Liberdade Para Amar Pelo Espírito - Parte 3



Devemos notar também que o conflito existente é entre o Espírito e a carne, não entre "velha criatura" e "nova criatura"; ou "velha natureza pecaminosa" e "nova natureza divina". (cf. Ef.2:2; II Pe.1:4), embora alguma versões traduzam essa passagem de modo a criar ambigüidade de terminologia e uma espécie de entendimento esquizofrênico da identidade cristã.

"para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer." Para compreendermos esta frase , é preciso ter em mente a questão da supremacia do Espírito sobre a carne, sem esquecer a liberdade de escolha volitiva do homem. Em coerência com o próximo verso, Paulo está afirmando que aqueles que 'andam na carne" podem não querer fazer as coisas que devem fazer no Espírito.

5:18 "Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais sob a lei."

Esse "mas" de Paulo apesar de ser uma conjunção adversativa poderia ser substituída por um "visto que", sem nenhum prejuízo do sentido literal do texto, pois significaria: Visto que sois guiados pelo Espírito, não estais sob a lei.

A presença do Espírito no espírito do cristão, permite que a Graça de Deus o dirija, o guie e o deixe discernir o que Deus quer fazer em sua vida. Isto não implica que o Espírito o obrigue a agir de certo modo em detrimento da sua liberdade de escolha volitiva, ou de sua responsabilidade de estar receptivo e de deixar-se ser guiado pelo Espírito. Nem significa que o cristão não seja livre para viver uma caricatura da vida cristã, em detrimento de uma sociabilidade cristã, isto é, relacionamentos de amor. Pelo contrário, é possível viver uma religiosidade cristã na qual há muitas performances, muitas regras e preceitos a cumprir, recheados com muito azedume, egoísmos e violências de uns para com outros.

Todavia, isto só pode ocorrer fora do contexto da liberdade cristã, isto é, no âmbito da libertinagem, nos "odres velhos" da religião e preenchidos com "substâncias puras" (água para purificação, sucos de uvas para as ceias etc.) com os quais se rega a pseudo-piedade pretensamente cristã. Entretanto, aos que crêem no Evangelho da Graça Paulo diz: "sois guiados pelo Espírito" para caminhar no Espírito (5:16, 25) com a liberdade de expressar o amor-caráter do Espírito (5:22) que é o essencial cumprimento da Lei (5:14).

Portanto, não estamos sujeitos aos parâmetros da Lei mosaica.O preceito da Lei se cumpriu em nós que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito. (Rm. 8:4).

Deve-se considerar, pois, que ao longo da sua epístola Paulo está mostrando que os judaizantes infiltrados na comunidade estavam tentando encerrar os cristãos gálatas num contexto de maldição, visto que tentavam persuadi-los de que era possível conciliar a fé cristã com as performances de cumprimento da Lei.

Ora, a justiça não vem pelas obras da Lei. (2:16,21; 3:11,21) posto que tal tentativa está fadada ao fracasso e implica maldição (3: 10). Os cristãos, todavia, haviam sido redimidos pela obra de Cristo (3:13;4:5) e a jurisdição da Lei havia terminado (3:19). Portanto, já não estavam encerrados sob a Lei (3:23-25).

Talvez, os judaizantes estivessem insistindo que o único caminho para manter os desejos pecaminosos da "carne" sob controle era submetendo-se às restrições legislativas da Lei ( "Faça" e "Não faça") para moldar o comportamento exterior deles.

Entretanto, eles ignoravam (deliberadamente?!) o fato de que não se pode regular as tendências comportamentais de auto-orientação. O auto-esforço da performance legal nunca irá suprimir os desejos egoístas da carne. Neste sentido foi que Paulo explicou aos colossenses que os regulamentos de "não manuseies, não prove, não toques;..." têm aparência de sabedoria, mas não têm valor algum contra os reclames da carne (Col.2:21-23). Paulo queria que os cristãos gálatas soubessem que a performance exterior e os regulamentos da Lei, funcionando "sob a Lei" poderiam mascarar os desejos da carne, mas não poderiam prevenir ou vencer tais desejos (Rm.7:7-13).

Só a plenitude da Lei (5:14) no Evangelho da Graça de Deus em Jesus Cristo provê a dinâmica do Espírito no homem interior afim de expressar o amor de Deus sob o Senhorio de Cristo. O cumprimento da profecia de Jeremias (Jr 31:31-34) que diz: "a lei está escrita em nossos corações" (Hb.8:10;10:16) na ontológica dinâmica da Lei de Cristo (6:2) nos permite ser "levados pelo Espírito" em amor.

5:19 " Ora, as obras da carne são conhecidas e são: prostituição, impureza, lascívia, ..."Paulo começa agora a pôr em contraste as "obras da carne e os "frutos do Espírito". Não se trata simplesmente de contrastar uma lista de vícios a uma lista de virtudes morais como era comum às filosofias morais da Grécia, anteriores a Jesus, as quais continuam a serem expressas nas filosofias e religiões do presente. Na mente de Paulo, os desejos e as obras, atitudes e ações têm de ser levadas às suas origens espirituais: Deus ou o diabo.

Assim, os desejos egoístas da carne eram indicativos de um mal e diabólico caráter que se expressava pela auto-orientação e pelo desejo de auto-promoção (cf. I Jo 2:16), os quais se baseavam numa falsa premissa de que certas práticas poderiam aperfeiçoar o homem. Entretanto, os frutos do Espírito é o único capaz de expressar o caráter amoroso de Deus (I Jo 4:8,16). O cristão, por receber o Espírito pela fé, é livre para escolher expressar esse amor de Deus em seu comportamento e/ou para expressar os desejos da carne.

Ao listar as obras da carne, Paulo quer mostrar que o cristão é livre para deixar que Deus expresse o Seu caráter em Sua criação para Sua própria glória, mas não para usar tal liberdade como um pretexto para comportar-se de modo selvagem como mencionado há pouco (cf. 5:15). Note que tal comportamento pode ter surgido a partir da chegada dos judaizantes entre as congregações gálatas.

Paulo identifica as "obras da carne com "obras da Lei" (2:16; 3:2,5,10) tanto quanto com "obras das trevas" (Rm 13:12; Ef. 5:11).

Daí, podemos deduzir que as expressões comportamentais de carnalidade e pecamonosidade na alma do homem será evidenciado no contexto do legalismo e/ou da licença. Em ambos os extremos, a liberdade cristã para amar pelo Espírito segundo o Senhorio de Cristo, é negada.

5: 20, 21".. idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras discórdias, dissensões, facções, invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos declaro, como já, outrora, vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam".

Pecados morais e espirituais estão lado a lado com sentimentos e atitudes que expressam a natureza carnal dos que os praticam,cuja fonte espiritual é o diabo. Paulo os menciona aqui, não só pelo fato de que estes eram comuns na maioria dos cultos pagãos de então (cultos a Cibele, Diana, Afrodite, Baal etc); mas também porque alguns destes podem se dá num contexto "moralmente correto" como o de comunidades cristãs onde o exercício da liberdade cristã não está evidente (cf. Gal. 5:15).

Ora, ao listar tais pecados, Paulo está considerando-os todos igualmente reprováveis. Além disso, essa lista não é exaustiva, ou seja, ela não exclui outros sentimentos, comportamentos e ações que possam surgir fora do contexto da liberdade cristã. Por isso ele diz: "... e coisas semelhantes a estas".

Assim, podemos afirmar que, se, de um lado, a tentativa de cumprir alguns preceitos da Lei (a circuncisão, por exemplo) implicaria a obrigação de guardar toda a lei (cf. 5:3), de outro, qualquer tentativa de cumprir a lista de Paulo, implicará o mesmo destino, pois, havendo a prática de um só desses pecados, estará anulado o direito à herança: "não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam".

Alguém poderia argumentar que, em caso de haver quebra de algum mandamento, entraria em ação, o poder da obra consumada na cruz, o que justificaria toda a ação dos judaizantes entre os gálatas e, nesse caso,o trabalho de Paulo ali teria sido em vão. Como pretexto, parece correto. Como argumento, porém, é errado. Senão vejamos:

Paulo diz que "por obras da lei, ninguém será justificado" (cf. 2: 16). E que buscar alguma justiça mediante a lei, anula a graça de Deus e implica, portanto, que Cristo morreu em vão. (cf. 2: 21).

Ora, se, para os que tais coisas praticam, Cristo morreu em vão, como a sua morte poderia justificar a estes?

Pelas obras da lei, portanto, já estamos condenados. Pela Graça, Cristo vive em nós e a vida que temos na carne é vivida pela fé no Filho de Deus, no contexto da liberdade cristã, onde não há lei a ser cumprida, senão a "lei do amor", a "lei da liberdade" a ser experimentada no convívio entre os irmãos livremente unidos pelo amor.


Autor: Adir Freire


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