VAI POR DENTRO OU POR FORA?



VAI POR DENTRO OU POR FORA?



Treze anos fora do Brasil, nove sem visitar e eu já estava quase esquecendo como era ser carioca. Como transformar as situações difíceis em um humor sacana, que somente se encontra no Rio. Que saudade!

La estava eu, tentando sair de Botafogo e ir para a casa de uma prima na Barra.
Março de 2010 e uma chuva alagava a cidade, claro que as ruas já estavam inundadas e pegar um ônibus ou taxi, era tarefa quase impossível.
Fui para um ponto e ali encontrei muitas pessoas esperando e dizendo que não passava nada há horas.
Decidi que ia tentar chegar à entrada do túnel para a Barra e dali, uma carona, ou a sorte de um ônibus frescão, sabe lá, qualquer coisa que fosse na direção desejada.
Passou um tempo e chegou um, não sei nem qual era a linha. Subi no bicho e foi aí que comecei a entrar no clima carioca.
Todos estavam na maior animação e para variar perturbando a vida do motorista. Dei sorte, arrumei um lugar ao lado de uma senhora, que depois de um tempo, me olhava sem entender nada do meu comportamento, acho que ela pensava que eu era gringo.

Chegamos ao Jardim Botânico e o negócio ficou feio, água na altura do joelho. Já não existia nenhuma regra no tráfego, era um salve-se quem puder, o negócio é chegar. Muitos carros parados e o nosso ônibus foi ficando muito cheio. Claro que tinha um engraçadinho que marcava minha reestréia na cidade:

- Motorista! Para essa porra, tem um cara querendo sair!
- O Motorista! Toca essa porra motorista!
- Pega leve pessoal, tou trabalhando! Dizia o piloto.
O resto dos passageiros dando a maior forca e eu me acabando de rir, pensando; como é bom voltar meu DEUS, eu sou agradecido pelo que aprendi nos Estados Unidos, mas se fosse por lá, já haveria aquele exagero digno de um evento americano, provavelmente metade do ônibus já estaria preso e algemado por acusações que poderiam variar de desrespeito, assédio ao motorista, violação dos direitos da mãe do mesmo, etc.
O FBI, CIA e outras agências, estariam investigando os bueiros, com os equipamentos mais sofisticados, robôs e por ai afora, buscando um Bin Laden da vida, que tivesse entupido os ditos buracos, nessa enchente terrorista.
Viajando nos meus pensamentos, ria muito e a senhora me olhava cada vez mais espantada, sem entender como eu me divertia tanto.
Era simples, eu me sentia em casa novamente, entendia aquilo tudo.
Quem estava certo era o Tom Jobim quando definiu essa diferença entre o Brasil e os USA. “La é muito bom, mas é uma merda. Aqui é uma merda, mas é muito bom”. Genial! Nada mais certo.

Bom, chega de conversa, vamos seguir viagem que o nosso amigo continua pedindo para andar com essa porra.

La na frente, olhei pela janela e vi uma senhora bem arrumada, junto com a família, que pedia gentilmente ao motorista para entrar, mas não gostaria de passar na roleta. Imediatamente escuto nosso comentarista e conselheiro gritar:

- O motorista! Deixa de ser filho da puta, não deixa a véia entrar, que sacanagem!
Acreditem se quiser, ele estava querendo ajudar.

Logo emendou:
- Essa porra ta cheia, coitada da véia, vão espremer ela aqui atrás!
Ninguém tinha entendido a gentileza. Agora sim, que caridoso e gentil, protetor das senhoras.


Seguimos adiante, até que chegamos ao início do Jardim Botânico e dali não havia como seguir. Resolvi sair e tentar a sorte. Logo reparei que as pessoas estavam cruzando aquele lago, se agarrando na grade do parque e pisando em um pedacinho de cimento do muro.

-Opa, essa funciona, lá vou eu!
Estava resolvida outra parte da minha aventura, um pouquinho de esforço, passava a parte alagada, já tinha parado de chover, andava um pouco mais e estaria na Lagoa Barra.

Ai escuto um cara gritar:
- O careca, vai por dentro ou por fora?
Não entendi nada. Foi ai que constatei, é claro que tinha esquecido que se eu estava querendo ir para a gávea, o natural é que houvesse gente querendo fazer o contrário. Caiu a ficha!

- Decide ai o careca!
Não tinha espaço para dois, ou me jogava na água, ou fazia um esforço para ir por fora, esticando os braços e as pernas, mas tendo a vantagem de não ser sarrado, o que ocorria na modalidade por dentro.
Não me lembro se passei por fora ou por dentro, mas estava feliz e ria muito por ter aprendido. Foi ai que escutei:

- O careca, derruba essa loura que esta chegando, ou vai por fora nela que vale a pena!
Ai eu me acabei de rir, pois durante todo o percurso só se escutava esse tipo de pergunta, Vai por fora ou vai por dentro? E algumas respostas:

-Minha irmã, pode deixar que eu vou por fora, fica tranqüila!
Se um homem respondia por dentro, logo se ouvia:
-Olha esse aqui, hummmmm.... esta querendo ir por dentro!

Passei por todas essas experiências e cheguei ao meu destino completamente relaxado, apesar de todos os contratempos.
Tinha rido muito e constatado que essa merda é boa, ou que boa é essa merda! Não importa, voltei e estava feliz.

Portanto, de uma coisa tenho certeza, na próxima chuva eu vou por fora.

Lig Muller
Autor: Luiz Guilherme Araujo Muller


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