CIDADANIA “VERSUS” HIPOCRISIA E COMODISMO



Ao se falar de cidadania, cabe esclarecer seu conceito e a amplitude deste. Tal palavra se reporta à Grécia clássica, e é estudada desde Aristóteles. Sendo derivada de cidade, e de urbano (vindo de urbes), cidadania refere-se aos direitos dos indivíduos (chamados “cidadãos”) de participarem das decisões políticas de seu meio. Desse período, tem-se que cidadão era aquele homem (ressalte-se que, a princípio, só os homens que “serviam” para a sociedade) que tinha um poder maior de decisão sobre sua polis. Será, então, que o entendimento “votar e ser votado” não vem dotado de um preconceito urbano?!
Por outro lado, há uma tendência, no Brasil, com a qual compartilho, de extensão desse conceito. Se apenas o indivíduo capaz de exercer os direitos políticos é cidadão, alguns benefícios estarão sendo negados a pessoas que são impossibilitadas de gozarem tais “prerrogativas”. Nota-se, então, a divulgação, nos meios de comunicação, por parte do Governo Federal, de uma nova leitura do conceito de cidadão, que exige que, para que sejam tratados como tal, os indivíduos devem ser dotados, simplesmente, de um documento de identidade.
Com isso, podemos definir cidadão: num sentido lato, que englobaria todos os seres humanos identificados; e num sentido stricto, que estaria relacionado ao fato de poder exercer direitos políticos. Isso encontra respaldo na própria Constituição Federal (CF) de 1988. Por que é comum se referir à CF/88 como “A Constituição Cidadã”? Exatamente pelo fato de que, além de proporcionar aos brasileiros maior acesso às decisões governamentais, apresenta um princípio “o da dignidade humana” que têm o conceito de zelar pelo ser humano, proteger sua vida, suas condições de vida, propiciando educação, moradia, lazer, dentre outras coisas. O princípio da cidadania hoje não pode ser dissociado do da dignidade da pessoa humana, aliás, todos os princípios constitucionais devem ser observados como “comunicantes entre si” e jamais excludentes!
Belas palavras foram utilizadas até o momento para apresentar algumas definições. Lamento informar de que pode ser que a beleza acabe por aqui. Acerca do assunto, nota-se uma formalidade brilhante – a garbosa e humana CF/88! – porém, ao lado desse escrito, muitas vezes, enxergamos discursos vazios, desprovidos de uma ação de cidadania; aos quais podemos chamar de hipócritas.
A hipocrisia, nesse contexto, é um dos avessos da cidadania, sendo, em geral, caracterizada por palavras bonitas e atitudes “zero”. Note-se que pelo menos as palavras são aproveitáveis. Adeptos do “façam o que eu falo e não o que eu faço” contribuem para uma retórica cidadã distanciada de uma vivência; e os que menos crivo de razão se utilizam, ou os que costumam agir “pelo exemplo”, acabam por acreditar que ser cidadão é apenas dizer... falar... numa “verborreia” intensa e desproporcionada.
O verdadeiro exercício da cidadania se dá pela ação, isto é, a efetiva participação no Estado; e que ocorre de maneiras diversas, e até mesmo impensadas, por meio de formas inovadoras. Custa apenas darmos um pouco de escuta à criatividade. Porque ser cidadão não é apenas ter direitos, mas também deveres: deveres para com o outro; solidariedade; fraternidade; dentre outros; em prol de uma justiça social. Ou, então, opte-se pela cristalização no pensamento de que apenas o Estado deve ser o responsável pela cidadania, e que só ele deve dispor sobre o exercício dos direitos de cidadãos frente ao Poder Público – advirto-os de que isso não está de acordo com a ideal democracia!
Quanto aos oradores bem intencionados, os defensores da cidadania plena e efetiva, mesmo estes, podem encontrar obstáculos, “plantando, muitas vezes, em terreno não-fértil”. Infelizmente, muitos de nós, escutamos, compreendemos a situação, mas não nos sentimos incomodados com a realidade, e, com isso, alguns se acomodam e não “movem uma palha” para a efetivação da cidadania. Pelo contrário, é comum ouvir por aí discursos de conformismo, e de aceitação. Não se abalam com seus problemas, muito menos com os dos outros. Parece haver uma espécie de proteção, uma “couraça”, que os impede de que saiam de seu lugar comum, de sua “vida pela vida”, ou sobrevivência sem maiores esforços. Do mesmo modo, são os que se calam diante das injustiças, todos esses estão contribuindo para uma cultura de cidadãos sem causa e sem razão!
Cumpre, ao finalizar, dizer que, hodiernamente, já não há mais espaço para dois dos maiores empecilhos para a real cidadania: elucubrações e retóricas sem ação (hipocrisia), e comodismo. Resta, então, aos mais “esclarecidos” – detentores de um conhecimento crítico-político – encaminhar todos nessa direção (da ação!). Caso contrário, estaremos sempre diante de discursos vagos, meramente formais e frequentemente hipócritas.
Obs.: Primeira publicação do artigo: Jornal Tribuna Jurídica. Ano II. N. 2. Paranaíba-MS. Julho-2009.
Autor: Leandro de Moura Ribeiro


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