A Doce Estupidez



Não sou muito de comentar política gratuitamente, a não ser com alguns amigos mais próximos sentado na mesa de algum bar. Acredito na máxima de que quando o assunto é política, religião ou futebol, não adianta argumentar racionalmente. Sendo assim me contento em pelo menos não iniciar o debate. Se me perguntam a opinião aí é outra história.

Por acaso li esses dias um artigo em um blog (que não pretendo citar) que me interessou. Depois de uma busca rápida pela notícia em fontes mais confiáveis, achei o mesmo texto no site da Folha de São Paulo. A reportagem trazia o grande escritor português, José Saramago, classificando a esquerda como estúpida. Li os comentários sobre a notícia em outros blogs e então resolvi abrir uma exceção, e emitir a minha humilde e não solicitada opinião sobre o caso.

Já de cara o primeiro esclarecimento: Não discordo do Nobel. Concordo plenamente que temos hoje uma esquerda estúpida (e inútil). Acrescento até que também fomos agraciados com uma direita de equivalente estupidez, apesar de menos ingênua. Mas como falta ou excesso de ingenuidade nunca foi, nem nunca será desculpa pra ninguém, penso que os dois lados da discussão são igualmente estúpidos.

Já me acostumei a presenciar na maioria das discussões sobre política uma desinformação característica nos dois lados da conversa. Lembro o que alguns conservadores de direita diziam antes da primeira vitória do Lula. Lembro claramente de notícias descrevendo como nosso quintal se tornaria um inferno, se fechariam as portas do país para investidores estrangeiros, se daria calote na dívida externa, a economia entraria em colapso, etc etc etc…

Nada disso aconteceu. Na verdade grande parte das críticas que o governo brasileiro enfrenta hoje é por uma política econômica excessivamente conservadora.

Ao mesmo tempo que alguns conservadores vociferavam o possível apocalipse, também uma parte da nossa esquerda fazia suas previsões erradas. Pois existia, e ainda existe quem pense que o calote na dívida externa, e meia dúzia de palavrões ditos ao governo Norte Americano ou ao FMI nos transformariam na tão esperada utopia tropical que todos merecemos.

De todas essas previsões de esquerda e direita sobre o futuro brasileiro, nestes tempos nem tão distantes. Ganharam os moderados. E não vejo isso com espanto.

O que me espanta na verdade é a falta de moderação presente nestes debates ideológicos. Quando o sujeito se considera politicamente engajado com um dos lados, aí então nem se fala. Temos nestes casos a abertura para os maiores absurdos morais. Pois a partir do momento que alguém apóia uma série de ideais de forma incondicional para assim tornar realidade alguns poucos ideais que ele acredita serem benéficos e assim justificar o resto apenas como um mal necessário, as chances dessa criatura ser mais um idiota crescem proporcionalmente ao tamanho do seu empenho em transformar suas opiniões em atos.

Novamente faço questão de me explicar, já prevendo algumas pedras voando. Não acho ruim que se tenha opinião sobre esse ou aquele assunto. Acho até que seja fundamental para um ambiente realmente democrático. O que não admito e me irrita profundamente é ver chavões e discursos batidos disfarçados em opinião de quem nem sabe por que está reafirmando o chavão.

É (ou deveria ser) um princípio básico que se forme uma opinião a partir das próprias conclusões e não a partir das conclusões do grupo que se freqüenta antes de se sair repetindo algo pelo mundo a fora.

No entanto o radical, essa figura ingênua e passional (e muitas vezes barulhenta), não admite que se concorde com apenas alguns argumentos. Se você não concorda com todos os argumentos de um radical de esquerda você é um conservador fraco. E se por outro lado se você discorda de alguns argumentos comuns aos conservadores radicais você é mais um hippie, um comunista ou simplesmente alguém infantil. Não se pode ser economicamente conservador em alguns pontos e mais liberal em alguns temas sociais (ou vice-versa) sem se ouvir um chavão reacionário de um dos dois lados.

Lembro de uma crônica muito interessante do Jabor que vi transcrita em um blog tempos atrás. A crônica era sobre a absolvição do Renan Calheiros, nela o Jabor amaldiçoava o senado com “maldições bíblicas” como ele mesmo dizia. Fui ver os comentários de outros leitores e tive que rir. Alguns questionavam a autoria da crônica, outros se diziam surpresos do jornalista ter publicado um texto tão interessante, quando enviaram um link com o áudio original da crônica questionaram que qualquer um podia imitar a voz do cronista. Era pra estas pessoas, inadmissível pensar que o Jabor pudesse fazer uma crítica a Renan Calheiros e os trágicos acontecimentos no senado brasileiro de forma desinteressada por ele supostamente tender mais ao conservadorismo.

Já tinha ouvido a crônica na época, acompanho sempre que posso alguns cronistas pelo site da CBN. Às vezes concordo com ele, outras discordo. Em algumas crônicas percebo argumentos de direita e em outras vejo argumentos de esquerda. Como pode ser feito por qualquer pessoa equilibrada. Não por isso acredito que ele seja mais tendencioso a um dos lados. E mesmo que seja mais tendencioso, o maior responsável pelas minhas opiniões sou eu mesmo. Somente nós mesmos somos responsáveis pela maneira que interpretamos alguma mensagem a partir da nossa própria ótica do mundo. Portanto é indiferente a ideologia que o Jabor ou qualquer outro comentarista tenha ou não preferência.

Vi o mesmo tipo de comentário reacionário em alguns blogs sobre a já comentada afirmação do Saramago. A maioria era de alguns radicais de esquerda se ofendendo que o escritor os chamasse de estúpidos. Dizia-se ser conversa de intelectual frustrado, que o velho comunista mudava muito de camisa ao longo dos tempos e etc. Como se fosse o certo para todos usar algum camisão coletivo cheio de opiniões senão as próprias.

O fato a ser discutido não é a qualidade das duas figuras mencionadas ou suas ideologias partidárias. Mas sim a falta de opinião individual ao reprimir algo sem nem mesmo fazer questão de compreender. Não é de hoje que os mais passionais imaginam ser justificável criticar algo sem tentar argumentar logicamente, até por que em determinados momentos cai bem. Dependendo do meio onde o sujeito se encontra pode até fazer o acusador parecer mais interessante. É mais fácil argumentar contra a pessoa do que contra o argumento. O Fulano critica o conservadorismo da política econômica do governo brasileiro, e aí vem outro sujeito e diz: “É mas sendo o Fulano isso já é esperado!”. Pronto. Acabou a necessidade de argumentar racionalmente.

No caso do Saramago em particular, que nunca escondeu (pelo menos que eu saiba) o fato de ser comunista. A desilusão em relação à esquerda é bem justificável, apesar de realmente contrastar em muito com as posturas da sua época de “jornalista revolucionário” quando fazia apelos à insurreição militar pela defesa do socialismo.

Não concordo com o Saramago em boa parte dos seus argumentos, quando dizia que “a violência revolucionária é uma legítima defesa quando está em causa a vida e o futuro de um povo inteiro”, acho grotesco pensar que se pode justificar qualquer violência para defender uma opinião pessoal, no caso o futuro que ele e os partidários dele imaginavam como o ideal.

E não digo isso por que apóio a ditadura portuguesa da época em que ele disse a frase. Mas simplesmente por que não acho racional trocar um totalitarismo de direita por um de esquerda, ou trocar a violência de direita pela de esquerda. Sou contra o totalitarismo e violência dos dois lados. Pense que os nazistas também pensavam estar melhorando o mundo, dentro da ótica imoral e distorcida dos seus próprios absurdos. E com os fins justificando os meios, então vale tudo pra justificar qualquer coisa, o que não somente não é saudável mas também imoral.

E essa ingenuidade do próprio Saramago de 30 anos atrás é bem similar a dos seus críticos mais ferozes que acham que ele se tornou um comunista/socialista mais light. Talvez seja apenas a ressaca de alguns anos de doce estupidez.
Autor: Conselheiro Acácio


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