REPARAÇÃO MORAL DIANTE DO ABANDONO AFETIVO DOS PAIS



A família, considera como célula mater da sociedade, é tida desde as mais remotas civilizações como a principal entidade, fornecedora de subsídios necessários à formação do caráter e da personalidade de um indivíduo. É por intermédio da família que o ser humano aprende a conviver em sociedade.
A composição inicial da entidade familiar tinha como fundamento a religião, pois todos os componentes familiares cultuavam o mesmo deus. Destaque-se que o homem (varão mais velho) detinha plena autoridade em relação aos demais da casa. Este exercia papel de cabeça, de chefe, de sacerdote, a quem todos deviam respeito, obediência e devoção. Assim, constatou-se que a família, inicialmente, adotou o sistema patriarcal.
Contudo, a partir da Revolução Industrial e com os avanços tecnológicos e sociais, a família começou a ganhar um novo perfil, pois a mulher passou a trabalhar nas fábricas e indústrias para colaborar com o marido no sustento da casa. Nesse ínterim, podemos observar que o número de componentes familiares, vivendo sob o mesmo lar, reduziu, ficando sua composição adstrita à figura do pai, da mãe e dos filhos. Isso decorreu devido ao fato de que, entre outros fatores, a família deixou o campo e mudou-se para cidade, em busca de melhores condições de vida.
Importante se faz aqui ressaltar que, inicialmente, o casamento civil era a única forma de união reconhecida pela legislação brasileira, desde 1890. No entanto, a CF/88 passou a reconhecer as famílias advindas de outras formas de união, que não o casamento, haja vista que o Estado reconheceu e concedeu proteção especial tanto à família advinda do casamento, quanto da união estável e a família monoparental, formada por um dos pais e pelos filhos, conforme se infere do art. 226, §§ 3º e 4º da CF/88.
Nesse ínterim, podemos verificar que as relações de parentesco, das quais também decorrem as relações afetivas, assumiram um papel importante no contexto familiar, irradicando seus efeitos a todos os membros da entidade familiar, e principalmente aos filhos.
A filiação é um dos institutos mais importantes do Direito de Família, haja vista que dela decorrem inúmeros direitos e obrigações entre pais e filhos.
A legislação pátria, no início do século passado, reconhecia apenas a filiação matrimonial. Contudo, essas diferenças e discriminações foram superadas.
Atualmente, não se faz distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, uma vez que todos são legítimos e a estes são garantidas a igualdade de direitos, não importando se sua origem é decorrente do matrimônio, fora do matrimônio, por adoção, ou outra origem, conforme dispõe o art. 227, § 6º, da CF/88.
Pode-se observar que o ordenamento jurídico concedeu amplos direitos aos filhos, dentre os quais podemos destacar a vida, a saúde, a liberdade, a educação, cultura, esporte, lazer e a dignidade. A Carta Magna e o ECA concedem ainda, proteção especial ao infanto-juvenil e impõem aos pais, o dever de conviver com os seus filhos e de lhes prover todo o aparato que necessitam, sob pena de responsabilidade.
No entanto, a obrigação dos pais não se resume somente ao aspecto material. Os pais também devem dar carinho, atenção e afeto a sua prole, isto porque ambos desempenham um papel importantíssimo na formação do caráter e da personalidade do indivíduo.
Estudos acerca do comportamento do infanto-juvenil demonstram que o abandono afetivo dos pais gera danos irreparáveis à criança e ao adolescente, causando lhes prejuízos psicológicos, psiquiátricos e neurológicos.
É certo afirmar que o ordenamento jurídico em vigor instituiu a responsabilidade civil diante do abandono afetivo dos pais, tendo como principal objetivo responsabilizá-los por tal conduta, buscando-se por meio da reparação, restabelecer o equilíbrio material e moral atingido pela prática de atos danosos.
Destaco, portanto, os julgados dos Tribunais de Justiça de São Paulo, Minas Gerais e de Rio Grande do Sul, que levando em consideração os danos causados pelo abandono afetivo dos pais, tem deferido os pedidos de reparação moral. Em contrario, tem sido entendimento do STJ, que considera o abandono afetivo incapaz de gerar reparação pecuniária, mas importante se faz salientar que a doutrina majoritária considera que o abandono afetivo é passível de reparação moral, haja vista que, para haver a reparação moral é necessário o preenchimento de seus requisitos permissivos, quais sejam a conduta ilícita, o dano e o nexo causal. Sobre a conduta ilícita, o art. 186, do CCB prescreve que todo indivíduo que praticar ato comissivo ou omissivo, seja por negligência ou imprudência, e assim, vier a causar danos a outra pessoa, estará cometendo ato ilícito. No caso do abandono afetivo, a conduta ilícita reside no descumprimento do dever de companhia e convivência, assegurada pela CF/88 e pelo ECA. Assim, uma vez violados os direitos garantidos pela lei, está caracterizada a prática de ato ilícito, o que dá respaldo à reparação moral.
Outro fator imprescindível para a configuração do dano moral, é a existência de danos à vítima. Assim, o dano afetivo será passível de reparação moral quando atingir a dignidade, a moral, a personalidade da criança e do adolescente, causando-lhe dor, sofrimento, vexame e humilhação. Sendo assim, haverá a reparação quando comprovar que a conduta do genitor ocasionou danos psicológicos, psiquiátricos e neurológicos à criança e ao adolescente.
Por fim, é necessário que exista um nexo de causalidade entre os danos afetivos e a conduta lesiva do genitor. Se restarem comprovados que os danos sofridos pela infanto-juvenil advieram de outros fatores, que não a conduta negligente do genitor, não há que se falar em reparação moral.
Assim, a reparação moral por abandono afetivo é plenamente cabível. Constata-se um temor por parte dos julgadores, que alegam não ser possível dar “um valor ao amor” e que a ação de indenização moral não atingiria o fim específico da ação, qual seja o afeto dos pais.
Contudo, contrário ao entendimento supra citado, tem-se que o fim específico da ação de reparação moral por abandono afetivo não é a reaproximação entre pais e filhos, mas sim, a responsabilização dos genitores pela conduta negligente e lesiva à dignidade e à moral de seus filhos. A reparação moral por abandono afetivo busca a punição dos pais e a conscientização da sociedade no que se refere à gravidade da negligência afetiva.
É certo que o Tribunal deve limitar ações fundadas em motivos fúteis ou por mera vingança dos genitores. Esse é o seu papel. Todavia, não deve repelir ou extirpar a possibilidade de reparação moral por abandono afetivo por mera temerosidade do risco de banalização do afeto.
O abandono afetivo é uma realidade social constante. Assim, devem o Poder Judiciário e o Poder Legislativo adequar-se a essa nova realidade. Para tanto, é imprescindível que ambos adotem meios que reprimam o abandono afetivo. Pois bem, a maneira mais conveniente para essa repressão, conforme explanado, é a reparação moral.

OBS: Artigo produzido no Projeto de Extensão Vexata Quaestio - Questão debatida.

AUTORAS: ALLINE GOMES FERREIRA E GLAUCIA PAULA NOLASCO
Autor: ALLINE GOMES FERREIRA


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