Morin e a Aprendizagem da Complexidade



De acordo com Morin (1990), o ensino fornece conhecimento e novos saberes. Mas, apesar de sua fundamental importância, nunca se ensina o que é, de fato, o conhecimento. Nesse caso, os problemas maiores são o erro e a ilusão. Pode-se constatar que muito se erra e que muitos seres humanos se iludem sobre o mundo e a realidade. O conhecimento nunca é um reflexo ou espelho da realidade. O conhecimento é sempre uma tradução, seguida de uma reconstrução.
A teoria de Morin pode ser verificada no fenômeno da percepção, que se dá por meio dos estímulos que são transformados, decodificados, os quais atravessam várias partes do cérebro para, enfim, transformar a informação primeira em percepção. Com isso, pode-se concluir que a percepção é uma reconstrução. As percepções, ou seja, reconstruções são, portanto, traduções da realidade, e toda tradução comporta o risco de erro.
O conhecimento científico representa um grande desafio no século XXI, tendo em vista a necessidade urgente de superar os pilares que sustentaram e ainda sustentam a ciência, a ordem, a regularidade, a constância e o determinismo absoluto. Pilares esses responsáveis pelos equívocos na compreensão dos fenômenos humanos, na perspectiva sócio-cultural e em sua relação com o meio ambiente (MORIN, 2005, p. 61).
Essa ciência, que separa sujeito e objeto e coloca, no valor da prova absoluta, fornecida pela indução e dedução, seu critério de validade, encontra-se, contudo, em estado de desintegração. Não porque a desordem substituiu a ordem, mas porque se começou a admitir que, mesmo no mundo físico, em que a ordem reinava soberanamente, existia, na realidade, um jogo dialógico entre ordem e desordem, simultaneamente complementar e antagônico. Com isso, certo número de ciências tornou-se sistêmico, como as Ciências da Terra, a Ecologia ou a Cosmologia. Compreende-se, por esses exemplos, que o desafio da complexidade reside no duplo desafio da religação e da incerteza.
O conhecimento é, com efeito, uma viagem que se efetiva num oceano de incerteza salpicado de arquipélagos de certeza (MORIN, 1992, p. 138). Verifica-se, portanto, que os seres humanos necessitam estar sempre em transformação, para acompanhar as grandes mudanças causadas no processo ensino-aprendizagem, enfrentando desafios e acertando com erros.
O desafio da complexidade se intensifica no mundo contemporâneo, pois a sociedade se encontra numa época de mundialização das relações e interferências humanas, a qual Morin (2005) prefere chamar de era planetária, significando que todos os problemas fundamentais colocados num contexto particular as ultrapassam, pois decorre, cada uma a seu modo, dos processos mundiais. Os problemas mundiais agem sobre os processos locais que retroagem, por sua vez, sobre os processos mundiais. Responder a esse desafio contextualizá-lo, em escala mundial tornou-se algo absolutamente essencial.
Os seres humanos vivem igualmente em um mundo de mentalidades e de práticas fragmentárias voltadas para si mesmas, para a religião, para a etnia ou para a nação. A resposta para isso, segundo o pensamento complexo, advém de uma reforma do pensamento que instituiria o princípio da religação, de reaproximação das coisas que até o presente era concebido de forma disjunta e, por vezes, repulsiva (MORIN, 2000, p. 42).
Nesse sentido, a realização de tais práticas apresenta-se como possibilidade de admitir e compreender a diversidade presente em todos os campos da relação humana. Para o pensamento complexo, a religação constitui uma tarefa vital, porque se funda na possibilidade de regenerar a cultura pela religação de duas culturas separadas: a da ciência e a da humanidade. Essa religação permite se contextualizar corretamente, assim como refletir e tentar integrar o saber na vida.
Para este autor a revisão na ciência possibilitará uma revisão, também, no processo educacional, reconhecendo, enfim, o que é necessário à educação do futuro. Nesse particular, Morin (2005) destaca que os sete saberes necessários à educação do futuro são: o conhecimento, o conhecimento pertinente, a condição humana, a compreensão humana, a incerteza, a era planetária e a antropoética.
No que diz respeito ao primeiro saber, Morin (2000, p. 19) relata que a prática do ensino consiste em ensinar conhecimentos, e o problema do conhecimento reside no erro e na ilusão. Esse conhecimento, portanto, é uma tradução seguida de uma reconstrução. Para isso, a percepção é uma tradução, mas as próprias palavras são, igualmente, traduções de traduções e de reconstruções, discursos e teorias do próprio conhecimento. Nesse sentido, é necessário ensinar que todo conhecimento é tradução e reconstrução. Tendo como exemplo, a idéia do humano e do natural, pode-se afirmar que há um paradigma que concebe a relação entre o humano e o natural pela redução de um ao outro, existe, portanto, um risco permanente de erros e ilusões.
Ensinar àqueles que irão se defrontar com o mundo onde tudo passa pelo conhecimento, pela informação veiculada em jornais, livros, manuais escolares, Internet, é algo de fundamental importância. É necessário também ensinar que o conhecimento comporta sempre riscos de erros e ilusões e tentar mostrar quais são suas raízes e causas. Aqui reside o primeiro buraco negro, o primeiro pilar do que deveria ser uma educação que respondesse às aspirações e necessidades de homens e mulheres do terceiro milênio.
No Brasil, o conhecimento é destacado por disciplinas específicas. Cada professor de determinada matéria deve cumprir o conteúdo programático sem interagir com outras disciplinas. Os PCN’s, porém, enfatizam a transversalidade nas escolas numa visão sistêmica, estimula a percepção da inter-relação entre os fenômenos, essencial para as tecnologias, para a compreensão da problemática ambiental e para o desenvolvimento de uma visão articulada do ser humano em seu meio natural, como instrutor e transformador desse meio; uma visão global que deverá ser desenvolvida em cada disciplina e no conjunto de disciplinas, em cada área e no conjunto das áreas (PCN ENSINO MÉDIO, 1999, p. 20.21).
De acordo com Morin (2000, p. 35), o segundo buraco negro apresentado é o do conhecimento pertinente. Um conhecimento, portanto, não é pertinente porque contém uma grande quantidade de informações e, além disso, o real problema não é o da informação quantitativa, mas o da organização da informação.
E esse conhecimento pertinente é uma atitude que consiste em contextualizar o saber. Essa contextualização sempre torna possível o conhecimento pertinente, que tenta situar as informações num contexto global e, se possível, num contexto geográfico e histórico. A necessidade de ensinar a pertinência, ou seja, um conhecimento simultaneamente analítico e sintético das partes religadas ao todo e do todo religado às partes, vem, entretanto, no sentido de reorganizar o pensamento sobre as coisas e o mundo, construindo a partir disso uma nova perspectiva do saber.
O terceiro buraco negro, segundo Morin (2005, p. 90), consiste no fato de que em nenhum lugar se ensina o que é a condição humana, ou seja, a identidade de ser humano. O autoconhecimento, portanto, pode começar quando a reflexão o objetivar em relação a si mesmo. Esse conhecimento da condição humana como tal implica uma extraordinária unidade genética, anatômica e cerebral que permite a diversidade dos indivíduos, das personalidades, das psicologias e das culturas.
A verdadeira complexidade humana só pode ser pensada na simultaneidade da unidade e da multiplicidade. O que significa dizer que nas duas polaridades – razão e delírio – não existem fronteiras nítidas, pois no limite da loucura existe a genialidade. Vive-se, portanto, de mitologia, sonhos e imaginário, sendo essa uma concepção complexa do ser humano. Tal compreensão humana é o quarto pilar apontado por Morin como necessário à educação das gerações futuras, pois mostra que a escola precisa ensinar os seres humanos a compreenderem uns aos outros.
É conveniente distinguir explicação de compreensão. A explicação entende o ser humano como objeto que pode ser conhecido por meios objetivos. A compreensão, entretanto, visa a entender o ser humano não apenas como objeto, mas também como sujeito. É surpreendente que familiares, vizinhos, parentes, casais, pais e filhos não se compreendam entre si. A impressão que se tem é que a incompreensão se desenvolve com o individualismo, em vez de ele ajudar a compreender os próprios seres humanos, como se o individualismo desenvolvesse uma espécie de autojustificação egocêntrica permanente, reduzindo o outro às suas características negativas (MORIN, 2000, p. 94).
Percebe-se que, no Brasil, a Igreja e o Governo têm, então, investido em programas que incentivam e priorizam o conhecimento e a compreensão da diversidade nacional. Um exemplo disso é a Campanha da Fraternidade do ano 2007, que teve como Tema: ”Fraternidade e Amazônia” e como Lema: ”Vida e missão neste chão”. São preocupantes a devastação das riquezas naturais da Amazônia e as agressões sofridas pelas populações que vivem na Região. O objetivo de tal Campanha, além de ressaltar a necessidade da unidade entre os povos, foi destacar a importância da preservação da floresta, dos rios, dos animais que compõem o bioma amazônico, como, também, o patrimônio cultural dos diferentes tipos, a saber: índios, quilombolas, pescadores, ribeirinhos, agricultores, seringueiros e quebradeiras de coco.
É imprescindível conhecer a realidade desses povos, superar preconceitos e incentivar ações de solidariedade por todo o Brasil. A biodiversidade da Amazônia provoca ambições de muitas empresas nacionais e internacionais, para obter vantagens econômicas à custa dos bens naturais da Região Norte do país. Isso traz conseqüências devastadoras por causa dos atos impensados, e ocasiona, portanto, o desequilíbrio do bioma amazônico.
O quinto buraco negro é a incerteza, ou seja, aprender a enfrentar a incerteza deve ser um desafio da educação do futuro. A história da vida e a complexidade das espécies não podem ser entendidas de modo linear. Corifeu (1959 apud MORIN, 2005, p. 98) afirma que Deus criou muitas surpresas, pois o inesperado acontece e o que não é esperado chega. A posse da incerteza é uma das maiores conquistas da consciência, porque a aventura humana, desde seu começo, sempre foi desconhecida. É preciso ensinar também que, atualmente, a aventura humana é desconhecida e que se dispõe apenas de dois instrumentos para enfrentar o inesperado: a consciência do risco e do acaso (MORIN, 2005, p. 99).
Dessa forma, sugere-se que os seres humanos estejam sempre em busca do conhecimento a fim de se prepararem para o surgimento de casos inesperados, principalmente, no que tange aos fenômenos da natureza e às questões ambientais, a saber: ciclones, tufões, terremotos, furacões, vulcões, desmatamentos, efeito estufa, chuvas ácidas, camada de ozônio, secas e enchentes.
Vale ressaltar, também, que os seres humanos são os principais causadores de todas essas catástrofes. Faz-se, todavia, necessária, uma sensibilização e um repensar urgente das atitudes errôneas de cada ser humano, mesmo que seja, apenas, ao se jogar um papel no chão. A partir dessa sensibilização, as incertezas começarão a ser enfrentadas com mais facilidade e proporcionarão, assim, um viver mais digno e com mais qualidade.
Morin (2000) continua sua discussão apresentando a era planetária como o sexto buraco negro no ensino denominado, por muitos, de tempos modernos. O seu maior objetivo seria fazer com que se tomasse consciência do que já se passou com a humanidade e com o cosmo desde o fim do século XV, de forma a compreender que a degradação da biosfera representa uma ameaça ao planeta.
Nesses cinco séculos é possível identificar dois fenômenos que levaram ao processo de mundialização das práticas: o primeiro refere-se à dominação e à exploração econômicas, seja por meio do colonialismo ou do capitalismo nas suas diferentes vertentes ao longo dos anos; e o segundo refere-se à idéia de que todos os seres humanos têm o mesmo valor, independentemente de sua etnia, classe, religião ou nacionalidade. Essa idéia da igualdade foi defendida como forma de descaracterizar as desigualdades sociais nos diversos campos da atuação humana, e desmobilizar organizações e lutas de diferentes grupos sociais.
No século XXI a idéia de uma cidadania terrestre se manifesta por meio de várias organizações e associações, a saber: Médicos Sem Fronteiras, Greenpeace, Survival International, que defendem pequenos povos hoje ameaçados de extermínio. A presença de ONG’s no Brasil, como o Greenpeace, é cada vez mais evidente, principalmente, na Região Norte do País.
O último buraco negro refere-se à antropoética, ou seja, à ética em escala humana, pois os seres humanos também são indivíduos, são uma pequena parte da sociedade e o fragmento de uma espécie de trindade inseparável. Nessa ética antropológica desenvolvem-se, simultaneamente, as autonomias pessoais, o ser individual, a responsabilidade e a participação no gênero humano, pois tudo que é complexo é antagônico e, ao mesmo tempo, complementar (MORIN, 2000, p. 106). Neste contexto, vale ressaltar que todo indivíduo deve ser consciente de seus direitos e deveres perante a sociedade, tornando-se inseparáveis e, ao mesmo tempo, interligados entre si.
De acordo com Morin (2005, p. 104), para o indivíduo/sociedade, a ética conduz à idéia de democracia, ou seja, ao sistema em que os controlados controlam seus controladores. Já o indivíduo/espécie refere-se à ética do gênero humano, ou seja, à perspectiva de civilizar a Terra. Trata-se de movimentos cujo objetivo é a cidadania terrestre.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
MORIN, E. (1994). Ciência com consciência. Nova edição, Revista e Aumentada. Publicações Europa – América.
_________. (2005) Educação e complexidade: Os sete saberes e outros ensaios. 3. ed. São Paulo: Editora Cortez.
_________. (1990). Introdução ao pensamento complexo. 2. ed. Instituto Piaget. Lisboa.
_________. (1992). O método IV. As idéias: a sua natureza, vida, habitat e organização. Publicações Europa – América.
_________. (2000). Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez,
Autor: Alciete Mara Lemos Neves


Artigos Relacionados


A Educação Do Futuro - Morin(2000)

O Professor Reflexivo Nos Cursos De Licenciatura Em EducaÇÃo

Uma Breve DiscussÃo Acerca Das Dicotomias Entre As Teorias E As PrÁticas Educacionais Enbasadas Nas IdÉas De Morin Em - A CabeÇa Bem-feita

Perspectivas Para A Educação Do Futuro

Resenha Do Livro "os Sete Saberes Necessários à Educação Do Futuro" De Edgar Morin

EducaÇÃo Inclusiva E O Pensamento De Complexidade SistÊmica

A Escrita Em Cursos De Graduação: Reflexões