A CARIDADE FRATRICIDA



Cristóvam Buarque quando governou Brasília instituiu o slogan "Não dê esmolas dê cidadania!". Em um domingo li no Correio Braziliense "Cristóvam está se achando tão poderoso que quer nos proibir de fazer caridade!". Era o trecho da carta de um morador da Asa Norte, em Brasília-DF. Para a classe média católica é sagrado dar esmolas em observância ao imperativo "fazei o bem sem olhar a quem" aliado ao mito franciscano "é dando que se recebe".

"Brasileiro é solidário", outro mito! O cidadão é abordado por alguém que porta uma receita, um cartaz com anúncio sinistro ou que apenas pede e irrefletidamente o interpelado procura uma moeda oucédula miúda para "o remédio" ou café ou refeição do pedinte. Quando não tem ou não quer dar, justifica-se com pesar "eu não tenho trocado" ou "só tenho cartão" ou, como se faz muito ao sair de restaurantes, "desculpa eu paguei com cartão". Ora, quem deveria se desculpar é o pedinte por ficar importunando mas há um pacto social tácito baseado em mentira, vício, pesar e sentimento de culpa. Não tem nada de atitude positiva ou verdadeira.

Trata-se do principal sistema clientelista do ideário sócio-político brasileiro de origem no ideário sócio-religioso cuja prática foi imposta por aqui desde cedo. Mesmo com o advento da República continua vivo e sob vigilância. Seu objetivo é deixar milhões de pessoas (os clientes) à mercê dos coronéis e compadres (os fornecedores), extrair o máximo das comunidades e impedi-las de se desenvolver autosustentadamente. Para consumar tal façanha, agemno atacado destruindo sutilmente a auto-estima do indivíduo. Sem amor-próprio, ele e sua geração fica viciado na subserviência, sem altivez, sem voz, sem vez. Essa inclusão sempre deu certo por aqui: assistencialismo.

O Nordeste brasileiro é um cenário emblemático para análise. É a região mais sofrida e por ali os coronéis reduzem ao mínimo as condições de vida daquela gente, obstruindo o acesso de seus filhos à educação (oxigênio da cidadania). Mandam entupir as cisternas dos sertanejos quando estas vêm de fonte externa, como ONG. Não abrem mão de manter o sentimento de impotência daquela gente e fazê-la acomodar-se aos favores dos cabos eleitorais. São provedores de bois, cabras, bodes e outros bens para a festa do padroeiro. Tais bens são acolhidos por bispos, padres e santo (o dono da festa). Após "a benção" o que poderia ser profano vira sagrado e de cuja origem não se ousa duvidar. É o coronelismo clássico, baseado na truculência. As indústrias do crédito (bancos e cartões de crédito), do entretenimento-BBB e dos concursos que oferecem, respectivamente, "crédito fácil" aos incautos, "lazer" aos ilhados no próprio domicílio e "futuro facilitado" aos mendigos de luxo (aqueles que vêem no Estado a única saída), são exemplos do coronelismo moderno, baseado no Soft Power (marketing e diplomacia) a serviço do extrativismo social.

A Bíblia fala de CARIDADE e AMOR com o mesmo significado. Vejamos, entretanto, que Paulo diz "Ainda que distribuísse todos os meus bens para sustento dos pobres e não tivesse amor, de nada me aproveitaria." (I Co 13:3). A Bíblia não é a fonte da caridade fratricida pois AMOR e DISTRIBUIÇÃO DE BENS não são a mesma coisa. Por falar em Bíblia, a Sociedade Bíblica do Brasil, pegando carona nos 200 anos da chegada da Família Real ao Brasil elegeu 2008 "O ano da Bíblia". Uma iniciativa louvável para reflexão sobre uma curiosidade histórica: nosso país é católico desde 1500 e por que só 308 anos depois conheceu a Bíblia? D. João VI decretou a abertura dos portos brasileiros às nações amigas de Portugal e então a Bíblia entrou. Passados 200 anos, a Igreja Católica vive a iminência de perder o Brasil, tal como ocorreu com a Europa no século XVI. Por isso em 2007 o Papa Bento XVI (coincidência?) veio aqui com o intuito de recuperar o monopólio da fé. Para o bem de todos e a felicidade geral da nação, dissemos não! Brasil desenvolvido e Brasil católico são possibilidades excludentes.

O resultado prático do ato de dar esmolas é a fixação do cliente do sistema em seu posto: pedinte. Aliás, aqui consiste o papel da classe média. Coronéis num extremo, desprovidos no outro e classe média no meio, alimentando o Sistema. Os programas sociais assistencialistas cujo propósito é cativar o voto são a INSTITUCIONALIZAÇÃO DA CARIDADE FRATRICIDA. É o Estado afirmando os preceitos e propósitos católicos sob o aval (de boa parte) da classe média. Como mudar isto? Mobilização! Para que a parte (da classe média) que pensa diferente cresça e dê o tom.

Calma! Estamos no prelúdio de uma reforma de cunho civil e religioso, da qual o TRABALHO emergirá como a baliza da ética e o meio para erigir o desenvolvimento. A esmola e a preguiça cederão lugar à autosustentabilidade e ao associativismo. O discurso demagógico pró caridade fratricida vai ficar fora da ordem do dia.

O Brasil quebrará o paradoxo "país rico e nação pobre" e será celeiro de justiça, dignidade e paz.

FRANCISCO GOMES
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Autor: FRANCISCO DE LIMA GOMES


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