Direito Penal Econômico



O contexto jurídico e político do Direito Penal Econômico.
Aderlan Crespo*

I- Introdução ao Direito Penal Econômico

Na Lição de Figueiredo Dias1 “chama-se direito penal ao conjunto de normas jurídicas que ligam a certos comportamentos humanos, os crimes, determinadas conseqüências jurídicas privativas deste ramo de direito. A mais importante destas conseqüências – tanto do ponto de vista quantitativo, como qualitativo (social) – é a pena, a qual só pode ser aplicada ao agente do crime que tenha actuado com culpa.”

Esta definição de Direito Penal encontra-se sedimentada na doutrina ocidental, não havendo discordância quanto à sua essência, isto é, a esta idéia política sobre este instrumento legal- estatal.

Como é o ramo do Direito que atinge a liberdade da pessoa, e em outros países a própria vida do agente criminoso, só pode ser exercido pelo Estado, cujo objetivo (formalmente difundido em todas as áreas institucionalmente organizadas pelo conservadorismo brasileiro, e pela dogmática penal) encontra-se vinculado ao interesse coletivo, que postula por proteção e bem-estar. Mais uma vez, Figueiredo Dias confirma este ponto de vista academicamente lapidado2:

“ O direito penal constitui, por excelência, um ramo ou uma parte integrante do direito público. Porventura em nenhuma outra disciplina jurídica como nesta surgirá uma tão nítida relação de supra/infra-ordenação entre o Estado soberano, dotado do ius puniendi, e o particular submetido ao império daquele; como em nenhuma outra será tão visível a função estadual de preservação das condições essenciais da existência comunitária e o poder estadual e, em nome daquela preservação, infligir pesadas conseqüências para a liberdade e o patrimônio – quando já não, como infelizmente ainda ( ou de novo) em tantos países, para a vida e para o corpo, dos cidadãos. Por tudo isto tanto a doutrina do crime, como a dos seus efeitos jurídicos assumem uma estreitíssima conexão com o direito constitucional e com a teoria do Estado.”

Neste sentido, de fato, podemos destacar a importância do ordenamento jurídico para uma sociedade a partir dos seus objetivos. Contudo, não só pela “missão” projetada para este ramo do Direito, está presente, ainda, e com maior grau de valor, os resultados que lhes são aguardados. Localizamos assim, a segunda relação entre o Estado-Penal e os cidadãos (a primeira é a possível intervenção do Estado sobre qualquer pessoa), ou seja, a expectativa de que os objetivos do Direito Penal serão alcançados.

Não muito diferente do que ocorre em outros países ocidentais, no Brasil há uma forte tendência para acreditarmos que o Direito Penal descumpriu, ao longo de toda a sua existência, o seu objetivo formal, isto é, intervir quando da realização do crime e manter a sociedade organizada (isto sem falar do mito da ressocialização do condenado).

Para uma análise mais ampla e crítica da conjuntura política do Direito Penal, preleciona Nilo Batista que “afirmamos, portanto, que o direito penal é disposto pelo estado para a concreta realização de fins; toca-lhe, portanto, uma missão política, que os autores constumam identificar, de modo amplo, na garantia das “condições de vida da sociedade”, como Mestieri, ou na “finalidade de combater o crime”, como Damásio, ou “preservação dos interesses do indivíduo ou do corpo social”, como Heleno Fragoso. Tais fórmulas não devem ser aceitas com resignação pelo iniciante. O direito penal nazista garantia as “ condições de vida da sociedade alemã subjugada pelo estado nazista....”3

Uma análise comparativa sobre os projetos do Direito Penal e a vida social no Brasil, leva-nos a perceber que paira uma sensação de medo, principalmente nas grandes cidades, sobre maior parte das pessoas, bem como somos massificados por notícias diárias sobre alguns crimes que ocorrem. Por esta ótica, que não contempla uma análise científica, nega-se a eficácia do Direito Penal. Esta a percepção difundida no tecido social brasileiro. 02
Por outro lado, estamos diante de um país que apresenta um número de encarceramento crescente, atingindo atualmente a marca de 400.000 presos, quando há dez anos atrás este número era inferior a cinqüenta por cento do atual.

Somos levados, pois, a questionar a funcionalidade e eficácia do Direito Penal, tendo como base o público escolhido por este ramos do Direito Público, que pode privar a liberdade de qualquer pessoa. Ora, uma amostragem constante sobre a população encarcerada no Brasil denota um percentual elevadíssimo de pessoas não brancas, pobres e sub-analfabetos. A Criminologia Crítica vai afirmar, segundo sua perspectiva interdisciplinar, que o Direito Penal é seletivo, construído sob uma lógica imediatista e uma ideologia burguesa, e está direcionado, por tais raízes históricas, a atuar, em grande medida, sobre àqueles que colocam em risco os bens materiais individuais mais consumidos (carros, celulares,...) e os vendedores de drogas nas favelas.

Considerando o Brasil como um país composto por uma desigualdade social aviltante entre os seus cidadãos, como sugere inúmeras pesquisas recentes (Dossiê da Desigualdade “Desigualdade e pobreza no Brasil: retrato de uma estabilidade inaceitável. “ O Brasil, nas últimas décadas, vem confirmando, infelizmente, uma tendência de enorme desigualdade na distribuição de renda e elevados níveis de pobreza. Um país desigual, exposto ao desafio histórico de enfrentar uma herança de injustiça social que exclui parte significativa de sua população do acesso a condições mínimas de dignidade e cidadania. 4), podemos facilmente elaborar um quadro sobre esta pintura sobre a relação entre o ordenamento jurídico-penal e indivíduo brasileiro: a insuficiência de renda, que caracteriza a pobreza, é uma referência para a intervenção criminalizante e punitiva do Direito Penal. Neste aspecto, particularmente sobre os efeitos sociais do controle social exercido pelas agências oficiais, não vislumbramos a concretização das metas formais, mas sim trágicos resultados diários, demonstrados pelas execuções policiais, encarceramento meramente segregador, banalização da vida e desprezo social pelo indivíduo eleito como “bandido”.
Mas sociedade estaria apenas sofrendo pelas ações destes “eleitos” do Direito Penal? Certamente, como já abordado por inúmeros estudiosos sobre o tema, o Brasil é um país exemplar no que diz respeito a proteção dos agentes que praticam crimes contra o dinheiro público e o sistema financeiro. Estamos, assim, diante do Direito Penal Econômico.

Para o saudoso jurista Heleno Fragoso, que dedicou-se ao tema, o Direito Penal Econômico deveria ter um conceito mais específico, para não atingir todo e qualquer crime que ofendesse um direito patrimonial:

“Pensamos que se deve adotar par ao delito econômico um conceito restrito, cuja objetividade jurídica reside na ordem econômica, ou seja, em bem-interesse supra-individual, que se expressa no funcionamento regular do processo econômico de produção, circulação e consumo de riqueza.”5


O Direito Penal Econômico pode ser compreendido com uma espécie do Direito Penal, ou como espécie de um Direito ainda não reconhecido no mundo jurídico, o Direito Econômico. O Direito Econômico contempla o ordenamento jurídico que regula as ações praticadas por empresas privadas, e até mesmo por órgãos públicos, e que revelam a manipulação de grandes valores. Neste particular entendimento, o Direito Penal Econômico estabelece a descrição de condutas que prejudicam a ordem econômica, quando praticadas por pessoas que pertencem à estas pessoas jurídicas (privadas e públicas), em atos aparamente legais, ou mesmo legais, mas operacionalizados por condutas ilícitas.

O chamado Direito Econômico foi aplicado a partir da primeira grande guerra, na qual os governos foram acionados para intervir sobre as tragédias decorrentes dos conflitos bélicos, bem como para proteger os Estados que mais sofreram com os ataques de outros países. Tornou-se imperioso, pois, regular a ordem interna, mediante o controle das operações econômicas, para que houvesse equilíbrio e direcionamento legal da capital existente.
O Direito Penal Econômico, diante deste cenário excepcional, que exigiu maior presença dos Estados Liberais, destinou-se a descrever as condutas que se praticadas desestabilizariam a ordem econômica, colocando em risco as demandas sociais e os objetivos dos governos. Assim como ocorreu em diversos países, no caso do Brasil, várias leis foram criadas, para adotar medidas de contenção e punição de condutas lesivas ao patrimônio privado e ao patrimônio público, tais como:

a) Lei 4.729/65 (Sonegação Fiscal);
b) Lei 6.385/76 (Lei de Mercado de Valores Mobiliários);
c) Lei 7.492/86 (Lei do Colarinho Branco);
d) Lei 8.978/90 (Código de Defesa do Consumidor);
e) Lei 8.137/90 (Crimes contra a ordem tributária);
f) Lei 8.176/91 (Crimes contra a ordem econômica);
g) Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa);
h) Lei 9.034/95 (Crime organizado);
i) Lei 9.279/96 (Lei de Patentes);
j) Lei 9.296/96 (Legislação Tributária Federal);
k) Lei 9.613/98 (Lavagem de capitais);
l) Lei 11.101/2005 (Nova Lei de Recuperação de Empresas e Falência).

Afora a influência das guerras sobre os países, o processo de consolidação da democracia nas denominadas transições dos regimes de governo, com a participação de civis nos governos, fomentou a regulamentação das condutas ilícitas praticadas no mercado, bem como nas vísceras públicas, haja vista a incidência de grande número de grupos formados para a realização de fraudes, cujos prejuízos são sempre elevadíssimos. As conseqüências revelam inúmeras perdas, tanto para empresas como para o erário público, que neste último caso deixa de aplicar os recursos em políticas básicas.

Destarte, devido as características destas ações, os crimes desta natureza são praticados, via de regra, por pessoas que possuem respeitabilidade social, devido a posição profissional que ocupam, não sendo detentoras, portanto, de um perfil ameaçador, que cause medo, o que torna mais difícil a sua investigação, para determinação da ilicitude das condutas, a autoria, e a materialidade, bem como a conseqüente responsabilização do autores. 05
Em termos de postura das agências oficiais de controle do delito no Brasil é possível, sem grandes dúvidas, afirmar que a Procuradoria Geral da República-Ministério Público Federal e a Polícia Federal assumiram o papel de confronto com os grupos criminosos (quadrilhas) e pessoas individuais que praticam crimes contra a ordem econômica, enquanto uma nova política criminal. Inúmeros são os casos que podem ser enumerados para sustentar esta análise, e que sofreram a atuação destes órgãos, sendo o “Mensalão” o que ocupou mais a visibilidade nacional, sendo acompnhado de outros “escândalos”, como a fraude bancária praticada pela família Silva Pinto (Banco Nacional), por “Cacciola” (Banco Oportunity), entre outros.

Ocorre que, diante destes casos, nos quais muitos foram praticados também por funcionário públicos (parlamentares e representantes de empresas públicas), exige-se uma resposta efetiva do Poder Judiciário, como forma de robustecer a tese de que todos são iguais perante a lei. Mas, a partir de uma dinâmica diametralmente oposta, o que se percebe é uma postura blasé dos agentes judicantes, demonstrando efetiva inoperância, e que resulta na ausência de respostas oficiais, como a condenação dos mesmos, salvo em raros casos que mais parecem servir de acalento para o povo expectador. Este tornar-se um grave problema sobre este tema.

Outros problemas, também de dimensões maiores, são os ajustes que os governos devem fazer para acompanhar as ações internacionais de mercado, já que vivemos numa atmosfera política que não prima pelos limites territoriais, próprios do processo globalizante, nos quais instrumentos como o câmbio, juros e concorrência deixaram de ser algo de domínio efetivamente interno, o que demonstra uma fragilidade do Estado-Nação, recorrentemente citados em obras filosóficas e até mesmo jurídicas, como faz Jesús-María Silva Sánchez, em seu livro “A expansão do Direito Penal-aspectos da política criminal nas sociedades pós-modernas”. Ainda há outra questão que ressalta sobre este tema, que o problema do sistema penitenciário, no qual não se vislumbra a possibilidade de haver influência positiva sobre o sujeito, nem sendo pobre ou rico, tema este muito bem abordado por Rodrigo Moretto, no livro “Crítica interdisciplinar da pena de prisão”. 06
Autor: Aderlan Crespo


Artigos Relacionados


A Eficácia Do Direito Penal

Tema Do Trabalho Científico-jurídico: Prescrição No Direito Penal

Ação "ex Delicto" E Reparação Civil

Crimes Ambientais E A IncidÊncia Do PrincÍpio Da InsignificÂncia

Direito Penal: Conceito, Disposições Gerais E As Teorias

A Aplicação Do Princípio Da Insignificância Nos Crimes Contra A Fauna Previstos Na Lei Nº 9.605/98.

A Administrativização Do Direito Penal