Leitura De Férias



Já faz algum tempo que me coloquei uma atividade para o período de férias: ler!

Não que não leia durante o restante do ano nem estou querendo dizer que outros não lêem. O que estou querendo dizer é que, já faz algum tempo, me dei a tarefa de ler não qualquer livro ou revista, mas eleger um autor e ler, descompromissadamente, o máximo de obras dele, durante o período de férias: desde o encerramento das aulas, no final do ano até o reinicio, no começo do outro ano.

Portanto, não se trata de estudar, mas de ler, para saber a quantas anda a produção literária de determinados autores. Foi assim que já passei por Jorge Amado, Machado de Assis, Marx, Platão, entre outros. Este ano elegi um sujeito que sempre admirei: Nietzsche. E não é que o cara é bom mesmo (Lembrando, mais uma vez, não se trata de atividade de estudo, mas de leitura diletante em período de férias! Trata-se de uma leitura pelo prazer e não pela obrigação profissional).

E já que li, e gostei, não custa nada compartilhar algumas palavras desse alemão que morreu justamente no final do século XIX.

Veja só o que disse para iniciar um de seus livros: "A GENEALOGIA DA MORAL". Trata-se de algo que se aplica a nós que trabalhamos com as idéias: "Nós os pesquisadores da área do conhecimento, nos desconhecemos mutuamente. Isso por um motivo específico. Nunca nos procuramos...". Talvez esse tipo de afirmação não diga muito a muita gente, mas a quem se dedica ao estudo e à discussão das idéias, ao ensino... é um puxão de orelha e tanto: não conhecemos nossos contemporâneos e arrotamos os ranços de pensadores do passado; não nos conhecemos pois não nos procuramos e, conseqüentemente, não nos respeitamos, nem nos admiramos com o que o outro disse. O que é pior, e isso vale para todas as profissões: muitas vezes não conhecemos os colegas com quem convivemos e trabalhamos. Passamos várias horas do dia com nossos colegas de trabalho e não os conhecemos...

Triste mundo este: mundo dos desconhecidos. De solitários...

Outra sacada maravilhosa, que pode ser aplicada a todos os que pensam dominar muitas informações, mas não se dedicam a sua busca. Diz ele, no mesmo livro, chamando a atenção para a necessidade de método de estudo, antecipando em mais de 100 anos nossa crise educacional:"é verdade que, para praticar a leitura como uma arte, é necessário antes de mais nada, possuir uma faculdade hoje muito esquecida [...], uma faculdade que exige qualidades bovinas e não de um homem moderno, ou seja, ruminação".

No corre-corre a que somos atirados, não nos sobra tempo para refletir... E aí podemos nos perguntar e, quem sabe, entender, por que somos uma geração de analfabetos: nos falta a capacidade da "ruminação". Na ânsia do fazer não nos sobra tempo para a tranqüilidade de ser!

"ASSIM FALOU ZARATUSTRA" é um livro que merece ser relido várias vezes. Depois de vários anos retornei a ele, agora numa leitura de férias. Veja o que anotei sobre nós que somos ensinadores e aprendizes. Diz Zaratustra, admoestando aos que se perdem repetindo o que outros disseram sem se dar ao trabalho de produzir o seu próprio pensar: "Recompensa mal um mestre quem se contenta em ser sempre discípulo. E por que não ousam destroçar minha coroa?

Vocês me veneram. Pois bem, e se um dia sua veneração tivesse de sucumbir? Cuidado para que não os esmague uma estátua! [...].

Você não haviam ainda procurado a vocês próprios, então me encontraram. Assim fazem todos os crentes: por isso vale tão pouco toda fé.

Agora lhes ordeno que me percam e se encontrem a vocês mesmos"

Noutra momento diz que "cada povo inventou a sua própria língua, segundo os costumes e a justiça.

Mas o Estado mente em todas as línguas do bem e do mal; e, qualquer coisa que diga, mente – e qualquer coisa que possua, roubou-a" Percebeu a atualidade dessa reflexão do Zaratustra, há mais de 100 anos?

Quer mais? Em "ECCE HOMO", entre outras coisas recrimina a moralidade amordaçante: "A única moral que se ensinou até hoje, a moral da renúncia, traz uma vontade de aniquilamento, nega radicalmente o próprio fundamento da vida"

Muita gente se acha dona de todo saber. Em razão disso vê tudo e todos como errado. Para esses, seu ponto de vista é o único correto:: "seja qual for o ponto de vista filosófico em que nos coloquemos hoje, em toda parte o caráter errôneo do mundo no qual acreditamos viver nos aparece como a coisa mais certa e a mais sólida que nossa visão possa captar", escreveu em "ALÉM DO BEM E DO MAL"

Não quero cansá-lo com tudo o que disse nem fazer julgamento de ninguém. Mas é um fato que muitas vezes nos acomodamos em nossos próprios pontos de vista e por isso não nos damos conta da riqueza que está por aí: nas leituras que podemos fazer; nas troca de idéias que podemos desenvolver; nos debates que podemos travar...

Agora retomo o que disse no começo. Minha intenção é apenas partilhar algumas linhas do que disse um pensador polêmico. Não para minimizar outras pessoas, mas para promover o debate. Principalmente porque esse pensador, Nietzsche, apesar de ter morrido há mais de 100 anos é atualíssimo. Questões que ele levantou, principalmente em relação à moralidade, permanecem candentes e pedindo posicionamento.


Autor: NERI P. CARNEIRO


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