Desenvolvimento Regional Sob O Enfoque Dos Paradigmas Sociológicos



1.Introdução

Dentre as inúmeras questões que o tema em tela apresenta uma é de ordem preliminar e diz respeito à necessidade de lembrar que o conceito de Distritos Industrias não surgiu originalmente na Itália. Na verdade, oconceito de "clusters" advém daquilo que MARSHALL (1982:234)cunhou de "Distrito Industrial", no século XIX, para caracterizar as "concentrações de pequenas e médias empresas localizadas ao redor das grandes indústrias", nos subúrbios das cidades inglesas. Dessa forma, pode-se afirmar que os "distritos industriais ingleses", mais conhecidos hoje como "clusters" ou "aglomerados empresariais",eram constituídos por agrupamentos de grandes, pequenas e médias empresas inter-relacionadas em microrregiões geográficas, produzindo bens em larga escala tanto para o mercado interno como para o mercado externo (principalmente).

Nesse tipo de sociedade, as pequenas e médias empresas (PME's) eram fortemente "beneficiadas por fatores obtidos gratuitamente no mercado" (infra-estrutura, mão-de-obra já treinada, existência de recursos naturais locais, informações sobre as novas técnicas de produção, etc). Além disso, as PMEs eram igualmente "beneficiadas pela proximidade geográfica entre as firmas" bem como pelo seu "elevado grau de inter-relacionamento", o que lhes asseguravam um clima propício à produção em larga escala, não só reduzindo custos de transporte e de outras transações, bem como agilizando a comunicação entre os produtores.

A todos esses benefícios adquiridos pelas PME's, nos "distritos industriais ingleses", MARSHALL (1982:234) denominou-os de "economias externas", ou seja, "ganhos obtidos pelas PMEs no mercado independentemente de suas ações" (infra-estrutura, mão de obra treinada, recursos naturais, informações tecnológicas, proximidade geográfica entre as firmas, forte relacionamento interfirmas, etc.). As "economias externas", portanto, eram apontadas como as principais causas do crescimento das PMEs e, conseqüentemente, pelo desenvolvimento socioeconômico alcançado pela Inglaterra no século XIX.

Eis, portanto, as primeiras noções sobre o conceito de Distritos Industriasos quais passaram a assumir outras terminologias (clusters, agromerados empresariais, arranjos produtivos locais, etc.) no século XX, conforme será visto nos parágrafos seguintes.

2. Breve retrospectiva histórica acerca dos Distritos Industriais Italianos

Na década de 70 (séc. XX), a região de Emilia Romagna (que inclui as cidades de Friuli-Veneza-Giulia, Vêneto, Trentino-Alto Adige e Toscana), aoSul da Itália, tradicionalmente pobre, ficara conhecida internacionalmente devido ao extraordinário desenvolvimento atingido por seus distritos industriais, e também pela política pública regional inovadora em relação às pequenas e médias empresas.A alta taxa de exportação, os elevados salários, o pleno emprego e o alto nível de vida resultante de um sistema produtivo baseado em PME's, tem gerado numerosos estudos sobre o chamado "Modelo Emiliano".

Sem dúvida, esse modelo não se baseia apenas num sistema produtivo de pequenas e médias empresas (PME's), mas também numa singular combinação entre um governo progressista, integração social e de êxito empresarial. É a partir daí que surge o elementoinovador, enriquecedor do sucesso obtido pela região. Segundo BECATTINI (1999:46),"O sucesso de pequenas empresas vinha, ainda, contradizer as convicções solidamente estabelecidas dos economistas de todas as matizes ideológicas, ou quase, para os quais as chances das pequenas empresas eram estruturalmente modestas e declinariam com o tempo".

Tanto isso é verdade que, ao verificar o rápido crescimento econômico obtido pela região de Emilia-Romagna, onde havia considerável concentração de pequenas empresas,BECATTINI (1992:32) enfatizou: " o distrito industrial é uma entidade socioterritorial caracterizada pela presença ativa de uma comunidade de pessoas e de uma população de empresas num determinado espaço geográfico." (BECATTINI, 1992:32).

A partir de então, vários estudos se sucederam sobre esse tema, todos eles identificando mais e mais fatores para explicar o fenômeno ocorrido no sudeste italiano, que foi batizado, por BAGNASCO (1999), de "Terceira Itália", como forma de indicar o desdobramento do tradicional dualismo italiano entre o Norte desenvolvido (Primeira Itália)e o Sul atrasado (segunda Itália) .

Mister se faz ressaltar, nessa área de pesquisa, a contribuição pioneira dos norte-americanos PIORE e SABEL (1984) citados por SCHMITZ (1997: 172), os quais introduziram, inclusive, o conceito de "especialização flexível" na nova literatura da geografia econômica, conceito esse que se contrapunha ao antigo paradigma de "produção fordista", o qual se baseava nas características de uniformidade e repetitividade próprias da produção em massa realizadas na grande empresa.

Em outras palavras, na "produção fordista", a análise de mercado, o processo decisório, os lucros e os investimentos de capitais estão concentrados num único escritório regional, ou na "grande empresa", onde os trabalhadores simplesmente executam as tarefas que lhes são conferidas, de acordo com as funções para as quais foram designados, além de não participarem da formação do capital e nem de eventual parcela de lucro. Aqui, o tipo ideal de organização é a grande empresa, cujas forças principais estão, por um lado, na obtenção de suas economias de escala e, por outro, na sua hierarquia administrativa vertical, dividida em funções distintas entre os departamentos de direção, organização e métodos, gestão de produção e vendas.

Diversamente disso, no modelo de "produção flexível", a análise de mercado, o projeto do produto, o processo decisório, os lucros e investimentos são subdivididos entre um grande número de operadores e, sobretudo, entre empresários que, de um lado, voltam sua produção para o exterior, e, de outro lado,empresários que assumem o papel de produzir bens e serviços procurados no mercado interno. Nesse caso, a eficiência da empresa não se resume ao seu tamanho, mas na sua capacidade para adaptar-se à volatilidade dos mercados, além buscar uma maior vinculação horizontal entre as funções de direção, organização administração produção e comercialização. A produção se dá mediante forte cooperação e parceira entre os agentes socioeconômicos (empresas, governo, sociedade civil, etc).

Em suma, no modelo de "especialização flexível", as pequenas empresa independentes, articuladas entre si, atuam cooperativamente, adquirindo grande flexibilidade produtiva, tornando-se extremamente ágeis e dinâmicas no atendimento de seus consumidores, mantendo-se, ainda, fortemente competitivas em termos de custos e preços, formando redes de empresas nacionais e internacionais.

Por isso é que CATELLS (1999:88) teria afirmado que, a partir dos anos 80, "surge uma economia em rede profundamente interdependente que se torna cada vez mais capaz de aplicar seu progresso em tecnologia, conhecimentos e administração...." E essa nova estrutura mundial fez com que pequenas e médias empresas se unissem a empresas maiores, formando redes capazes de inovar e adaptar-se a todo instante aos mercados globais. "Nesse contexto,a cooperação não é apenas uma maneira de dividir custos e recursos, mas constitui um apólice de seguro contra alguma decisão errada sobre tecnologia." (CASTELLS, 1999:211).

Por fim, note-se que a grande diferença dos distritos industriais ingleses para os italianos reside no fato de que, no primeiro caso, o desempenho das PMEs tinha como âncoras principais as economias internas e "economias externas" (notadamente esta última), enquanto que no segundo caso o crescimento das PME's não se devia apenas às "economias externas", mas também ao fator "cooperação" interempresarial (dentre outros de cunho sócio-cultural, como a confiança, religião, etnia, etc.), o que possibilitava a integração entre economia e sociedade, cujas condições ambientais favoreciam a proliferação de sinergias positivas e o surgimento de novas figuras empresariais, ou seja, trabalhadores promovendo ações empreendedorasa partir de ligações horizontais com outros trabalhadores, conforme se verá com maior clareza a seguir, com os conceitos de clusters ou aglomerados empresariais.

Feitas essas primeiras observações, infere-se que "um cluster é uma aglomeração de tamanho considerável de firmas numa área especialmente delimitada com claro perfil de especialização e na qual o comércio e a especialização interfirmas é substancial." (Altenburg e Meyer-Satamer apud SUZIGAN, 1999:04). Como se disse antes, além dessa especialização pode também haver o fator "cooperação" num cluster, caso em que as relações empresariais acontecem de forma interarticulada, por meio da "ação conjunta" dos agentes econômicos e sociais, existindo intensa competição entre as empresas locais ao mesmo tempo em que as firmas colaboram umas com as outras, formando um ambiente inovador onde se desenvolvem sinergias positivas através da confiança recíproca entre empresários, cooperação interfirmas, aprendizado mútuo e inovações coletivas.

Na esteira desse raciocínio, SCHMITZ (1997:172) destacou a importânciatanto das "economiasexternas"comoda " açãoconjunta dasempresas",comoforma de elucidar o êxito alcançado pelas PME's pertencentes a um distrito industrial:"Tal ação pode ser de dois tipos: firmas individuais cooperando (por exemplo, compartilhando equipamentos ou desenvolvendo um novo produto), ou grupos de firmas reunindo forças em associações empresariais, consórcios de produtores e assemelhados" .

A conjugação desses dois fatores (economias externas e ação conjunta) levou SCHMITZ (1997:173) a acrescentar um novo e valioso conceito na moderna literatura dos clusters, isto é, o conceito de "eficiência coletiva" a qual é definida como "a vantagem competitiva derivada das economias externas locais e ação conjunta." das empresas, trabalhadores e demais agentes socioeconômicos. (SCHMITZ, 1997:173).

Outrossim, PORTER (1999:225) admite que muitas das vantagens competitivas dos clusters dependem das "economias externas" ou dos "extravasamentos" (efeitos colaterais entre vários tipos de empresas e setores). Destarte, os aglomeradosdesempenham um papel importante na competição e trazem implicações relevantes para as empresas, governos e outras instituições da economia no atual cenário do mundo globalizado.

A esse respeito, mesmo que a globalização tenha, de certo modo, diminuído a importância dos espaços locais, os aglomerados assumem indiscutível importância para a as modernas teorias do desenvolvimento econômico. De fato, PORTER (1999:282) afirma:

Os aglomerados representam uma forma nova e complementar de compreender a economia, de promover o desenvolvimento econômico e de estabelecer as políticas governamentais. O conhecimento da situação dos aglomerados numa localidade proporciona importantes insights sobre o potencial produtivo da economia local e sobre as limitações ao seu desenvolvimento futuro. Assim, as vantagens mais duradouras na economia global serão, quase sempre, locais.

SCHMITZ (1997), porém, é mais cauteloso em suas conclusões. Verificando as mudanças ocorridas nos clusters europeus, pondera: "Parece que, na década de 90, eles não estão tento desempenho tão bom quanto nas décadas de 70 e 80." (SCHMITZ, 1997:176). Contudo, a crise, em si, não pode ser vista como mero fracasso, pois ainda resta saber se os clusters serão capazes de se reestruturarem de forma tal a retomar o caminho do crescimento.

Mas, ao que tudo indica, essa reestruturação vem acontecendo da forma que menos se esperava, isto é, verticalizando-se da produção, como é o caso do setor calçadista italiano. Essa tendência é confirmada por CAMAGNI (1991) e RABELLOTI (1993) apud SCHMITZ (1997:176), os quais afirmam:"Agora, há mais hierarquia, no sentido de que as firmas que se tornaram grandes estão subcontratando as menores."

CASTELLS (1999:177), por sua vez, lembra queas empresas italianas das regiões industriais de Emilia Romagna experimentaram uma série de fusões nos anos 90, momento em que elas "ou passaram para o controle de grandes empresas, ou elas mesmas se tornaram grandes (por exemplo, a Benetton), ou então, não foram capazes de acompanhar o ritmo da concorrência quando continuaram pequenas e fragmentadas, como na região de Prato."

Examinando essa mesma trajetória, CACCIA (1999:146) também verifica que não só a Benetton tevea sua verticalização iniciada nos anos 80, mas diversas outras importantes empresas italianas como a Stefanel, Disel, Fashion Box Replay, etc., formando-se, pois, a retroalimentação do processo produtivo através de diversas idas e voltas da produção em rede.

Como se vê, em grande parte, a volta dahierarquia verticalizada tem suas origens na formação das "redes de empresas", hoje predominantes nos distritos industriais italianos.

3.Análise do desenvolvimento regional de Emilia Romagna sob o enfoque dos Paradigmas Sociológicos

Após examiar o surgimento dos Distritos Industriais na Inglaterra, bem como a história dos Distritos Industriais italianos, como também a origem dos clusters (ou algomerados empresariais)e, por último, a importância das das redes de empresasexpostas no item anterior deste trabalho, que lições podem ser extraídas acerca do desenvolvimento socioeconômico atingido pela região de Emilia Romagna sob a ótica do paradigma "burocrático-elitista de" de Weber?

Um bom começo seria relembrar, em breve trecho, os principais fatores que fizeram prosperar cada uma das configurações empresariais, já discutidas até o momento, nos distritos industriais ingleses, nos distritos industriais italianos (ou clusters) e nas redes de empresas.

Assim, no caso da Inglaterra, as principais causas que fizeram impulsionar o surgimento e o desenvolvimento dos seus Distritos Industriais descritos por MARSHALL (1982:234)foram as "economias externas", fomentada, pricipalmente, pelas grandes empresas, que direcionavam seus produtos tanto para o mercado interno como para o externo.

Já no caso dos Distritos Industriais de Emilia Romagna, não só as "economias externas" contribuíram para o desempenho das pequenas e médias empresas (PME's), mas sobretudo, "as ações conjuntas" interempresariais. Por isso é que (SCHMITZ, 1997:172) criou o conceito de "eficiência coletiva" definindo-a como "a vantagem competitiva derivada das economias externas locais e ação conjunta.". A "eficiência coletiva", portanto, seria a grande responsável pela aurora do desenvolvimento regional italiano.

E no caso das "redes de empresas" o segredo do desenvolvimento regional italiano é ainda mais fácil de ser visualizado, ou seja, o elevado grau de"vinculações interfirmas", que se dava através de associações, cooperativas, consórcios, franquias ou outras espécies de associativismo, caracterizava o sistema de "produção flexível" observado por PIORE e SABEL (1984), bem como o surgimento de uma "sociedade em rede" detectada por CASTELLS (1999:88).

Diante desses apontamentos, a primeira pergunta que se pode fazer é: por que a análise do desenvolvimento da região de Emilia Romana será feita sob a visão do paradigama burocrático-elitista de Weber, e não por um dos dois outros paradigmas sociológicos clássicos, quais sejam: o paradigma Pluralista-Funcionalista de Dürkheim; e o paradigma Classista de Marx ?

Ora, examinando bem o que ocorreu na Itália (e também na Inglaterra), constata-se que o impulso desenvolvimentista deveu-se, em muito maior escala, às "organizações" (principalmente às pequenas e médias empresas, embora contando com o apoio das grandes empresa), e, em muito menor escala, aos demais agentes socioeconômicos (governos, sindicados, famílias, trabalhadores, partidos políticos, entidades de classe, etc.).

Dessa forma, se as "organizações" (cooperativas, consórcios, franquias, associações, redes de empresas, etc.) foram as maiores responsáveis pelo extraordinário desenvolvimento ocorrido em Emilia Romagna (embora o surgimento das organizações tenham sido facilitadas por fatores de cunho sócio-culturais como religião, etinia, laços familiares e culturais, confiança, etc.), então a teoria mais apropriada para explicar o fenômeno do desenvolvimento, neste caso particular da Itália, é o Paradigma Burocrático-Elitista, haja vista que a sua "unidade fundamental de análise" é a "organização", ao passo que o Paradigma Pluralista-Funcionalista tem como "unidade fundamental de análise" o "grupo", enquanto que o Paradigma de Classe adota a "classe" como "unidade fundamental de anàlise". Com efeito, esclarece RIEDL (2007:16):

Para o paradigma burocrático-elitista, que pressupõe que o resultado de uma luta por poder entre grupos sociais define a forma e o conteúdo das instituições sociais principais, a unidade fundamental de análise é a organização ou grupo de organizações que controlam tais recursos sociais chaves como riqueza, legitimidade, mão-de-obra, tecnologia e conhecimento – fábricas, corporações, universidade, agências governamentais, sindicatos, etc. (grifo nosso).

Tais "organizações" ou "grupos de organizações", conforme já frisado anteriormente, formaram-se na Itália através de uma singular combinação entre um governo progressista, integração social e de êxito empresarial. É a partir daí que surge o elementoinovador, enriquecedor do sucesso obtido pela região. Assim, RIEDL (2007:14) lembra que:

... para Weber organizações em larga escala – quer organizações industriais produtivas, partidos políticos de massa, sindicatos, associações de comércio ou universidades – constituíram os elementos chaves para a consecução de quaisquer propósitos sociais em sociedades industriais. (grifo nosso).

Demais disso, não se pode perder de vista outras duas vertentes da Teoria Weberiana que apontam para a "organização" como unidade fundamental de análise, quais sejam: a "especialização" e a "racionalidade" das empresas. No caso da "especialização", já se demonstrou através das explicações elaboradas por Altenburg e Meyer-Satamer apud SUZIGAN (1999:04) que os distritos industriais (ou clusters, ou aglomerados) são formados por empresas com claro perfil de "especialização" na produção de seusbens, sendo esta mais uma razão pela qual o desenvolvimento regional de Emilia Romagna deve ser analisado sob a ótica do paradigma Burocrático-Elitista, senão observe-se o que preleciona WEBER (1979: 160):

Somente pela especialização rigorosa, pode o trabalhador adquir plena consciência, de uma vez por todas, e talvez não tenha outra oportunidade em sua vida, de ter realizado alguma coisa duradoura. Uma realização verdadeiramente definida e boa é hoje e sempre uma realização especializada. (grifo nosso).

Quanto à segunda vertente, isto é, a "racionalidade", também não se pode esquecer que para que um distrito industrial (cluster ou aglomerado) venha a prosperar, como foi o caso específico de Emília Romagna, é preciso que as empresas trabalhem de forma cooperativa e planejada e interarticulada umas com as outras, sob o formato de "redes de empresas", conforme já se viu nas explicações de, pois nunca é demais lembrar que "...a cooperação não é apenas uma maneira de dividir custos e recursos, mas constitui um apólice de seguro contra alguma decisão errada sobre tecnologia." CASTELLS (1999:211). Roborando o assundo, SOUZA NETO e DE LIBERAL (2004: 46) asseguram que:

Na teoria weberiana, a racionalidade peculiar às sociedades capitalistas está presente no amparo burocrático do Estado, nas empresas, nas organizações e na divisão do trabalho. O cálculo acompanha até mesmo as sentenças judiciais e, por que não, as organizações e as reflexões religiosas. O próprio comportamento humano, em muitas situações, é, às vezes, planejado, calculado, para evitar certos conflitos, acasos e riscos.(grifo nosso).

Seguindo essa mesma linha de raciocínio LUKÁCS (1984:110) acrescenta que, para existir, a empresa capitalista moderna "...tem necessidade de uma justiça e de uma administração cujo funcionamento possa ser também, em princípio, calculada segundo sólidas regras gerais, tal como se calcula o trabalho previsível efetuado por uma máquina."

4.Conclusão

Após os questionamentos acima expostos, parece não haver dúvida de que o o desenvolvimento de Emília Romagna deva, efetivamente, ser analisado sob a ótica do Paradigma Burocrático-Elitista de Weber.

Poder-se-ia até imaginar que devido ao conceito de "solidariedade orgâniga", desenvolvido por Dürkheim, o caso italiano pudesse ser analisado através do Paradigma "Pluralista-Funcionalista", já que o conceito de "Eficiência Coletiva" elaborado por (SCHMITZ, 1997:172) cria uma falsa idéia de que a toda a sociedade age de forma "solidária" através das "ações conjuntas" descritas no item anterior por esse mesmo autor.

Na verdade, as "ações conjuntas" de que trata (SCHMITZ, 1997:172) restringem-se tão-somente àquelas ações praticadas pelos empresários e não pela comunidade em geral, e, neste caso, parece que tal solidariedade não passa de uma condição acessória da produção, e não essencial à integração da sociedade. Apesar de admitir que nas sociedades capitalistas a solidareidade social esteja presente, Dürkheim (1978:31) adverte:

Mas é preciso determinar em que medida a solidariedade que ela produz contribui para a integração geral da sociedade: pois é apenas então que saberemos até que ponto é necessária, se é um fator essencial da coesão social ou, ao contrário, se é uma condição acessória e secundária.

Por outro lado, o Paradigma de Classes (de Marx) torna-se inapropripaado para analisar o processo de desenvolvimento da Região de Emilia Romana, isso porque, segundo RIEDL (2007:15),"em marcante contraste com Weber, Marx viu o conteúdo específico e as funções das organizações burocráticas como inevitavelmente relacionas intrinsicamente àmanutenção da dominação de classe...". (grifo nosso). Ora, o que se viu em Emilia Romagna foi exatamente o contrário, ou seja, classes de trabalhadores desempregados organizaram-se para criar organizações burocráticas de pequeno porte (cooperativas, consorcios, franquias, associações, etc) de forma a se inserirem no modo de produção capitalista e não para submeter-se a qualquer espécie de dominação de classe.

Aliás, essa flagrante contradição encontra-se no próprio MARX (1847: 94) :"As relações sociais estão intimamente ligadas às forças produtivas. Adquirindo novas forças produtivas, os homens mudam o seu modo de produção, e mudando o modo de produção, a maneira de ganhar a vida, eles mudam todas as suas relações sociais.". Se isso é verdade, como poderiam os trabalhadores italianos opor-se à criação, por eles mesmos, de organizações burocráticas de pequeno porte,para mudarem suas vidas?

Como Marx idealizava o surgimento de uma sociedade socialista, talvez não lhe interessasse admitir a existência de outras alternativas para os trabalhadores como as diversas formas de associativismo que já existiam desde sua época (cooperativas, associações, etc), até porque em sua concepção tais formas de associções produtivas também visavam ao ganho da mais-valia, algo totalmente repudiável em sua doutrina do materialismo histórico e dialético.

Por isso mesmo, MARX (1890: 727)até desistimulava iniciativas de trabalhadores para criação de cooperativas ou outras formas assemelhadas de produção, alegando que:

Os capitais pequenos lançam-se assim no ramos de produção de que a grande indústria se apossou apenas de maneira esporádica ou incompleta. A concorrência acirra-se então na razão direta do númeroe na inversa na magnitude dos capitais que se rivalizam. E acaba sempre com a derrota de muitos capitalistas pequenos, cujos capitais ou soçobram ou se transferem para as mãos do vencedor.

Na verdade, não foi isso o que ocorreu em Emilia Romagna. Com efeito, os trabalhadores italianos, unidos, souberam adquirir novas forças produtivas (em conjunto) através da criação de organizações burocrática (por meio de associações diversas). As pequenas e médias empresas cresceram, prosperaram e fizeram desenvolver a região. Se durante a década de 90 as PME's de Emília Romagna passaram por processo de menor cresimento, isso não significa que a região estagnou, mas apenas passou por um processo de ajuste devido às crises do capitalismo financeiro internacional que, por sinal, atingiu o mundo inteiro.

Hoje porém, a Itália, já totalmente integrada à União Européia, caracteriza-se por ser um país de industrialização recente, que teve, em grande parte, suas origens no modelo Emiliano de Desenvolvimento, constituindo um dos mais exuberantes exemplos de desenvolvimento endógeno.

Ao ensejo da conclusão deste trabalho, resta ainda perguntar: seria possível analisar o desenvolvimento regional de um país católico, como a Itália, através da teoria Weberiana, calcada na Ética Protestante do Espírito Capitalista?

5.Referências Bibliográficas

BAGNASCO, Arnaldo. Desenvolvimento Regional, sociedade local e economia difusa. In: Coco, G; Urani, André; Galvão, A. Patez. (orgs).Empresários e empregos nos novos territórios produtivos: o caso da terceira Itália. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.p. 33 - 44.

BECATTINI, Giacomo. Distritos industriais na Itália. In: Coco, G; Urani, André; Galvão, A. Patez. (orgs). Empresários e empregos nos novos territórios produtivos: o caso da terceira Itália. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.p. 45 - 58.

__________. Le district marshallien: une notion socio-économique: organization industrielle et croissance urbaine. In: BENKO, G; LIPIETZ, A. (orgs).Les Régions Qui Gagnent - districts et réseaux: les nouveaux paradigms de la géographie économique. Paris: Presses Universitaires de France, 1992. p. 35 - 56.

CACCIA, Giuseppe. Modelos empresariais e figuras do trabalho no nordeste da Itália. In: Coco, G; Urani, André; Galvão, A. Patez. (orgs).Empresários e empregos nos novos territórios produtivos: o caso da terceira Itália. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.p. 239 - 254.

CATELLS, Manuel. A sociedade em rede (A era da informação: economia, sociedade e cultura; v.1). São Paulo: Paz e Terra, 1999.

Dürkheim, Émile. Da divisão do Trabalho Social. São Paulo: Abril, 1978.

LUKÁCS, Georg. História da Consciência de Classe. Porto: Escorpião, 1974.

MARSHALL, Alfred. Princípios de Economia. São Paulo, Abril S. A. Cultural e Industrial: v. 1, 1982.

MARX, Karl, ([1847], s/d.). A Miséria da Filosofia. São Paulo: Livraria Exposição do Livro.

___________. ([1890], s/d.). O Capital. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S. A.

PORTER, Michael E. Competição: estratégias competitivas essenciais. Rio de Janeiro: Campus, 1999.

RIEDL, Mário. Paradigmas Teóricos de Estrutura e Mudança Social. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2007.

SCHMITZ, H. – Eficiência coletiva: caminho de crescimento para a indústria de pequeno porte. In: Ensaios FEE, Porto Alegre: Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser, v 18,no 2, p. 164-200, 1997.

SOUZA NETO, João Clemente; DE LIBERAL, Márcia Melo Costa. A Metamorfose do Trabalho na Era da Globalização. São Paulo: Arte Impressa, 2004.

SUZIGAN, W. Aglomerações Industriais: avaliação e sugestões de políticas. (online) Disponível na internet via ULR http://www.neit/ie-unicamp.com.br. Arquivo capturado em 2001.

WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.


Autor: Hélio Barbosa Hissa


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