Lobato Sob A Perspectiva De Vários Historiadores Literários



Monteiro Lobato é um escritor canonizado. Tal afirmação é irreprochável, mesmo assim quem se propuser a pesquisar a respeito desse autor se deparará com inúmeras dificuldades, como por exemplo, no que se refere à classificação nos períodos literários ou então à pesquisa de suas obras infantis dentro das histórias da literatura brasileira oficiais.

Roberto Reis, em comentário sobre aobra Machadiana, coloca que:

Machado de Assis escreveu numa de suas crônicas que, tendo descoberto que todos os relógios deste mundo não marcam a mesma hora, cansara do ofício de relojoeiro, porque tanto poderia estar certo o seu relógio quanto o do seu barbeiro. (1992: 65)

A colocação acima permite fazer uma analogia entre os relógios e as histórias da literatura brasileira, uma vez que podemos encontrar um mesmo autor inserido em diferentes momentos literários, como é o caso de Monteiro Lobato. Devido aos limites do trabalho, serão enfatizadas aqui apenas três histórias, sendo elas: História da Literatura Brasileira, de Nelson WerneckSodré, História Concisa da Literatura Brasileira, de Alfredo Bosi e A literatura Brasileira através dos Textos de Massaud Moisés. Nestas histórias Monteiro Lobato é inserido em diferentes períodos literários, sendo eles, respectivamente, o Realismo e o Simbolismo e a corrente Regionalista. Qual das histórias (ou relógios) estariam corretos em sua classificação (ou marcando a hora certa)?

É pertinente ressaltar que antes de historiadores, Sodré, Bosi e Moisés, são leitores e todo leitor tem uma primeira leitura subjetiva. Conforme Reis:

O ato de leitura é um fenômeno altamente complexo e possui um caráter eminentemente dialogal: na leitura interagem não apenas o leitor e o texto mas, através do texto, o leitor tabula uma conversação com o autor, com o contexto históricoe social plasmado no texto, com uma cultura, uma tradição literária, uma visão de mundo, um acervo lingüístico. ( 1992: 76)

Com essa afirmação evidencia-se o fato de não ser fácil o trabalho de classificar autores em períodos literários. Também se torna nítido que as histórias literárias "podem ser tão multifacetadas quanto os historiadores queas escrevem." Schmidt (1996: 116)

Partindo para os estudos dos historiadores acima citados, verifica-se que Nelson Werneck Sodré, em História da Literatura brasileira: seus fundamentos econômicos, insere Monteiro Lobato no Regionalismo.

É pertinente destacar que Sodré não traz em sua obra uma classificação por períodos literários como faz Bosi e Moisés. O que se encontra é o que o autor nomeia de esboço da literatura nacional, que vai do Romantismo ao Simbolismo. Isso acontece porque, em sua perspectiva, a Literatura Brasileira realmente se torna nacional apenas no Modernismo, antes disso tratava-se de uma literatura ainda muito atrelada ao moldes europeus.

Nota-se que Sodré aponta, na introdução ao Regionalismo, as limitações desta corrente, que são o geografismo e a distinção da personagem por seu modo de falar, fatores que amesquinham o papel do homem. Tais limitações podem ser equiparadas às próprias limitações da literatura brasileira, a qual, para Sodré, neste espaço temporal ainda não é uma literatura nacional.

O historiador evidencia que, através da personagem Jeca Tatu, Lobato liquida esse regionalismo herdado pelos naturalistas:

Monteiro Lobato liquida o regionalismo, aquele regionalismo em que as influências naturalistas haviam transformado o sertanismo, romântico, quando cria um tipo, o Jeca Tatu, que um discurso de Rui Barbosa coloca em evidência. Neste tipo, verdadeiro nos traços exteriores, falso no conteúdo, o escritor paulista busca representar, em deformação caricatural, que por isso mesmo se vinca e se generaliza, o homem do interior, o caipira, pobre, doente, preguiçoso, embora dotado de uma sorte de inteligência, a esperteza solerte, encoberta sob uma aparência sonsa. Atingindo a esse máximo, o regionalismo denunciava precisamente, no instante oportuno, a sua deficiência fundamental, que lhe provinha em muito da contribuição naturalista, que estava ancorada nos mesmos motivos, tinha as mesmas raízes; a realidade não está apenas na superfície; nesta aparece por vezes a sua parte menos importante, menos característica: o meio age através das relações sociais – a seca não tem os mesmos efeitos no agregado e no proprietário, Jeca Tatu era falso justamente pela verdade unilateral de sua forma exterior – sob a aparência da preguiça, da ignorância, da doença, estava o drama profundo. Resultando num libelo às avessas, o tipo era condenatório da vítima. Lobato reconheceu isso depois, o que tem importância apenas biográfica. No conjunto, tendo realizado um tipo, que é um dos máximos da ficção, o regionalismo se esgota com ele. (1964: 416-17)

Interessa observar que, por meio de Jeca Tatu, Sodré salienta as deficiências do Regionalismo, o que faz retomar sua colocação anterior, onde afirma que:

... a literatura brasileira não estava ainda em condições de discriminar o essencial do secundário. (1964: 407)

Assim como o Regionalismo tinha suas deficiências, Jeca Tatu era falso por sua verdade unilateral.

Sodré tece comentários sobre Lobato em apenas dois parágrafos, justamente para encerrar o regionalismo. Consta também uma nota com a biografia de Lobato, onde novamente Sodré enfatiza sua visão negativa a respeito de como Jeca Tatu foi trabalhado por Lobato:

Monteiro Lobato tornou pública a revisão de sua posição a propósito do caipira simbolizado no Jeca Tatu. (1964: 428)

Não há na obra de Sodré nenhuma referência às obras infantis do escritor , fato semelhante ao da obra História Concisa da Literatura Brasileira, de Alfredo Bosi. Este, por sua vez, insere Monteiro Lobato no Realismo, em um tópico dedicado ao regionalismo. Nota-se aqui uma diferença marcante entre Bosi e Sodre, já que o primeiro traz em sua obra uma classificação por períodos literários e o segundo não, como já foi dito.

Bosi enfatiza a intelectualidade participante de Lobato, e mostra que devido a isso seu papel na cultura nacional transcende sua inclusão entre os contistas regionalistas.

Se, por um lado, Bosi faz apreciações positivas sobre o homem Lobato, por outro, assim como Sodré, critica o escritor:

Mas não se deve procurar, mesmo nos momentos mais felizes do contista, a categoria da profundidade, enquanto projeção de dramas morais que revelem um destino ou configurem uma existência. Lobato era escritor de outro estofo: sabia narrar com brilho um caso, uma anedota e, sobretudo, um desfecho de acaso ou violência. Daí decorrem seus riscos mais comuns: o ridículo arquitetado dos contrastes e o paradoxismo patético não menos arquitetado dos finais imprevistos e sinistros. De resto, o ridículo e o patético, e às vezes o ridículo patético, são quase os únicos efeitos em função dos quais se articulam suas histórias. (1999: 216-17)

Ou ainda quando compara Lobato a Maupassant:

No que tange à composição, querendo imitar a objetividade de Maupassant, sem o gênio do mestre. Lobato concentrava-se no retrato físico, na busca dos defeitos do corpo ou dos aspectos risíveis do temperamento ou do caráter. (1999: 217)

Bosi vê em Lobato um conservador, preocupado com o progresso do país, dando mais valor ao homem do que ao escritor propriamente dito.

Massaud Moisés é o historiador que mais elogia Lobato. Sua obra é, dentre as três aqui observadas, a menos crítica, justamente por ter um caráter mais didático, na medida em que expor os textos literários é sua maior preocupação. A biografia de Lobato inicia o texto. Logo em seguida há uma relação com o acervo de Lobato. Abre-se um parêntese aqui para ressaltar que todos os títulos são citados, com exceção para as obras infantis, já que, após citar título por título não infantil, Moisés coloca: "e literatura infantil", explicitando um descaso por tais obras lobatianas.

É válido evidenciar que Moisés, divergentemente dos outros historiadores aqui citados e sem maiores argumentações, insere o escritor de Taubaté no Simbolismo, assim como faz com Graça Aranha e Euclides da Cunha, escritores que como Lobato estão inseridos nos períodos literários citados anteriormente em outras histórias.

Assim como Bosi, Moisés compara Lobato com Guy de Maupassant. O historiador aponta convergências e divergências entre o escritor brasileiro e o francês:

Na verdade, se nem tudo em suas composições breves se deve ao magistério de Maupassant, algumas de suas constantes o vinculam de imediato ao contista francês. A engenhosa síntese da arte do autor de Boule de Suif, efetuada logo à entrada do conto ("Meu conto de Maupassant", de Lobato), afora corresponder à realidade dos fatos, denuncia a própria maneira de Monteiro Lobato: "Porque a vida é amor e morte", etc. Em semelhante perspectiva se coloca o epílogo, enigmático e inesperado, peculiar ao conto, em que Maupassant foi mestre. (2000: 367)

Como que forcejando por captar o mistério recôndito no dia-a-dia trivial, a ficção de Monteiro Lobato talvez se diferencia da de Maupassant naquilo em que este repudiava a "escrita artística" dos irmãos Goncourt, ao passo que ele buscava um casticismo de linguagem inspirada em Camilo. (2000: 367)

É pertinente destacar que o posicionamento de Moisés é contraditório, uma vez que embora insira Lobato no Simbolismo o compara com autores Realistas e Naturalistas, como Maupassant e Goncourt.

Nota-se que Moisés tem um olhar mais positivo em relação a Lobato do que Sodré e Bosi:

Não obstante, a limpidez do retrato psicológico e a objetividade na localização do invisível ou do incerto são características que permanecem, tornando o prosador de Taubaté um dos nossos mais engenhosos artífices do conto. Moisés (2000: 367)

Existem diferenças marcantes nos três historiadores citados, sobretudo quanto à a classificação estética. Porém, também podem ser evidenciadas semelhanças, como a preferência em abordar Urupês e por nenhum deles citarem a obra infantil de Lobato, o que se torna problemático, na medida em que, de acordo com Lajolo:

A literatura infantil foi, pois, o gênero em que Monteiro Lobato dedicou-se ao longo de toda a vida, e é nela que as qualidades de sua obra e seus índices de modernidade são mais visíveis. (2000: 65)

Desta maneira a exclusão do acervo infantil de Lobato nas histórias da literatura brasileiras oficiais pode revelar-se problemática, tendo em vista a importância de tais obras. Além disso, nota-se que Lajolo evidencia os índices de modernidade das obras infantis, fator que poderia influenciar as classificações vigentes nas histórias literárias oficiais que raramente o inserem no Modernismo.

Além de extremamente conhecido como escritor infantil, interessa verificar que com o Sítio do Pica-Pau Amarelo o criador da Emília inaugura a literatura infantil brasileira, o que intensifica sua importância e novamente comprova que tais obras deveriam ter um espaço nas histórias oficiais.

Talvez justamente por esse preconceito sobre a literatura infantil são necessárias obras específicas sobre o assunto, como é o caso de Literatura Infantil Brasileira, História e Histórias, de Marisa Lajolo e Regina Zilberman. Fortifica-se um dos problemas gerados pelo cânone: a exclusão, verificada não apenas em termos de literatura infantil, mas também da literatura oral, feminina, dentre outras.

Dentro de sua história, Lajolo e Zilberman dão extremo destaque a Monteiro Lobato:

Em 1921, Monteiro Lobato publica Narizinho Arrebitado (Segundo livro de leitura para uso das escolas primárias), após ter se preocupado com a literatura infantil, conforme sugere a correspondência trocada com Godofredo Rangel, com quem comenta a necessidade de se escreverem histórias para crianças numa linguagem que as interessasse. (1984: 45)

Além da ênfase dada a época em que Lobato se destacou na literatura infantil, as autoras tecem comparações entre ele e outros autores, evidenciando que o criador do Sítio foi, de certa forma, paradigma para outros escritores infantis:

Ao lado destas, porém, inspiradas pela necessidade de produção industrial, outras soluções seguem também na esteia lobatiana, tal como o reforço da produção por séries, isto é, grupos de obras que repetem, ao longo de vários títulos, personagens e/ou cenários. Lajolo e Zilberman (1984: 125)

A literatura infantil brasileira mais contemporânea também reata pontas com a tradição lobatiana por outras vias. Por exemplo, pela inversão a que submete os conteúdos mais típicos da literatura infantil. Essa tendência contestadora se manifesta com clareza na ficção moderna, que envereda pela temática urbana, focalizando o Brasil atual, seus impasses e suas crises. Lajolo E Zilberman (1984: 125)

Evidenciou-se, com as comparações aqui expostas, que em um mesmo cânone podem-se encontrar visões bastante diversificadas, uma vez que Sodré, Bosi e Moisés inserem Lobato em estéticas diferentes e nem sempre compartilham da mesma opinião sobre o autor.

Além disso, é bastante relevante o problema da exclusão do acervo infantil lobateano das histórias da literatura brasileiras oficiais, já que tal acervo é de extrema importância para a literatura do país. Tudo isso faz com que se observe que a história literária é muito mais uma construção de cada historiador, tendo em vista que eles são antes de qualquer coisa leitores, do que um fato dado por si próprio.

Referências Bibliográficas

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 36ed. São Paulo: Cultrix, 1999.

LAJOLO, Marisa. Monteiro Lobato. Um brasileiro sob medida. São Paulo: Moderna, 2000.

LAJOLO, Marisa. ZILBERMAN, Regina. Literatura Infantil Brasileira, História e Histórias. São Paulo: Ática, 1984.

MOISÉS, Massaud. A Literatura Brasileira através dos Textos. 22ªed. São Paulo: Cultrix, 2000.

OLINTO, Heidrun Krieger. Histórias de Literatura. As novas teorias alemãs. SãoPaulo: Ática, 1996.

REIS, Roberto Cânon. In JOBIM, José Luís (org). Palavras da Crítica. Rio de Janeiro:Imago, 1992.

SCHMIDT, Siegfried. Sobre a escrita de histórias da literatura. In: OLINTO, HeidrumKrieger. Histórias de Literatura. As novas teorias alemãs. São Paulo: Ática, 1996.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da Literatura Brasileira: seus fundamentoseconômicos. 4ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964.


Autor: Ana Paula Miqueletti


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