RECONHECIMENTO DO VINCULO EMPREGATICIO ENTRE POLICIAL MILITAR E EMPESA PRIVADA



1 INTRODUÇÃO
Desde os primórdios da humanidade até a época atual o trabalho tem sido condição sine qua non para a sobrevivência e para o crescimento moral, espiritual, religioso, intelectual, cultural, científico e material o homem. Assim, o trabalho é um fato que está na base de qualquer organização social e precisa ser tratado integralmente como tal, nos seus valores subjetivos e objetivos, intrínsecos e extrínsecos, individual ou coletivo, privado ou social, humano e religioso, e não no seu valor meramente ou predominantemente econômico.
Ao longo dos séculos XIX e XX, o Direito do Trabalho tornou-se um dos instrumentos mais amplos, genéricos e disseminados na sociedade, quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista econômico, de distribuição de renda no sistema capitalista.
Desenvolvido com objetivos paradoxais, possui como uma de suas funções mais relevantes a busca pela melhoria nas condições de trabalho em favor dos empregados, além de ser um mecanismo racional e eficaz sob a ótica dos interesses estritamente econômicos do sistema.
O presente trabalho, sem pretender esgotar a matéria, procurará analisar o reconhecimento do vínculo empregatício entre policial militar e empresa privada. Não é novidade a realização de contratos de prestação de serviços com a finalidade de burlar a legislação do trabalho, dentre os quais se pode destacar os contratos realizados entre policiais militares e empresas privadas.
Na atualidade, as altas taxas de criminalidade levam empresários a buscar uma maior garantia de segurança realizando com isso contratos de prestação de serviços de segurança com policiais militares que trabalham durante o período de folga na corporação. Nesses contratos, de um lado o empresário acredita que o policial militar por estar proibido de ter outro emprego não terá, por conseqüência, nenhum direito trabalhista oriundo do reconhecimento do vínculo empregatício e de outro o policial militar que por ser proibido de prestar serviços remunerados em empresas privadas, incorre em falta disciplinar.
A Justiça do Trabalho, por sua vez, tem por tendência reconhecer a existência da relação de emprego em detrimento do contrato de prestação de serviços, em virtude do princípio da primazia da realidade. Quando se trata do princípio da primazia da realidade já não mais se ocupa a necessidade de indicar a natureza do contrato que dá origem ao vínculo de emprego, mas cuida-se de perceber, tão-somente, que documentos expressando hipótese diversa da real não têm efeito jurídico, porque haverá de prevalecer, sempre, a realidade. E se o ajuste inicial previa o labor em condições diferentes, também essa circunstância não terá maior relevo, pois interessará o fato real, a verdadeira condição de trabalho, a partir do instante em que a energia de trabalho esteve disponível.
Assim sendo, neste trabalho procurar-se-á analisar a prestação de serviços por policial militar a empresas privadas e suas conseqüências jurídicas. O interesse é justificado pela importância prática do tema em razão da sua pertinência e ocorrência na atualidade.
Para tanto, a pesquisa realizada para a elaboração da dissertação foi de forma exploratória, descritiva e explicativa. Quanto aos seus procedimentos técnicos, a pesquisa é bibliográfica. O levantamento bibliográfico consiste em pesquisa na literatura disponível sobre o tema, sendo que todo o material coletado e analisado será interpretado a luz do enfoque do estudo proposto.
O trabalho subdivide-se em dois capítulos. O primeiro trata especificamente da relação de emprego, busca analisar os sujeitos e os requisitos da relação de emprego. Definida a relação de emprego, passa-se a tratar, no segundo capítulo, a questão do vínculo empregatício entre o policial militar e a empresa privada, destacando-se a questão da “legalidade” do bico e a relação de emprego e ainda analisando a jurisprudência dos Tribunais.




2 A RELAÇÃO DE EMPREGO
A relação de trabalho é o liame que se forma entre prestador e tomador do trabalho. A relação de emprego, por sua vez, tem substância mais restrita, sendo o vínculo que nasce entre empregado e empregador, dentro do contrato de emprego, onde o elemento subordinação realça sobranceiro (NASCIMENTO, 1992).
No Direito do Trabalho brasileiro inexiste uma definição legal para a relação de emprego. Ainda que se pudesse mencionar o texto do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho, da sua própria leitura percebe-se que se trata de uma definição circular: define contrato de trabalho como sendo o instrumento jurídico a que corresponde à relação de emprego, mas não define o que é a relação de emprego. Assim, coube à doutrina definir o que seja relação de emprego no Direito brasileiro, utilizando os elementos constantes das definições de empregador, e empregado nos artigos 2º e 3º da CLT .
Todos os humanos que trabalham são trabalhadores. Trabalhador, portanto, é o gênero. O Direito do Trabalho, contudo, não se aplica a todas as pessoas que trabalham, mas a uma espécie de trabalhador denominada empregado. O trabalhador empregado é regido pela legislação trabalhista, basicamente a CLT.
Diversos são os critérios por meio dos quais se caracteriza relação de emprego. Na doutrina, encontra-se a dependência como traço específico dessa relação. Essa dependência é vislumbrada sobre várias óticas: “hierárquica”, “econômica”, “técnica” e “social” (CAMINO, 2004).
A dependência que dá o contorno da figura do empregado é a hierárquica ou jurídica, quer dizer, aquele estado de sujeição em que se coloca o trabalhador, obrigando-se a cumprir ordens emanadas do empregador. Os sujeitos da relação de emprego são o empregado e o empregador.

2.1 Sujeitos da relação de emprego
No que concerne à relação de emprego, as pessoas que participam dessa relação, como sujeitos ativos e passivos, segundo a terminologia da lei brasileira, são os empregados e os empregadores, isto é, trabalhadores e empresários que reúnam as características exigidas, respectivamente, pelos arts. 3º e 2º, da CLT.
A CLT, em seu art. 3º, dispõe que “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. A doutrina acrescenta a essa definição um outro requisito: a prestação pessoal do serviço.
Assim, pode-se conceituar empregado como a pessoa física que presta pessoalmente a outrem serviços não eventuais, subordinados e assalariados. A partir dessa definição podemos então destacar cinco elementos essenciais: a) pessoalidade; b) habitualidade; c) subordinação; d) salário e; e) pessoa física (SUSSEKIND, 2004).
A presença desses cinco elementos é requisito sempre indispensável para o sujeito que realize um determinado trabalho ser enquadrado como empregado.
O sujeito de uma relação jurídica é, sempre, pessoa, isto é, ser
capaz de exercer direitos e assumir obrigações, por si ou por intermédio
de quem legitimamente o represente. Dentro da relação jurídica, a pessoa
pode assumir dupla posição: ou é titular de uma facultas agendi , exercendo, ou não, a prerrogativa que lhe é outorgada consoante o sistema jurídico em que se encontra situado (sujeito ativo), ou, ao revés, é titular da obrigação a ser cumprida em proveito de outrem (sujeito passivo) (DELGADO, 2004).
O empregado é sempre pessoa física ou natural. Não é possível dada a natureza personalíssima das obrigações que ele assume, admitir-se a hipótese de um empregado pessoa jurídica. A proteção da legislação trabalhista é destinada à pessoa física, ao ser humano que trabalha. Os serviços prestados por pessoa jurídica são regulados pelo Direito Civil (DELGADO, 2004).
Em relação ao empregador, dispõe a CLT que “considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços” (art. 2º).
A empresa é comumente conceituada como uma atividade organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços destinados ao mercado, com objetivo de lucro. No âmbito do Direito do Trabalho, a CLT expressamente estabelece a exigência de que ela assuma os riscos do negócio. Assim, a empresa deve assumir tanto os resultados positivos quanto os negativos do empreendimento, não podendo estes últimos serem transferidos ao empregado (DELGADO, 2004).
Não é elemento essencial da definição de empregador a pessoalidade. Embora esse requisito seja imprescindível para a conceituação de empregado, não o é para a de empregador. Prova disso é o fato de o empregador poder ser substituído normalmente no comando dos negócios, sem que sejam afetadas em qualquer aspecto as relações de emprego existentes com os trabalhadores da empresa. O empregado, ao contrário não pode se fazer substituir livremente (SUSSEKIND, 2004).
O empregador pode admitir empregados e, simultaneamente, utilizar serviços de trabalhadores que não são em pregados (autônomos ou eventuais), de modo a inexistir, em relação a estes, contrato de trabalho. A recíproca, sim, é exata: para existir a figura do empregado é indispensável que, no outro extremo da relação jurídica, esteja o empregador (SUSSEKIND, 2004).

2.2 Requisitos da relação de emprego
A relação de emprego implica na satisfação de determinados requisitos indispensáveis à sua configuração jurídica.
De acordo com Gomes e Gottschalk, tais requisitos podem ser enumerados:
a) a pessoalidade; b) a onerosidade; c) a continuidade; d) a exclusividade; e) a subordinação (GOMES; GOTTSCHALK, 2007, p.37).

Tais requisitos caracterizam a prestação devida pelo empregado, desse modo, alguns destes, tais como a continuidade e a exclusividade, não integram, necessariamente, da natureza do contrato, porém são indispensáveis à caracterização do estado de empregado (GOMES; GOTTSCHALK, 2007, p.38).
A pessoalidade é uma das notas típicas da prestação de trabalho (GOMES; GOTTSCHALK, 2007, p.38).
Regra geral, o trabalhador é contratado porque nele o empresário vislumbra o temperamento adequado, o conhecimento técnico ou a aptidão necessária ao cultivo de sua terra, ao torque de sua engrenagem industrial ou à mercancia que porventura desenvolva. No âmbito dos fatos, o empresário o quer em harmonia com os demais itens de seu empreendimento, sujeitando tal trabalhador, sua inteligência e sua técnica, aos interesses da empresa. Em suma, o empresário escolhe o trabalhador que a ele quer subordinado (CARVALHO, 2007, p.41).
O contrato de trabalho origina para o empregado uma obrigação de fazer (faciendi necessitas ) consistente, precisamente, na prestação do serviço convencionado pelas partes. Esta obrigação não é fungível, isto é, não pode ser satisfeita por outrem, mas tão-somente por quem a contraiu (GOMES; GOTTSCHALK, 2007, p.38).
E por isso o obreiro não pode se fazer substituir por outro colega de ofício, sem a anuência do patrão. A relação de trabalho se inicia mediante o ajuste de vontades, o contrato em que o empregador investe na virtualidade individual desse seu novo empregado. Logo, para o empregado a obrigação é infungível, personalíssima (intuitu personae ). O empregado, segundo Martins Catharino (1972, p.190) obriga-se a trabalhar pessoalmente. Nessa medida, o empregado haverá de ser pessoa física, por lógica dedutiva.
Por outro lado, a pessoalidade da prestação de trabalho não importa dizer que também o empregador não pode se fazer substituir por outro empresário, no curso do contrato de emprego. Veremos, quando estudarmos o outro sujeito da relação empregatícia, que a sucessão de empregadores é possível, sem rompimento do vínculo (CARVALHO, 2007, p.42).
A onerosidade é outro requisito comum à prestação e ao contrato de trabalho. Para que aquela seja objeto deste, há de ser remunerada (GOMES; GOTTSCHALK, 2007, p.39).
A onerosidade, diretamente ligada à essência do contrato de trabalho, representa uma das características distintivas desta espécie contratual. Contrapondo-se à gratuidade, representa um sacrifício, sofrido pelos sujeitos da relação, em troca da obtenção de uma vantagem (CARVALHO, 2007, p.43).
O contrato de trabalho é oneroso, ou seja, não se o executa por benemerência ou altruísmo. A prestação de trabalho que encerra uma liberalidade, um simples favor ou um ato - mesmo continuado ou persistente - de boa-vontade, não acontece no âmbito de uma relação de emprego (CARVALHO, 2007, p.43).
Percebe-se que não se está a cogitar do fato objetivo de o trabalhador receber salário, mas do interesse, que a este anima, de trabalhar para recebê-lo. Aliás, o salário será necessariamente devido quando evidenciada essa onerosidade da prestação laboral e o seu valor, quando não ajustado previamente, será arbitrado pela Justiça do Trabalho, em conformidade com o art. 460 da CLT.
A percepção da remuneração, pelo empregado, como contraprestação pela energia de trabalho colocada à disposição do empregador, constitui-se, na maioria das vezes, na própria forma de subsistência do trabalhador (NORRIS, 2006, p.12).
A continuidade da prestação é, também, requisito importante. A relação de emprego é contínua, de trato sucessivo. Para se ter um contrato de trabalho ou para que se tenha uma relação de emprego, há necessidade de haver continuidade com relação à prestação de serviços (GOMES; GOTTSCHALK, 2007, p.39).
O contrato de trabalho possui traços de sua normal intenção de continuidade, até mesmo em virtude de se encontrar diretamente ligado à idéia de subsistência do trabalhador e de sua família. Desta forma, pode-ser afirmar que o decurso do tempo é que produzirá diversos dos efeitos desejados pelas partes, atendendo às principais necessidades indutoras da contratação (NORRIS, 2006, p.13).
O trabalho contínuo seria aquele desenvolvido a todo dia e hora, ressalvados os intervalos previstos em lei. A noção fundamental é o curso do tempo, ao exame da continuidade. Quando o propósito é o de verificar se a prestação de trabalho é ou não eventual, indaga-se, em vez disso, sobre sua causa (CARVALHO, 2007, p.42).
Um trabalho prestado eventualmente não dá ensejo a um contrato de trabalho. A estabilidade da relação é importante, assim como a sua onerosidade, tendo em visa o fato de que grande parte dos direitos do empregado tem seu fundamento na continuidade dos serviços bem como na remuneração devida pelo empregador. Desse modo, o trabalho que se presta ocasional e transitoriamente não atribui a seu executor a condição jurídica de empregado (GOMES; GOTTSCHALK, 2007, p.39).
A não-eventualidade encontra-se, inclusive, mencionada no conceito de empregado, constante do art. 3º da CLT, o que bem demonstra não se poder falar em relação empregatícia quando se estiver tratando de trabalho eventual (NORRIS, 2006, p.13).
A exclusividade da prestação de trabalho não constitui propriamente condição de existência do contrato de trabalho, porém sim, decorrência normal do estado de subordinação que esse contrato cria para o empregado. Tanto assim que a circunstância de o trabalhador empregar a sua atividade para mais de um empregador não desnatura os contratos de trabalho que celebrou (GOMES; GOTTSCHALK, 2007, p.40).
Como observa o Rodrigues Pinto
A possibilidade da múltipla prestação guarda uma razão direta com o trabalho intelectual e inversa com o manual ou braçal, em virtude das peculiaridades da prestação nesses dois terrenos, quanto ao tempo demandado para atendê-la. Mesmo assim, nada impede o trabalhador braçal de manter mais de uma relação de emprego, nem o intelectual de manter uma só, até em razão de cláusula contratual. Isso serve para demonstrar a acidentalidade de manifestação da exclusividade (PINTO, 1998, p.107).
A subordinação do empregado é requisito não apenas da prestação, como, ainda, o elemento caracterizador do contrato de trabalho, aquele que melhor permite distingui-lo dos contratos afins. Sua importância deriva do fato de ser o elemento específico da relação de emprego, cuja presença, nos contratos de atividade, facilita a identificação do contrato de trabalho, propriamente dito. A relação de emprego inexiste e sem que o poder de dominação, inerente à sociedade capitalista atomize-se no vínculo entre o trabalhador e o credor da sua prestação de trabalho (GOMES; GOTTSCHALK, 2007, p.41).
A subordinação ou dependência contemplada no art. 3º, da CLT, concerne à prestação laboral, não à pessoa mesma do trabalhador.
Conceitualmente, pode-se compreender a subordinação como a sujeição ao poder de comando do empregador e então temos os dois extremos dessa linha que une os sujeitos da relação empregatícia: a subordinação e o poder de comando. O sentido entre aquela e este é o da complementaridade (são dois lados de uma só moeda), porquanto se unam na formação do elemento a que designamos, em síntese e já agora agregando ao termo o fundamento contratual, de subordinação jurídica (CARVALHO, 2007, p.46).
De acordo com Norris (2006) ainda hoje se observam significativas divergências, no que concerne à qualificação dessa dependência, por parte dos doutrinadores. Estas divergências provocaram o aparecimento de diversos critérios para a subordinação do trabalhador, podendo os mesmos preceitos serem reduzidos em quatro tipos básicos:
a) dependência econômica; b) dependência técnica; c) dependência social; e d) dependência jurídica (NORRIS, 2006, p.4).
O critério da subordinação econômica foi exposto e desenvolvido, principalmente, por alguns doutrinadores franceses, além da jurisprudência alemã. Sendo de maior amplitude que a dependência jurídica, teve como principal objetivo trazer, para a área de proteção da legislação trabalhista, algumas figuras, tais como os trabalhadores em domicílio (PLÁ RODRIGUES, 1978, p.21).
Outra hipótese de subordinação encontra-se representada pela dependência técnica. A terminologia "subordinação técnica" deve-se à suposição da direção efetiva, pelo empregador, quando da realização das tarefas pelos empregados, sendo que o dador de trabalho tem conhecimento, não apenas no que concerne ao seu desempenho, mas também indica como as atividades devem ser cumpridas. Ao empregador ainda caberia, in casu, o controle de sua execução, bem como de seus resultados (PLÁ RODRIGUES, 1978, p.22).
O critério da dependência social representa uma fusão das dependências jurídica e econômica, caracterizando uma última tentativa, realizada pelos seguidores do critério de dependência econômica, no sentido de caracterizar o contrato de trabalho. Consoante lembra Mozart Victor Russomano:
Eles viram - depois de longos anos de predomínio doutrinário - ruir toda a laboriosa construção intelectual que tinham levantado em torno de uma realidade que ninguém nega, mas que, como vimos, não autoriza as conclusões a que seus defensores haviam chegado. (…) as soluções intermediárias nem sempre são as verdadeiras. Ao contrário, muitas vezes, oferecem o flanco de sua concepção às críticas que se opõem às teorias que elas procuram sintetizar (RUSSOMANO, 1991, p.56).
Finalmente, resta-nos a análise acerca da dependência jurídica ou subordinação hierárquica, como também pode ser denominada, dando a entender a suposição no sentido de que o empregado se integra na organização da empresa, a qual se ordena em níveis hierárquicos.
A idéia de subordinação encontra-se diretamente vinculada ao aspecto passivo do poder diretivo de que dispõe o empregador. Assim, à responsabilidade de condução da empresa, por parte do empregador, corresponde o dever correlato do empregado, no que atine à obediência de suas diretivas, uma vez que, caso não existisse essa obrigação de cumpri-las, o poder de direção seria meramente nominal, e, portanto, ineficaz (PLÁ RODRIGUES, 1978, p.24).
Para Gomes e Gottschalk (2007, p.42), a subordinação do empregado é jurídica e resultante de um contrato e disso resulta seu fundamento e seus limites. Essa subordinação é a principal diferença que caracteriza o contrato de trabalho dos demais contratos do direito privado.


3. O VÍNCULO EMPREGATÍCIO ENTRE POLICIAL MILITAR E EMPRESA PRIVADA
No capítulo anterior, analisaram-se os requisitos da relação de emprego, os quais se encontram previstos nos artigos 2.º e 3.º da CLT. Ausente apenas um desses elementos, então a relação de trabalho não poderá ser caracterizada como de emprego e nem o Direito do Trabalho poderá abrigá-la.
Passa-se agora à avaliação dos requisitos previstos nos artigos 2.º e 3.º da CLT no âmbito do trabalho do policial militar para empresa privada e sua compatibilidade com o estatuto do policial militar.

3.1 O estatuto do policial militar
De um modo geral, polícia é termo genérico com que se designa a força organizada que protege a sociedade. Dois são os ramos básicos da atividade policial: policiamento e investigação, e tem-se duas polícias em cada Estado, uma encarregada da "polícia ostensiva" e a outra, da "apuração das infrações penais".
Assim dispões o art.144 da Constituição Federal:
Art. 144 [...]
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração das infrações penais, exceto as militares.
§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública.
A Polícia Militar constitui uma corporação governamental militarizada, também denominada Força Pública, instituída pelos Estados-membros da Federação, destinada a atender às requisições das autoridades administrativas, com o objetivo de manutenção da ordem e o policiamento ostensivo, dos lugares para que o seu pessoal seja destacado (SOARES, 2006, p.43).
A Constituição Federal de 1988 manteve a polícia militar como força auxiliar e reserva do Exército, tendo havido a expansão de sua competência no campo da Segurança Pública para a realização da polícia ostensiva e a preservação da ordem pública (SOARES, 2006, p.44).
O policial militar enquanto funcionário público está sujeito a regime disciplinar previsto em seu estatuto próprio. Igualmente, o funcionário público obedece aos princípios constitucionais, de observância obrigatória que, na feliz definição de Hely Lopes Meirelles (2000), estabelecem verdadeiro equilíbrio entre o poder público e seus servidores, para que a supremacia do Estado não mesquinhe os que o servem, nem estes se armem de vantagens prejudiciais ao serviço público.
A Constituição do Estado da Bahia, em seu art.16 identifica os policiais militares como servidores militares estaduais, suja disciplina será estabelecida em estatuto próprio.
Artigo 46 - São servidores militares estaduais os integrantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar, cuja disciplina será estabelecida em estatuto próprio.
Os deveres e as proibições compreendidos no Regime Disciplinar, que integram a norma estatutária, devem ser respeitados e obedecidos pelos servidores, por constituírem indicativo preciso da maneira e das condições de funcionamento do serviço público.
De acordo com os artigos 18 e 19 do Estatuto do Policial Militar (Decreto-Lei nº 667/69, alterado pelo Decreto-Lei nº 2.010/83):
Art 18. As Polícias Militares serão regidas por Regulamento Disciplinar redigido à semelhança do Regulamento Disciplinar do Exército e adaptado às condições especiais de cada Corporação.
Art 19. A organização e funcionamento da Justiça Militar Estadual serão regulados em lei especial.
Na verdade, o Regime Disciplinar representa o esforço de consolidação de regras procedimentais que ditam conduta funcional uniforme, tendo por fundamento básico a moralidade, a probidade e a eficiência, punindo os desvios porventura ocorridos (GUIMARÃES, 2006, p.5).
Essa norma que estabelece e regula comportamento imposto pelo Estado aos seus funcionários, mediante sistema, isto é, conjunto de elementos que, organizados e coordenados, se relacionam entre si, formando estrutura orgânica, vem sendo conceituada por significativa corrente doutrinária, formadora do ramo Direito Disciplinar derivado do Tronco Direito Administrativo, peculiar, portanto, ao Direito Público, em oposição, assim, ao Direito Privado (GUIMARÃES, 2006, p.5).
O Estatuto do Policial Militar proíbe os policiais militares de prestarem serviço remunerado em empresas privadas.
De acordo com os arts. 3º e 22, do referido diploma legal, tem-se:
Art. 3º - Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições:
a) executar com exclusividade, ressalvas as missões peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos;
(…)
Art 22. Ao pessoal das Polícias Militares, em serviço ativo, é vedado fazer parte de firmas comerciais de empresas industriais de qualquer natureza ou nelas exercer função ou emprego remunerados.
A partir da leitura dos artigos supra transcritos, observa-se que não se quer dizer que a modalidade de trabalho realizada pelo policial militar à empresa privada seja vedada pelo ordenamento jurídico, antes sim que ela não poderá ser realizada pelo policial em função da vedação prevista em seu estatuto funcional.

3.2 O ilícito administrativo
O Ilícito administrativo é ação ou omissão antijurídica, imputável a agente público, por infringência às disposições estatutárias e legais regulamentares ou normativas. (GUIMARÃES, 2006, p.9).
Em inúmeros casos o ilícito administrativo vem, também, tipificado na lei penal. Nestes casos, o que interessa à administração é o descumprimento da norma que dita o comportamento funcional. A natureza da função pública e a finalidade do Estado impõem a seu agente o atendimento exclusivo da lei, em benefício da coletividade, como forma de legitimar a ação pública (GUIMARÃES, 2006, p.9).
Este comando exige que o servidor esteja permanentemente atualizado e familiarizado com o complexo legislativo regulamentador dos serviços que lhe são afetos, para que possa bem atender à sua finalidade pública. O respeito à legalidade exige do servidor comportamento sincero, contrário à astúcia, à malícia e demais atitudes que dificultam ou minimizam o exercício pleno do direito (GUIMARÃES, 2006, p.11).
Nesta regra se inclui o dever de obediência às normas e aos seus princípios gerais de eficiência, eficácia, probidade, moralidade, prestação de contas, legalidade, publicidade e impessoalidade.
A obediência às normas legais e regulamentares e às ordens delas emanadas, como se verá, logo a seguir, se constitui molamestra de qualquer organização, que se expressa na disciplina tão necessária ao funcionamento das instituições sejam civis, militares ou eclesiásticas (GUIMARÃES, 2006, p.12).
O Estatuto do Policial Militar, fixa os deveres gerais dos servidores públicos e as proibições, cujo descumprimento constitui ilícito administrativo e, como tal, passível de aplicação, na forma da lei, de medidas disciplinares.
Nos últimos anos, é cada vez mais freqüente que policiais militares se ocupem, em seu período de folga, de outras atividades, deixando para segundo plano suas obrigações funcionais para com o Estado, e por conseqüência, para com a sociedade, para atender interesses privados.
No Estado da Bahia, o Estatuto dos Policiais Militares do Estado da Bahia e dá outras providências. (Lei nº 7.990 de 27 de dezembro de 2001) em seu art. 41 trata dos deveres dos policiais militares:
Art. 41 - Os deveres policiais militares emanam de um conjunto de vínculos morais e racionais, que ligam o policial militar à pátria, à Instituição e à segurança da sociedade e do ser humano, e compreendem, essencialmente:

I. a dedicação integral ao serviço policial militar e a fidelidade à Instituição a que pertence;
II. o respeito aos Símbolos Nacionais;
III. a submissão aos princípios da legalidade, da probidade, da moralidade e da lealdade em todas as circunstâncias;
IV. a disciplina e o respeito à hierarquia;
V. o cumprimento das obrigações e ordens recebidas, salvo as manifestamente ilegais;
VI. o trato condigno e com urbanidade a todos;
VII. o compromisso de atender com presteza ao público em geral, prestando com solicitude as informações requeridas, ressalvadas as protegidas por sigilo;
VIII. a assiduidade e pontualidade ao serviço, inclusive quando convocado para cumprimento de atividades em horário extraordinário.
Observa-se que o inciso I do referido artigo determina como dever do policia a “dedicação integral”.
Assim é que o regime disciplinar prevê um elenco de hipóteses configuradoras de faltas administrativas de conceituação genérica concebidas, propositadamente, em termos amplos para abranger a um maior número de casos. Daí dizer-se que a infração disciplinar pode ser atípica para uns, de tipicidade aberta para outros, mas, para ambas as posições, de comprovado e bem caracterizado prejuízo ao interesse público (GUIMARÃES, 2006, p.12).
No caso da polícia militar do Estado da Bahia a disciplina policial-militar é estabelecida pelo Decreto Estadual n° 29.535 de 11 de março de 1983 que dispõe sobre o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar da Bahia.
Art.1° - 0 Regulamento Disciplinar da Policia Militar tem por finalidade especificar e classificar as transgressões disciplinares, estabelecer normas relativas à amplitude e à aplicação das punições, disciplinares, à classificação do comportamento policial-militar das praças e à interposição de recursos contra a aplicação das punições, bem como as recomendações especificadas no Estatuto dos Policiais-Militares.

Devem, assim, ser considerados os deveres do infrator, em relação ao serviço, para aplicar a sanção administrativa, dentre os enumerados em lei ou regulamento para a generalidade das infrações administrativas, obedecidos os princípios legais da proporcionalidade, razoabilidade e causalidade.
O ilícito administrativo, em suas origens, verifica-se pela perturbação do bom funcionamento da administração, em virtude do descumprimento de normas especialmente previstas no elenco de deveres, proibições e demais regras que integram o regime jurídico do funcionário público.
Caracteriza-se, pois, pela ofensa a um bem jurídico relevante para o Estado, que é o funcionamento normal, regular e ininterrupto das atividades de prestação de serviços públicos. No ilícito administrativo, agride-se o funcionamento interno do Estado.
O art. 13 do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar da Bahia dispõe:
Art.13 - Transgressão disciplinar é qualquer violação dos princípios da ética, dos deveres e das obrigações policiais-militares e das obrigações policiais-militares, na sua manifestação elementar e simples, e qualquer omissão ou ação contrária aos preceitos estatuídos em leis, regulamentos, normas ou disposições, desde que não constitua crime. As transgressões disciplinares são:
(…)
CXX – participar o policial-militar da ativa, de firma comercial de emprego industrial de qualquer natureza, ou nelas exercer função ou emprego remunerado, exceto como acionista ou cotista, em sociedade anônima ou por cotas de responsabilidade limitada;

Importa ainda destacar que diversamente dos demais funcionários públicos, os policiais militares possuem não apenas uma dedicação exclusiva, mas ainda uma dedicação integral.
Segundo Hely Lopes Meirelles (2000, p.445), a diferença entre o regime de tempo integral e o de dedicação plena está em que naquele o servidor só pode trabalhar no cargo ou na função que exerce na Administração, sendo-lhe vedado o desempenho de qualquer outra atividade profissional pública ou particular, ao passo que neste (regime de dedicação plena) o servidor trabalhará na atividade profissional de seu cargo ou de sua função exclusivamente para a Administração, mas poderá desempenhar atividade diversa da de seu cargo ou de sua função em qualquer outro emprego particular ou público, desde que compatível com o da dedicação plena. No regime de tempo integral o servidor só poderá ter um emprego; no de dedicação plena poderá ter mais de um, desde que não desempenhe a atividade correspondente à sua função pública exercida nesse regime.
Não resta dúvida, portanto, que ao prestar serviços para uma empresa privada o policial militar viola seu dever funcional de dedicação integral incorrendo em transgressão disciplinar.
Diante disso, estará o policial sujeito à processo disciplinar que corresponde ao meio formal utilizado pela Administração Pública para a apuração de faltas disciplinares ou violação de deveres funcionais, bem como para a imposição de sanções administrativas a servidores públicos. Seu objeto, pois, é a averiguação de infrações administrativas e a aplicação das correspondentes punições aos agentes responsáveis (BARRETO, 2008, p.402).
O processo disciplinar possui a dupla finalidade de proceder à apuração de condutas irregulares ocorridas no âmbito da Administração, aplicando as correspondentes sanções legais, e de servir de instrumento de controle interno das atividades desempenhadas pelo Estado, reprimindo eventuais infrações praticadas por aqueles que atuam em seu nome (BARRETO, 2008, p.402).
De acordo com Guimarães (2006, p.137), o processo disciplinar é, portanto, o conjunto de procedimentos e de averiguações que têm o intuito de obter esclarecimentos e provas sobre a materialidade e a autoria das irregularidades cometidas no âmbito da Administração Pública, ensejando:
- definir responsabilidades;
- identificar os culpados;
- aplicar as respectivas sanções;
- reparar os efeitos danosos do ilícito, e
- sugerir adoção de medidas capazes de evitar a reincidência.
Para tanto, a Lei não estabeleceu ritos procedimentais nem formas rígidas a serem observadas. Todos os meios legítimos devem ser utilizados para descobrir-se a verdade, porque este é o objetivo do processo que se desenvolve por meio de fases com observância dos princípios que a Lei enumera (GUIMARÃES, 2006, p.137).
Uma vez apurada a infração, estará então o policial sujeito à sanção disciplinar. A sanção disciplinar é a penalidade legal imposta ao servidor público pela prática de falta funcional ou atos delituosos contra a Administração. Sua finalidade reveste-se de caráter dúplice, posto que atua preventivamente, evitando o cometimento de novas infrações, e repressivamente, sancionando faltas já cometidas pelos infratores (BARRETO, 2008, p.403).
Institucionalmente, a sanção disciplinar tem como função maior a manutenção regular da atividade administrativa estatal, prestigiando, assim, os princípios e normas de cumprimento obrigatório nos serviços prestados aos cidadãos, bem como o controle direto das condutas dos servidores públicos (BARRETO, 2008, p.403).
O art. 22 do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar da Bahia prevê as modalidades de sanção disciplinar às quais estão sujeitos os policiais militares.
Art.22 - As punições disciplinares, a que estão sujeitos os policiais-militares, segundo a classificação resultante do julgamento da transgressão, são as seguintes, em ordem crescente de gravidade:
I - advertência;
II – repreensão;
III - detenção;
IV – prisão;
V - licenciamento a bem da disciplina

3.3 O proibido e o ilícito
Cabe aqui destacar a diferenciação feita entre contrato de trabalho proibido e contrato de trabalho ilícito.
De acordo com Alice Monteiro de Barros (2005, p.220), o trabalho proibido é aquele prestado em desacordo com as normas de proteção trabalhista. Neste caso, os efeitos do contrato de trabalho são resguardados, isto é, autoridade cessa a prestação de serviços, todavia, recebe todos os direitos pelo trabalho já prestado. Já o trabalho ilícito constitui aquele prestado de forma ilícita, uma vez que o próprio objeto do contrato de trabalho é a prestação de serviços ilícitos. Nesta hipótese, não há reconhecimento de seus efeitos, não podendo alegar o desconhecimento da vedação legal.
Quando se fala em ilicitude do contrato de trabalho, deve-se buscar a teoria geral das obrigações do direito civil para a compreensão da questão.
De acordo com Orlando Gomes (1996, p.34), o contrato é acordo destinado a regular interesses. Necessário, portanto, que tenha objeto lícito e possível. Uma vez que a licitude do objeto é pressuposto de validade, a conseqüência de sua falta é a nulidade do contrato.
Sob a denominação de contratos ilícitos, compreendem-se os estipulados com violação das leis imperativas, ou atentatórias da ordem pública e dos bons costumes. Se um contrato se conclui a despeito de legalmente proibido, é evidente que não pode produzir efeitos. A ineficácia é igualmente declarada quando, embora permitido, os efeitos que produziria são contrários à lei, podendo os contratos serem proibidos, imorais ou ilegais (GOMES, 1996, p.35).
Tratando-se da ilicitude do objeto do contrato de trabalho, Alice Monteiro de Barros (2005, p.221), afirma que a ilicitude, fundada no artigo 104 do Código Civil de 2002, encontra-se vinculada ao objeto do contrato de trabalho, isto é, à natureza dos serviços que constituem a prestação de serviços, independentemente da licitude (ou não) do empreendimento. Desse modo, é o serviço prestado que deve estar em conformidade com a lei, a ordem pública e os bons costumes, ainda que a atividade empresarial, em si, seja ilícita. Diversamente do contrato que conta com objeto proibido que, portanto, gera alguns efeitos, com a prevalência da tutela dos interesses do trabalhador, a doutrina entende que o contrato com objeto ilícito não produz efeito algum (BARROS, 2005, p.222).
Nesse sentido se pronuncia a jurisprudência:
RELAÇÃO DE EMPREGO – TRABALHO LÍCITO E TRABALHO PROIBIDO – POLICIAL MILITAR. O serviço que executa o policial militar, junto a terceiro, pode se revelar proibido, na medida em que a legislação não lhe permite outra atividade fora do regime profissional que o vincula ao Estado, mas certamente não se pode dizer que esteja a executar trabalho ilícito. A proibição pode acarretar-lhe conseqüências punitivas, as mais diversas, por força de deveres específicos decorrentes de regulação normativa própria da atividade policial. Mas certamente que, perante seu empregador, pessoa que se beneficiou de seu trabalho lícito e não ilícito, ressalte-se, há que prevalecer a proteção emergente das normas trabalhistas, ante o princípio do contrato-realidade. Nesse sentido pacificou-se a jurisprudência desta e. Corte, conforme Orientação Jurisprudencial nº 167 do TST: “Preenchidos os requisitos do art. 3º da CLT, é legítimo o reconhecimento de relação de emprego entre policial militar e empresa privada, independentemente do eventual cabimento de penalidade disciplinar prevista no Estatuto do Policial Militar. Recurso de revista conhecido e provido (Processo nº TST-RR-435.547/98, Ac. 4ª Turma – REL. Min. Milton de Moura França - DJU - 1.3.2002).
Na hipótese de ilicitude do objeto o contrato será nulo. O contrato é nulo quando se ressente de imperfeição de tal gravidade que o ordenamento jurídico inibe sejam produzidos efeitos. É o que se passa quando não concorrem os requisitos de validade. Temos afronta a um preceito de ordem pública, ou de normas imperativas, que deságua em sanção, que é a nulidade. Esta vem cominada explícita ou subentendida (VIANA, 2007, p.78).
Na mesma direção, Delgado (2004, p. 501) afirma que:
A ordem jurídica somente confere validade ao contrato que tenha objeto lícito (art. 145, II, CCB/1916; art.166, II, CCB/2002). O Direito do Trabalho não destoa desse critério normativo geral. Enquadrando-se o labor prestado em um tipo legal criminal, rejeita a ordem jus trabalhista reconhecimento jurídico à relação socioeconômica formada, negando-lhe, desse modo, qualquer repercussão de caráter trabalhista. Não será válido, pois, contrato laborativo que tenha por objeto trabalho ilícito.
Contudo, há uma distinção fundamental a ser observada no tocante a esse tema. Trata-se da diferença entre ilicitude e irregularidade do trabalho. Ilícito é o trabalho que compõe um tipo legal penal ou concorre diretamente para ele; irregular é o trabalho que se realiza em desrespeito a norma imperativa vedatória do labor em certas circunstâncias ou envolvente de certos tipos de empregados. Embora um trabalho irregular possa também, concomitantemente, assumir caráter de conduta ilícita (exercício irregular da medicina, por exemplo), isso não necessariamente se verifica.
A doutrina e a jurisprudência tendem também a chamar o trabalho irregular de trabalho proibido, pela circunstância de ele importar em desrespeito a norma proibitiva expressa do Estado.
(…)
O Direito do Trabalho tendo a conferir efeitos jus trabalhistas plenos à prestação empregatícia de trabalho irregular (ou trabalho proibido) – desde que a irregularidade não se confunda também com um tipo legal criminal. A teoria de nulidades incide firmemente em tais situações, garantindo plenas conseqüências trabalhistas ao contrato maculado em seu objetivo. Evidente que o reconhecimento de efeitos jus trabalhistas não elimina a necessidade de determinar-se a correção do vício percebido ou extinguir-se o contrato, caso inviável semelhante correção.

O contrato nulo não produz qualquer efeito. Para a nulidade ser reconhecida, não é preciso provocação. Ao juiz cabe pronunciá-la de ofício (VIANA, 2007, p.78).
O contrato de trabalho entre o policial militar e a empresa privada é tido como proibido, uma vez que a legislação veda ao policial militar o exercício de outra atividade remunerada além daquela prestada ao Estado.
Nesse sentido já se manifestou a jurisprudência:
EMENTA: POLICIAL MILITAR. NULIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO. INEXISTÊNCIA. Não existe nulidade no contrato de trabalho celebrado entre Empresa e Trabalhador, detentor de cargo público de policial militar. Para o reconhecimento do vínculo empregatício torna-se suficiente que se encontrem presentes os elementos caracterizadores da relação laboral, conforme previsão do art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho. Aplicação da Súmula n.º 386 do C. Tribunal Superior do Trabalho (TRT - 6ª Região – Processo (RO)0086800-88.2008.5.06.0121 (00868.2008.121.06.00.1) – Redator: Eneida Melo Correia de Araújo - Data de publicação: 04/02/2010)

3.4 A questão da “legalidade” do bico e a relação de emprego
A segurança é hoje um tema extremamente discutido no Brasil por todos os segmentos sociais, sobretudo em razão de que a violência criminal, experimentada e amplamente divulgada pela mídia, atinge dos mais pobres aos mais ricos. Esse crescimento da violência criminal tem sido observado de forma alarmante, principalmente no perímetro urbano, através de múltiplas manifestações, sendo mais aparente em relação aos crimes contra o patrimônio, cujas causas normalmente são associadas à miséria, às desigualdades, ao crescimento do apelo e à impossibilidade de acesso ao consumo.
O Estado, por sua vez, tem responsabilidade direta na segurança pública, de vez que possui o monopólio do uso da força, e responsabilidade indireta, na sua condição de coordenador das relações entre os particulares, na segurança privada, máxime porque o pessoal empregado nessa atividade tem delegação do Estado para também usar a força e, em muitos casos, a arma de fogo (SILVA, 1992, p.56).
A segurança privada inclui tanto as empresas de capital privado que possuem concessão do Estado para comercializarem serviços de proteção ao patrimônio e às pessoas, bem como as empresas e organizações das mais variadas que organizam departamentos internos para promoverem sua própria segurança (CUBAS, 2002).
Trata-se de um mercado como qualquer outro (ressalvada a maior necessidade de controle do poder público), num país de livre iniciativa, a ser explorado de forma competitiva por pessoas jurídicas, especializadas ou não, e excepcionalmente por pessoas físicas. Não sendo "encargos" do poder público, inúmeras áreas constituem-se em mercado para as atividades privadas de segurança (SILVA, 1992, p.57).
Observa-se na atualidade uma grande quantidade de policiais militares que prestam serviços – “bicos” – em suas horas de folga para empresas privadas, sejam estas empresas especializadas em segurança, seja para demais empresas onde atuam como segurança noturno, segurança de entrada (comum em clubes noturnos), etc.
De acordo com o que se observou, o contrato de trabalho entre o policial militar e a empresa privada é proibido em razão da sua vedação pela norma estatutária. Todavia, quando se analisa os princípios do direito do trabalho, não se pode simplesmente reconhecer a total ilegalidade do contrato sem reconhecer seus efeitos impondo com isso custas ao policial-trabalhador, privilegiando desse modo a empresa privada que passará a se apropriar das vantagens decorrentes da exploração do trabalho alheio, uma vez que, por se tratar de trabalho proibido, tem-se a presunção de que o policial militar terá como única opção a de aderir às condições de trabalho impostas pelo trabalhador sem nenhum direito deste decorrente.
Em face da situação fática que se apresenta, é importante o estudo de instrumentos jurídicos já existentes como tentativas de solucionar as dificuldades presentes. Um destes instrumentos são os princípios da primazia da realidade e da proteção do direito do trabalho.
Numa situação em que o policial-trabalhador encontra-se numa posição hipossuficiência ante a empresa privada contratante, os Princípios da Proteção e Primazia da Realidade ganham uma importância primordial.
No caso em questão, não se pode permitir que a proibição do trabalho por parte do policial militar permita que empresas privadas sejam exoneradas de qualquer encargo trabalhista e tributário decorrente do contrato de trabalho. Não se pode permitir que tal proibição seja utilizada como uma burla à legislação trabalhista, uma forma de fraudar os direitos do trabalhador e de retirar do Estado o que realmente lhe é devido em face da legislação trabalhista e tributária.
Por esse motivo, ao analisar o caso concreto não se pode deixar de ter em mente os Princípios da Primazia da Realidade e da Proteção.
Para Mauad (2001, p.198), o Princípio da Primazia da Realidade constitui um dos mais importantes axiomas do Direito do Trabalho, reconhecido em diversos países como um dos pilares do direito laboral. Para tal princípio, se deve dar maior relevância aos aspectos da realidade, da efetiva prestação dos serviços, do que para o conteúdo dos contratos e dos textos formais.
Plá Rodriguez (1978a, p.217) afirma que referido princípio significa que em na hipótese de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, ou seja, ao que sucede no terreno dos fatos.
Mauad, ainda, afirma que:
A existência de uma relação de trabalho depende não do que as partes pactuaram, mas da situação real em que o trabalhador se veja colocado. Se as estipulações consignadas no contrato não corresponderem à realidade, carecerão de qualquer valor jurídico (MAUAD, 2001, p.198).
Segundo Plá Rodriguez (1978a, p.218) o Princípio da Primazia da Realidade não se opõe à boa-fé, ou seja, a consideração de que, em princípio, a realidade reflete a verdade. Mas nem sempre é assim, pois a realidade também pode refletir uma ficção destinada a ocultar uma verdade que, se revelada, poderia criar obrigações legais que não são cumpridas em face do obscurecimento da realidade. Não se pode, portanto, tirar conclusões da situação concreta apenas analisando e verificando o instrumento contratual e os textos formais que o acompanham, mas devem ser analisados os fatos que compõem a realidade. Todo o contrato de trabalho se desenvolve no tempo e, como as situações da vida quotidiana são dinâmicas, também são dinâmicas as relações de trabalho, sejam elas de vínculo empregatício ou não.
O Direito Trabalho não regula o contrato de trabalho apenas, porém procura regular a prática laboral efetiva, a relação fática que ocorre e se desenvolve no tempo entre o tomador dos serviços e o prestador, uma vez que apesar de existirem mecanismos que equilibram as forças na elaboração das normas contratuais, os abusos e desrespeitos podem ocorrer no curso da efetiva realização contratual. O Direito do trabalho incide, dessa maneira, sobre a relação fática, não importando, para sua incidência o que está descrito no contrato. Pois se as cláusulas contratuais estiverem dissociadas da verdade, vale a verdade para a incidência das normas trabalhistas e não as disposições contratuais inverídicas (MAUAD, 2001).
O Princípio da Primazia da Realidade, desse modo, distingue os contratos de trabalho dos contratos de natureza civil, uma vez que os efeitos jurídicos dos segundos decorrem, diretamente, da vontade das partes, já os efeitos dos primeiros, diversamente, decorrem daquilo que a realidade objetiva demonstra em face da prestação dos serviços, independentemente do que tenha sido estabelecido contratualmente em razão da vontade das partes (MAUAD, 2001).
Deve-se ainda destacar que o princípio da primazia da realidade merece ênfase no direito do trabalho, pois é a crueldade do sistema produtivo, e não o ato de vontade suposto e exteriorizado, que impõe a proteção ao empregado. Todavia não se trata de princípio setorial, exclusivo do direito que protege a dignidade do trabalho humano. O artigo 167, do novo Código Civil, fez migrar para a esfera cível das relações sociais uma nova regra, que invalida os contratos simulados, preservando o vínculo que se disfarçou (CARVALHO, 2007).
Araújo (1996, p.88), por sua vez, parte na mesma direção afirmando que o Princípio da Primazia da Realidade decorre do princípio protetor e que na hipótese de discordância entre o contido nos documentos e o que ocorre no mundo dos fatos, prevalece este último. De acordo com o referido autor, realidade deve ser considerada em toda sua dimensão, mesmo que em detrimento da forma. Isso implica no fato de que as relações que acontecem no mundo real, na prática diária do contrato de emprego prevalecer sobre as declarações que constem em documentos.
O artigo 9º da CLT também nos leva à aplicação do Princípio da Primazia da Realidade nas relações de trabalho, uma vez que referido dispositivo legal declara totalmente nulos, isto é, nulos de pleno direito os atos praticados com a finalidade de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação contida na Consolidação das Leis do Trabalho.
Portanto, por este princípio, juntamente, no direito brasileiro, com o disposto nos artigos 9º e 442, caput, da CLT, a interpretação dos contratos de trabalho, levando em consideração a situação fática da relação laboral.
Ao Princípio da Primazia da Realidade se vincula o Princípio da Proteção que implica na equivalência, a paridade, entre empregadores e empregados que ocorre, justamente, a partir da proteção do trabalhador. Pode-se afirmar que tal princípio constitui o fundamento e a razão de existir do próprio Direito do Trabalho.
No que tange ao surgimento do Princípio da Proteção, afirma Mauad (2001, p.197) que:
A história do Direito do Trabalho está essencialmente vinculada à liberdade de contratação entre as pessoas, um dos valores maiores da Revolução Francesa (século XVIII). Empregados e empregadores eram colocados em igualdade de posição. Os trabalhadores acertavam, individualmente, as condições gerais de trabalho com o empregador. A igualdade era apenas formal. Em rigor, a relação era extremamente desigual e injusta. Os empregadores impunham as condições que os trabalhadores estavam obrigados a aceitar, de forma a garantir a sua sobrevivência.
Com as revoltas dos trabalhadores, diante das péssimas condições de trabalho e baixos salários a que estavam submetidos, e com o próprio desenvolvimento da sociedade, que se torna mais sensível aos problemas sociais, surgem os sindicatos profissionais e as primeiras normas de proteção dos trabalhadores. Está aí a gênese do Direito Laboral. Com ela floresce um de seus mais importantes princípios, que é o da proteção da figura do trabalhador. A grande razão histórica de existência do Direito do Trabalho é outorgar proteção à pessoa do trabalhador. Só assim poder-se-á falar em igualdade de fato entre empregadores e empregados. Busca-se equilibrar no terreno jurídico a desigualdade econômica (MAUAD, 2001, p.197-198).
No caso em tela, a análise da realidade da relação de emprego entre o policial militar e a empresa privada e a consideração do Princípio da Primazia da Realidade são imprescindíveis para a aplicação efetiva da disposição legal contida no parágrafo único do artigo 442 da CLT.
O Direito do Trabalho implica sistematização do conjunto de normas que tem por finalidade regular as relações de trabalho com o escopo de realizar a justiça social.
Diante disso, o Tribunal Superior do Trabalho reconhece a existência do contrato de trabalho prestado por policial militar à empresa privada, tendo para tanto expedido a Súmula nº 386 que diz:
Súmula nº 386 - TST - Res. 129/2005 - DJ 20.04.2005 - Conversão da Orientação Jurisprudencial nº 167 da SDI-1 Policial Militar - Reconhecimento de Vínculo Empregatício com Empresa Privada Preenchidos os requisitos do art. 3º da CLT, é legítimo o reconhecimento de relação de emprego entre policial militar e empresa privada, independentemente do eventual cabimento de penalidade disciplinar prevista no Estatuto do Policial Militar.
Assim sendo, a única punição que pode ocorrer ao policial militar que presta serviço à empresa privada é sanção na esfera administrativa.
Nesse sentido vem se manifestando a jurisprudência dos tribunais trabalhistas no âmbito estadual e nacional.
Dentre as decisões prolatadas pelo Tribunal Regional do Trabalho do Estado da Bahia, pode-se destacar:
RELAÇÃO DE EMPREGO - POLICIAL MILITAR - "Preenchidos os requisitos do art. 3º da CLT, é legítimo o reconhecimento de relação de emprego entre policial militar e empresa privada, independentemente do eventual cabimento de penalidade disciplinar prevista no Estatuto do Policial Militar" - Súmula 386, do TST (TRT - 5ª Região – Processo n. 0037200-64.2004.5.05.0025 RO, ac. nº 019851/2007, Relatora Desembargadora YARA TRINDADE, 3ª. TURMA, DJ 27/07/2007)

Nos termos da Súmula nº 386 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, preenchidos os requisitos do art. 3º da CLT, é legítimo o reconhecimento de relação de emprego entre policial militar e empresa privada, independentemente do eventual cabimento de penalidade disciplinar prevista no Estatuto do Policial Militar (TRT - 5ª Região – Processo n. 0220500-97.2001.5.05.0004 RO, ac. nº 001175/2010, Relatora Desembargadora MARIZETE MENEZES, 3ª. TURMA, DJ 01/03/2010)

O mesmo posicionamento é observado no resto do país.
TRT do Estado de Minas Gerais:

EMENTA: POLICIAL MILITAR. RELAÇÃO DE EMPREGO. SÚMULA 386/TST. A Súmula 386/TST admite o reconhecimento da relação de emprego entre o policial militar e uma empresa privada, contudo, exige-se a presença dos requisitos do art. 3o. da CLT. O reconhecimento da relação de emprego depende sempre do preenchimento de todos os
elementos consagrados pelo art. 3o. consolidado, pessoalidade, não-eventualidade, subordinação e salário, particularidades que só podem ser extraídas do contexto probatório. Não há regra específica, os serviços de segurança podem ser desenvolvidos com vínculo empregatício ou não. As condições de trabalho, de assunção do risco do negócio é que evidenciam a presença dos requisitos previstos no art. 3o. da CLT. Se um grupo de policiais militares se junta para prestar serviços de segurança, atividade inteiramente estranha à empresa contratada, sem qualquer fiscalização, revezando-se entre si, com pagamento ao grupo de um montante determinado, sem individualização, com possibilidade de
substituição, não vislumbro a existência de relação de emprego, mas sim, a existência de uma sociedade de fato entre os policiais que participavam do grupo para prestar o serviço. (TRT 3ª região - Processo n. 00508-2005-027-03-00-3 RO, Rel. Convocado Hélder Vasconcelos Guimarães, 6 turma, Data de publicação - 06/04/2006)

TRT do Estado de São Paulo:
POLICIAL MILITAR. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. Não há incompatibilidade entre vínculo de emprego com ente privado e a condição de policial militar. A proibição do exercício de atividade privada constante do estatuto corporativo e a possibilidade de o militar vir a sofrer penalidade disciplinar por descumprir encargos funcionais não constituem óbices à relação de emprego porquanto esta se manifesta de modo objetivo. Demonstrada a presença de elementos configuradores do vínculo é de se reconhecer o liame de emprego e seus consectários legais, mormente na situação dos autos em que os misteres do autor, tanto antes como depois do registro na CTPS, seguiram sendo os mesmos, com as características de pessoalidade, continuidade, onerosidade e subordinação. Incidência dos artigos 2º, 3º e 442 da CLT e da Súmula nº 386 do C. TST (TRT 2ª Região - PROCESSO Nº: 00224-2009-351-02-00-4 - ANO: 2009 - TURMA: 4ª – Rel. RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS, DATA DE PUBLICAÇÃO: 04/12/2009).
POLICIAL MILITAR. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. Não há incompatibilidade entre vínculo de emprego com ente privado e a condição de policial militar. Demonstrada a presença de elementos configuradores do vínculo é de se reconhecer o liame de emprego e seus consectários legais. A proibição do exercício de atividade privada constante do estatuto corporativo e a possibilidade de o militar vir a sofrer penalidade disciplinar por descumprir encargos funcionais não constituem óbices à relação de emprego porquanto esta se manifesta de modo objetivo. Entendimento diverso propiciaria enriquecimento ilícito do empregador, que foi beneficiário dos serviços do trabalhador. Incidência dos artigos 2º, 3º e 442 da CLT e da Súmula nº 386 do C. TST. 2. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. RECONHECIMENTO JUDICIAL. INCIDÊNCIA DOS ARTIGOS 467 E 477, DA CLT. Desconsiderar a incidência da multa nos casos em que a empresa simplesmente nega o vínculo empregatício, sem fundamento razoável, implica perigoso estímulo ao desvirtuamento das relevantes normas que vieram justamente coibir a protelação do pagamento das verbas rescisórias e/ou incontroversas. Incidência da multa do artigo 477 da CLT e acréscimo de 50% sobre as verbas incontroversas (artigo 467, CLT). 3. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. RECONHECIMENTO POR SENTENÇA. COBRANÇA DAS PARCELAS PREVIDENCIÁRIAS. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Quanto ao período de vínculo empregatício reconhecido em sentença ou por acordo, a execução das parcelas devidas à previdência refoge à competência desta Justiça Especializada, nos termos da Súmula 368, I, do C.TST (TRT 2ª Região - PROCESSO Nº: 01685-2007-075-02-00-8 - ANO: 2009 - TURMA: 4ª, Rel. RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS, DATA DE PUBLICAÇÃO: 18/12/2009).

TRT do Estado do Rio Grande do Sul:
EMENTA: POLICIAL MILITAR. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. O exercício da função de policial militar não é, por si só, fato suficiente para afastar o reconhecimento de vínculo empregatício, se comprovado o labor nessas condições. Inteligência da Súmula n. 386 do TST (TRT 4ª Região - Processo n. 0017300-81.2007.5.04.0231(RO) - Redator: BEATRIZ RENCK - Data: 01/07/2009 Origem: 1ª Vara do Trabalho de Gravataí).


EMENTA: POLICIAL MILITAR. ATIVIDADE DE SEGURANÇA. RELAÇÃO DE EMPREGO COM EMPRESA PRIVADA. CONFIGURAÇÃO. Hipótese em que a prova revela relação jurídica marcada pela pessoalidade, subordinação e não-eventualidade. Vínculo de emprego configurado. Recurso não-provido (TRT 4ª Região - Processo n. 0059900-02.2006.5.04.0022 (RO) - Redator: CARMEN GONZALEZ - Data: 30/04/2009 Origem: 22ª Vara do Trabalho de Porto Alegre).

TRT do Estado de Pernambuco:
EMENTA: POLICIAL MILITAR. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. Desde que caracterizados os elementos descritos no artigo 3º, Consolidado, é plenamente possível o reconhecimento da existência de contrato de emprego. Nesse sentido, a Súmula 386, do Colendo TST, in verbis: POLICIAL MILITAR. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO COM EMPRESA PRIVADA. Preenchidos os requisitos do art. 3º da CLT, é legítimo o reconhecimento de relação de emprego entre policial militar e empresa privada, independentemente do eventual cabimento de penalidade disciplinar prevista no Estatuto do Policial Militar. Recurso ordinário provido, no particular (TRT 6ª Região – Processo n. RO)0134000-66.2009.5.06.0021 (01340.2009.021.06.00.2), Redator: Valdir José Silva de Carvalho - Data de publicação: 03/03/2010).








CONCLUSÃO
O trabalho é reconhecido como um valor social, fundamento do nosso Estado Democrático de Direito e fonte de criação de riquezas, através de bens e serviços desenvolvidos por toda a sociedade, devendo se assegurado a todos, sem exceção.
Atualmente, as medidas de proteção legal não tutelam do mesmo modo todos os que trabalham. Destinam-se, de preferência, aos que prestam serviços sob o invólucro da relação de emprego
A caracterização da relação de emprego tem, assim, evidente utilidade prática, para que se possa saber, com certeza, se a relação de atividade gravita, ou não, na órbita do Direito do Trabalho. Praticamente, a identificação tem suma importância, de vez que as múltiplas obrigações que se incorporam à relação de trabalho subordinado por força de lei não aderem às demais atividades.
Diante disso, o presente estudo teve como objeto o reconhecimento do vínculo empregatício entre o policial militar e a empresa privada.
Para tanto, inicialmente analisou-se a relação de emprego identificando os sujeitos e seus requisitos. Na seqüência, abordou-se o vínculo empregatício entre o policial militar e a empresa privada analisando para isso inicialmente o estatuto do policial militar, na continuidade tratou-se do ilícito administrativo e da diferenciação entre o proibido e o ilícito para, finalmente, abordar a questão da “legalidade” do bico e a relação de emprego.
Longe de pretender haver esgotado o assunto proposto na pesquisa, tendo em vista a amplitude e complexidade do tema, o presente trabalho representou tão somente uma tentativa de abordar a questão a partir de alguns parâmetros escolhidos, sem deixar de reconhecer a existência de inúmeras outras possibilidades de análise do mesmo.



REFERÊNCIAS
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Autor: Referencia Academica


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