo o louvável Ministro Costa Leite, do Superior Tribunal de Justiça, há Estados que há mais de vinte anos não pagam precatórios.

A liquidação dos referidos títulos sentenciais seria feita acrescendo-se juros legais e atualização monetária em favor do credor. Para isso, basta somente que ele os apresente à rede bancária autorizada a receber as dotações orçamentárias destinadas ao pagamento de credores da Fazenda Pública e a arrecadar tributos, quando, então, se fará a referida compensação à conta do órgão público devedor.

Esperava-se que, com esse novo sistema, as relações entre o Poder Público e seus credores, no que tange às dívidas estatais, ficassem mais justas, sem as intermináveis filas dos precatórios e obrigando-se o ente federado e suas entidades da Administração Pública Indireta selecionadas no caput do artigo 100 ao pagamento regular de seus débitos, sem qualquer subterfúgio legal, apesar de a nova redação do parágrafo 1° do artigo 100, dada pela PEC n° 29/2000, teoricamente solucionar o problema por meio de um estratagema maquiavélico (determinar o pagamento em sessenta parcelas, e não de uma única vez, o que, em minha visão particular, prejudica o credor – apesar de seu constante acréscimo de juros e atualização monetária a cada apresentação, previstos no parágrafo 2°, uma vez que, até a apresentação do seguinte, a moeda corrente poder estar mais desvalorizada, tornando os juros e a atualização muitas vezes inócuos – obviamente, teve o legislador o intuito de viabilizar o pagamento das dívidas estatais por meio do parcelamento).
Autor: Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho


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