As práticas divisórias



PINEL E AS PRÁTICAS MÉDICAS DOMINADORAS


A loucura foi um mau que não recebeu uma devida atenção, e uma devida interpretação das suas necessidades, provocando um revolucionar na história do homem. Levando-o a um abismo e um caminho de especulações dentro de um contexto social. A internação ou exclusão foi uma invenção do homem clássico, que propiciou várias práticas anti-sociais . Colocando as condutas sociais em duvidas, levantando no homem questionamentos acerca de seu comportamento.
Ao final do século XVII a loucura e a razão não estavam ainda separadas. Não havia um vazio dentro delas. Um equilíbrio entre loucura e não-loucura, na passagem da experiência medieval da loucura para a modernidade é que a loucura será confinada como doença mental. Já no século XVIII, ocorre à experiência-limite entre razão e desrazão, transformando de uma vez por todas a loucura em um acidente patológico. No fim do século XVIII houve a constituição da loucura como doença mental, é o fim de um silêncio estabelecido por uma divisão, feito por Foucault em sua arqueologia da loucura.
Como surgiram os manicômios? Até o século XVIII, os hospitais não possuíam finalidade médica e nem tampouco de cura. Eram grandes instituições filantrópicas destinadas a: abrigar os indivíduos considerados indesejáveis à sociedade burguesa, como os: leprosos, aleijados, mendigos e os loucos. Que viviam nestes lugares de correição acorrentados ou usavam camisa de força e que ficavam por vezes presos. Na ocasião da revolução francesa, o médico Phillipe Pinel começou a separar os diversos tipos de loucura.
Foi através de Pinel que o louco se libertou das correntes e das jaulas , permitindo um diagnóstico sobre seu comportamento em seu estado natural. E que o internamento teve seu valor terapêutico e a loucura passou a ser vista como doença, estabelecendo uma relação necessária entre o asilo e a doença.
A maneira de o homem lidar com a com a loucura mudou significativamente no século XVIII, essa ideia é defendida por Foucault. Atestando assim a construção ou transformação da loucura em doença mental, separando-as. Um determinado momento foi reservado à loucura, a passagem do estado de uma experiência cósmica para um problema sócio-moral.
O Hospital Geral foi segundo Foucault (2005, p. 49) à: "primeira vista, trata-se apenas de uma reforma ? apenas de uma reorganização administrativa". O classicismo inventou o internamento e o século XIX o transformou em manicômios. Mas, a intenção do decreto que criou o Hospital Geral era impedir a vagabundagem e a ociosidade, a fim de acabar com o desemprego. Para lá foram mandado todos os mendigos e desempregados da época.
O termo manicômio surge e começa a ser empregado a partir do século XIX para designar o hospital psiquiátrico (lugar onde eram trancafiados os loucos), com a função especifica de dar atendimento médico especializado. Em 28 de agosto de 1793, Pinel assume a direção do Bicêtre, transformado no principal centro de cuidados médicos dos alienados, amparado pela previsão legislativa de 1790, determinando a construção de casas para os insensatos. Construído inicialmente para abrigar a pobreza, recepciona, loucos, velhos, indigentes, condenados e presos políticos da Revolução Francesa. Segundo Pessotti (2001, p. 145) foi depois se configurou pelo: "apego à observação, como modo de evitar distorções no conhecimento, devidas aos conceitos "nebulosos" da psicopatologia vigente, é exposto com clareza indiscutível".

Ao insistir sobre a ampla variedade de distúrbios físicos e morais na alienação, Pinel pretende convencer o leitor da possibilidade e utilidade de observar longa e repetidamente a conduta de seus pacientes, visto que as aberrações dela refletem a ocorrência e os tipos de lesões nas faculdades mentais (PESSOTTI, 2001, p. 153).

Foi a partir das observações e contribuições de Pinel que o enfoque sobre a loucura foi dado inicio a uma organização teórica dos estudos, dando em forma de concepção teórica da doença, como um compêndio moderno de normalização da loucura enquanto uma preocupação terapêutica, não que significasse o fim da visão sócio-moral. Apenas houve a seleção e separação de alguns tipos de alienação.
Ao contrario de Pinel, Foucault versa sobre os desvios de conduta comparando os valores dominantes da sociedade (a Burguesia principalmente) ele faz um enfoque das relações dos grupos sociais existentes. Querendo estabelecer o papel dos loucos e seus possíveis valores. Geralmente associados a uma loucura (doença). Então a historia da loucura foi concebida sobre as diversas categorias de homens e suas condutas aberrantes e por todas estas práticas a-sociais eram combatidos, presos e excluídos.
O tratado médico-filosófico sobre a loucura, escrito pelo médico Phillipe Pinel inaugura a nova Psiquiatria com fins especificamente médica, e à prática da psiquiatria? Porém todo esse avanço clínico obtido por ele representa e menciona o fim da generalização da loucura. Através do tratado foi possível um trabalho de observação dos vários tipos de alienação, a fim de evitar distorções acerca do diagnóstico preciso.
A libertação dos loucos das correntes propiciou o surgimento de sintomas e aspectos da loucura que antes não eram percebidos, e com isso uma melhor observação, passando a medicina a ter uma nova visão do louco, deixando de lado a experiência crítica e cósmica de exclusão e prisão. No século XIX Pinel, foi um dos primeiros a aplicar uma medicina alternativa, mas, mesmo assim o tratamento recebido pelo interno do manicômio continuava sendo uma prática de tortura e continuava distante das práticas médico-científico, não dispensavam os tratamentos físicos.
A concepção de loucura que enfoca Pinel versa sobre o entendimento da loucura como um rompimento do intelecto e da vontade, que refletiam diretamente no comportamento moral e no meio social, para isso, o médico usa o próprio Hospital como laboratório para suas observações.
A definição básica de loucura dada por Pinel em seu tratado era de que: o intelecto tinha sofrido uma lesão especifica da vontade ou no juízo. Portanto a loucura era uma forma inconsciente de dizer ou falar a verdade, eximindo o louco de culpa. Contudo a loucura como objeto de classificação ou percepção médica não passa despercebido da característica Moral e Social, Pinel apenas abre um leque da percepção médica enquanto doença mental. Segundo Foucault (2005, p. 48) "é entre os muros do internamento que Pinel e a psiquiatria do século XIX encontrarão os loucos". A internação psiquiátrica surgiu muito antes da própria psiquiatria enquanto especialidade médica com objetivos únicos de cura moral, estando a serviço da exclusão social.
Em alguns momentos Pinel funda uma percepção da loucura através da observação clínica, diagnosticando "lesões da sensibilidade física", adquirida. Mas, em grande parte ele formula suas observações pelos aspectos apresentados pelos pacientes, ingressando sempre nas ações moral da individualidade e o que isto representaria. No fundo toda essa preocupação clínica serve para esconder a preocupação com as ações desenvolvidas através de uma moral, que era sempre consequência do comprometimento social de cada um.
Esse comportamento moral tornava as pessoas incapazes de exercer seus deveres sociais e por isso eram trancafiados nos hospícios. O medo do desvio de comportamento contagiar outras pessoas .
Médicos e sábios iriam interrogar a loucura, no atual espaço que ela ocupa. O médico interrogará as práticas discursivas proferidas pelo louco, e o filósofo estabelecerá uma alternativa critica das relações discursivas analisando as ações morais e sociais do louco em seu convívio em sociedade.

Interrogar a natureza a respeito da razão, e a razão através da natureza. E se o acaso quisesse que, experimentando-as uma após a outra, surgisse, de sua própria diferença, uma resposta comum, se uma única e mesma estrutura pudesse ser isolada (FOUCAULT, 2005, p. 178).

Esse interrogatório em torno da loucura cria uma forma de universalidade sobre a mesma, foi através de uma experiência crítica da loucura que se estabeleceu novos preceitos que irão olhar por um lado patológico e libertará a loucura do internamento, onde estava junto com outros tipos e diferentes signos sociais.
Essa experiência possibilita ao médico um melhor observar do discurso do louco enquanto portador de uma verdade, o médico usa seu conhecimento sobre as práticas jurídicas, religiosas e discursivas e isola a loucura nos manicômios. Com o fim da experiência cósmica da loucura, que fizera dela um capitão em sua NAU, ficou uma necessidade de rever essa relação de saber e poder. Fixando no olhar médico o poder de diagnosticar a verdade sobre o doente.

O olhar não é mais redutor, mas fundador do indivíduo em sua qualidade irredutível. E, assim, torna-se possível organizar em torno dele uma linguagem racional. O objeto do discurso também pode ser um sujeito, sem que as figuras da objetividade sejam por isso alteradas. Foi essa reorganização formal e em profundidades, que criou a possibilidade de uma experiência clínica (FOUCAULT, 2006, p. XI).

O olhar médico no final do século XVIII, é responsável pela criação e organização de uma experiência clínica, foi através da anatomia patológica que pode o médico localizar o centro dos males sobre o corpo, criando uma ciência, proferida através do saber sobre a doença , segundo Foucault (2005, p. 178) "a loucura se retirou de antiga presença visível, e tudo aquilo que outrora perfazia sua plenitude real desapareceu agora, deixando vazio seu lugar e invisíveis suas manifestações certas".
Silencio-se e escondeu-se a loucura em sua própria verdade. A verdade não será mais o seu discurso e sim os lugares de reclusão.

A loucura é o lado desaparecido da ordem, que faz com que o homem venha a ser, mesmo contra a vontade, o instrumento de uma sabedoria cuja penalidade de não conhece; ela mede toda a distância que existe entre a previdência e a providência, cálculo e finalidade. Nela se oculta toda a profundidade de uma sabedoria coletiva e que domina o tempo. A partir do século XVIII, a loucura se deslocou imperceptivelmente na ordem das razões (FOUCAULT, 2005, p. 179).

Foi o momento da racionalização da loucura. De certo no inicio tentou-se generalizar as procedências das práticas médicas sobre a loucura, mas, não houve a observação das particularidades do discurso do louco.

A loucura é entendida como comprometimento ou lesão fundamental do intelecto e da vontade, e se manifesta no comportamento do paciente, nos sintomas, sob as mais variadas formas. Mas formas muito diferentes entre si podem ter em comum o fato de refletirem um determinado tipo de lesão da vontade ou do juízo. As propriedades que são comuns entre elas podem servir de critério de classificação e de diagnóstico (PESSOTTI, 2001, p. 146).

Na visão de Pessotti a loucura tem vários gêneros, apresentando várias formas quando se apresenta.
Com a criação dos locais de interdição ou para ser mais específico, com o surgimento dos manicômios, desaparece a loucura e entra em evidencia o louco em um novo espaço, preso a sua própria verdade, segundo Foucault (2005, p. 181) "nesse caso ela não se oferece como loucura: ela se apresenta sob os traços irrecusáveis do louco". Todo o olhar será direcionado somente para o louco, excluindo as silhuetas e contornos da doença.
Com o nascimento da clínica, a medicina irá oferecer uma oportunidade única, em desviar as atenções do indivíduo des-alienado moralmente e socialmente, para uma doença que requer cuidados. O conhecimento que o médico irá adquirir das doenças será o saber norteador de sua prática, passando ele a ter domínio de distinção, localização e classificação, direcionando o olhar periférico do médico para uma possível doença sobre o corpo.
No século XIX o fenômeno da loucura será flechado pelo olhar médico, criando e possibilitando a patologização e no surgimento de instituição de exclusão (manicômios), houve uma ruptura e se deu início a práticas coletivas de saúde, produzindo um discurso natural da medicina sobre a realidade social: iniciando a preocupação em torno do corpo que trabalha, sobre seu sofrimento, sua morte, através da doença, mas, para foi preciso se estabelecer práticas singulares de vigilâncias, criando relações de força e possibilitando criando uma nova ciência. Esta ciência que acabara de nascer tem como objetivo imediato a análise dos desvios do normal e em que sentido se constituía em patológico.
Foucault não identifica as consideráveis melhorias trazidas por Pinel na defesa das doenças mentais, pelo contrário, contestará as práticas médicas da época e o internamento como a única solução encontrada para lidar com a loucura e o domínio exercido pelas concepções médicas em seu tratamento, porque a história da loucura determina uma consciência critica do homem, que será percebida através do seu jogo de linguagem. Por outro lado delimitará o espaço da loucura como:
1) o oposto da razão, porque para o classicismo será a aparência que negará a verdade moral e afirmará a liberdade. A loucura está mergulhada em um abismo de verdades que se encontra numa terrível contradição entre o que é aparente e a verdade, presente na realidade aparente. Uma vez que no século XVI, a loucura faz as vontades das coisas superiores;
2) Foucault irá afirmar que: a loucura só tem seu devido valor no campo da razão. Fazendo parte paradoxal da razão humana;
3) foi feita uma arqueologia do banimento da loucura, e um silêncio formou-se entre psiquiatria e loucura, imposta pela razão e sua verdade racional. A razão tentou submeter sua verdade a loucura, através da força de seu discurso de exclusão. Criando uma visão a partir do olhar médico, que necessariamente é a verdade do louco.
Portanto, a loucura clássica estabelece um novo modelo social, dentro de um vasto espaço geográfico, fechando a ele mesmo dentro de uma delimitação imposta pelos fatos moralistas. As evidências mostram que para a compreensão da loucura Foucault usa métodos arqueológicos, através de um estudo mais detalhado desse novo modelo social, afirmando que através da limitação ao espírito errante que se instituiu a exclusão social como loucura, criando estereótipos moralistas, disciplinando os saberes e a verdade em torno da loucura. Para dar conta com precisão do momento exato e as condições necessárias que possibilitaram para o surgimento da psiquiatria, Foucault tem no saber patológico, social e médico um campo próprio de investigação, todo argumento teórico percorre uma análise do saber-poder, sobre questões sociais.


Bibliografias



FOUCAULT, Michel. História da loucura: na idade clássica; tradução José Teixeira Coelho Neto. 8° ed. São Paulo: perspectiva, 2005.

FOUCAULT, Michel. O Nascimento da Clínica, Trad. De Roberto Machado. 6ª Edição, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2006.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder, Trad. De Roberto Machado. 7ª Edição, Rio de Janeiro, Graal, 1979.

FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Tradução: Luiz Felipe Beata Neves. 7ª Ed. Rio de Janeiro. Forense Universitária. 2007.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola. 17ª edição, 2008.

MACHADO, Roberto. Ciência e Saber: a trajetória da arqueologia de Michel Foucault. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1981.

HUGHES-WARRINGTON. Marnie. Os 50 grandes pensadores da história: tradução Beth Honorato. São Paulo: contexto, 2002.

PESSOTTI, Isaias. A loucura e as épocas. São Paulo. Ed. 34. 2001.


Autor: Leonildo Dutras De Oliveira


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