ÉTICA E A NOVA FAMÍLIA DO SÉCULO XXI



A família é o núcleo fundamental para a vida em sociedade. Porém, nos últimos anos o conceito de família vem sendo cotidianamente modificado. Há muito tempo que a família deixou de ser formada apenas entre pai, mãe e filhos.
Atualmente, existem diversas formas de família, como por exemplo: casal heterossexual e filhos biológicos, casal heterossexual e filhos adotivos, casal heterossexual e ilhós biológicos e adotivos, casal heterossexual sem casamento (união estável) com filhos biológicos, casal heterossexual sem casamento (união estável) com filhos adotivos, casal heterossexual sem casamento (união estável) com filhos biológicos e adotivos, pai ou mãe e filhos biológicos (família monoparental), pai ou mãe e filhos adotivos (família monoparental), pai ou mãe e filhos biológicos (família monoparental), pai ou mãe e filhos biológicos e adotivos (família monoparental), união homossexual ou também denominadas homoafetivas, dentre outras tantas formas de convivência em comunidade que podem ser consideradas como família.
A questão das famílias de casais homossexuais, ou seja, da união entre pessoas do mesmo sexo, apesar de ser uma realidade há muitos anos, ainda não encontra amparo legal específico versando sobre o assunto e reconhecendo tal relação afetiva como entidade familiar.
De fato, é de conhecimento notório que a lei, em muitas ocasiões, não consegue acompanhar o desenvolvimento social, que atualmente encontra-se em evolução constante.
Assim, diante das transformações abruptas da sociedade e de suas relações pessoais, em certos casos o direito positivo não consegue abarcar todas as soluções possíveis para os problemas que tais relações trazem.
Dessa forma, cabe ao Poder Judiciário interpretar normas positivadas já existentes, a fim de solucionar situações inusitadas para a Justiça, até que lei específica venha disciplinar o fato concreto. Em tais casos, encontrará o aplicador do direito amparo na legislação vigente e aplicar-se-á a analogia, os costumes, os princípios gerais de direito e os direitos e garantias fundamentais.
Com relação à união homossexual, as divergências doutrinárias e jurisprudenciais são grandes, haja vista que não há norma legal regulamentando o tema especificamente. Contudo, já existem precedentes jurisprudenciais e doutrinários que afirmam ser a união homossexual digna dos mesmos direitos da união estável entre heterossexuais.
Como precursora deste entendimento doutrinário e jurisprudencial citamos Maria Berenice Dias, ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e jurista especializada em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões, a qual apregoa que a união homossexual deve receber nova denominação como “união homoafetiva”, por se tratar de uma relação de afetividade e companheirismo, muito além da relação sexual. Observe-se um trecho de sua obra:
"A família não se define exclusivamente em razão do vínculo entre um homem e uma mulher ou da convivência dos ascendentes com seus descendentes. Também pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, ligadas por laços afetivos, sem conotação sexual, merecem ser reconhecidas como entidades familiares. Assim, a prole ou a capacidade procriativa não são essenciais para que a convivência de duas pessoas mereça a proteção legal, descabendo deixar fora do conceito de família as relações homoafetivas. Presentes os requisitos de vida em comum, coabitação, mútua assistência, é de se concederem os mesmos direitos e se imporem iguais obrigações a todos os vínculos de afeto que tenham idênticas características." (DIAS, 2001, p. 102)

De fato a definição de união homoafetiva é semelhante ao conceito de entidade familiar de união estável. Observe-se o dispositivo legal que reconheceu a união estável como entidade familiar: “Art. 1.723, Código Civil. É reconhecida como entidade familiar à união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”
Analisando o dispositivo verifica-se que o conceito de “união estável” e de “união homoafetiva” somente se distingue pelo sexo dos indivíduos envolvidos nesta relação familiar.
Diante de tais características semelhantes é que a Justiça não pode deixar de se manifestar nos casos concretos sob o subterfúgio de não haver dispositivo legal, aplicar-se-á nos presentes casos o entendimento constante no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito."
Concluí-se, portanto, que nas uniões homoafetivas, estão presentes os requisitos das entidades familiares, assim como nas uniões estáveis, sendo a principal característica a afetividade e diante disso possuem os indivíduos daquelas relações os mesmos direitos dos indivíduos destas relações.
Sobre a afetividade o esclarece Paulo Lôbo citado na obra do doutrinador especializado José Roberto Naline (2009, p. 151). Observe-se:
“A efetividade é construção cultural que se dá na convivência, sem interesses materiais, que apenas secundariamente emergem quando aquela se extingue. Revela-se em ambiente de solidariedade e responsabilidade. Como todo princípio, ostenta fraca densidade semântica, que se determina pela mediação concretizadora do intérprete, ante cada situação real. Pode ser assim traduzido: onde houver uma relação, ou comunidade, mantida por laços de afetividade, sendo estes suas causas originária e final, haverá família.”

Corrobora, ainda, os princípios fundamentais da liberdade e igualdade constantes na Constituição Federal:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; (...)”

Diante das considerações supracitadas não assiste razão para que existam ainda em pleno século XXI quem tenha preconceito contra as uniões homoafetivas, como sendo uma entidade familiar que possui direitos e deveres assim como as uniões heterossexuais.
Em muitos casos casais de homossexuais que adotam uma criança para complementar suas famílias cuidam e educam melhor seus “filhos afetivos” do que alguns casais heterossexuais ou entidades monoparentais.
Diante de todo o exposto, com relação à família deste novo século, o importante é que os indivíduos convivam em harmonia, que respeitem uns aos outros, que saibam ajudar ao próximo, que saibam aceitar as diferenças alheias e reconheçam suas virtudes. Assim, não há de se ter preconceito em face dos homossexuais, haja vista que na verdade conforme exposto acima as diferenças são simplesmente biológicas e o que na verdade importa para as famílias são o afeto. Isso é ser ético, é saber reconhecer os defeitos e as virtudes alheias sem criticar, sem menosprezar, é aceitar que o que é diferente hoje será provavelmente o corriqueiro de amanhã.





Bibliografia:
DIAS, Maria Berenice. União Homossexual. O Preconceito & A Justiça. - 2ª Ed.-Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2001.
NALINE, José Roberto. Ética Geral e Profissional. 7ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
Autor: Juliana Santos Amaral


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