O Fazedor De Crônicas



O Fazedor de Crônicas     - Querem que vc faça uma crônica! - Mas crônica sobre o que, reagiu  ele desconfiado. Depois proferiu, como se fosse o mestre de todas as crônicas do universo, que não é bem assim, que é necessário haver um mote, um rumo, um norte, que não se pinça crônicas como se arranca pêlos encravados, que o leque é múltiplo, que pode-se discorrer sobre política, e com cores fortes ainda por cima, ou sobre cinema – e daí vem os franceses com sua filosofia rebuscada, os americanos e suas serras elétricas e agora, era só o que faltava, os iranianos, que  assunto é o que não falta, e que, além do mais a função do cronista é quase uma missão histórica... - Olha, presta atenção. O patrão não tem paciência  pra filosofia. Pra se ter uma idéia, o chefe agora está em pleno vôo trans-oceânico, pra tratar de temas bem mais importantes. Ele quer uma crônica. Rápida, leve, sem muito devaneio, dessas pra se colocar no fim da revista....E, detalhe, vc ganha um dinheirinho certo.

- Mas pra qual revista? – indagou o Fazedor, perdido em aflições mil. Porque se for, por exemplo, uma revista sobre um clube de nudismo maçônico  na Serra da Cantareira, o enfoque é “X”,  ou um encarte especial sobre o protesto das uvas passas contra a aparição do Mick Jaegger no Rio a abordagem é “Y”, a abordagem, porque tudo é uma questão de abordagem....

- Pára! Que importa qual revista?

- Importa e muito! Reagiu  o fazedor de todas as Crônicas de Todo o Universo. Depois, respirou fundo. Daí lembrou da primeira prestação do IPVA. Vence agora. Parece que a segunda dá pra enrolar...Mas essa não. Se desse pra adiar a viagem pra casa da sogra em Suarão...O sogro, que um dia foi bicheiro, locutor de rádio e dono de estacionamento, agora só quer curtir a maresia. Tá louco pra levar os netos na praia, no parquinho,  na briga-de-galo. E as crianças querem ir. Mas não, prossegiu ele, pensando no seu talento magistral, nos textos maravilhosos de outrora.

- E se eu mostrar pro patrão aquilo que eu fiz pro...

- Não vai nem ler! Acorda homem! È dinheririnho em caixa. Você precisa....Ah, a sua mulher tá te procurando.

O Fazedor porém, todo empolado, como um daqueles galos do sogro, falou não, pra si e pro mundo. Depois proclamou que crônicas não são empadas. Que é um artista. E que a semântica, ah,  a semântica....Mas aí  chegou a mulher  e mandou ele explicar pra dona farmácia sobre semântica. - A conta tá 2 meses atrasada! Ralhou ela.

Ele não respondeu. Ferido nos seus brios de artista maior e supremo, incompreendido na razão maior de que arte não se faz assim, de qualquer jeito, de bate-pronto, que nem chute de trivela... Depois se enfiou num boteco que tinha um piano de parede e pediu um uísque pro garçom. O pianista, que por sinal tinha um gato malhado que não raro lhe fazia companhia, dedilhava uns acordes  longínquos que soavam pelo recinto com melodia e preguiça. Uísque vai, uísque vem, dado instante, o gato do pianista pisou no copo do Fazedor. Foi uma sujeirada. Já era a segunda vez que aquilo acontecia em uma semana. Mais essa agora...

- Escuta, o seu – dirigiu-se ao pianista – seu gato pisou no meu copo.

O homem nem levantou a cabeça das teclas. Perdido numa música eterna apenas murmurou: - Em que tom?  

Autor: Bernard Gontier


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