A Universidade: Possibilidades E Desafios Na Educação Dos Surdos Brasileiros



Danielle Alves de Santana
Pós - Graduanda em Docência para o Ensino Superior, Graduada em Pedagogia Licenciatura Plena e Habilitada em Supervisão escolar.

RESUMO

Tendo como foco principal o ingresso dos surdos no Ensino Superior Brasileiro, partindo-se do pressuposto que as universidades e o corpo docente deveriam estar pedagogicamente preparados para atender o processo de aprendizagem dos grupos sociais diversificados que carecem de recursos para desenvolver suas habilidades, a presente análise aborda a temática dos mecanismos de acessibilidade e inclusão social numa perspectiva humanista, procurando potencializar e qualificar os surdos, dando oportunidades que promovam a inserção no processo educacional do Ensino Superior, respeitando a “diferença” aparentemente apresentada, possibilitando assim, formas de aprendizado diversificado em compromisso com a formação universitária desses cidadãos.

PALAVRAS-CHAVE: Surdos, universidade, inclusão, oportunidade.

Surdos universitários: conquistas e conflitos no processo de aprendizagem

Desde os primórdios da humanidade que os povos utilizavam as mais diversas formas de linguagem e expressão para manter uma comunicação e assim chegar a um objetivo comum ao que se pretenderia alcançar. Pessoas de diferentes raças, oriundas das mais diversas regiões do mundo mantinham sua maneira de correlacionar com seus grupos. A partir dessa necessidade de comunicação, deu-se o que chamamos de linguagem. Voltando-se para as pessoas surdas, essa linguagem é proporcionada através de gestos manuais, faciais, membros do corpo e algumas vezes seguidos de sons, tudo simultaneamente para atingir a um objetivo a que se quer transmitir. Todas essas expressões são chamadas de “Língua de Sinais”. A necessidade de aprender e conhecer diferentes conceitos, intensificava-se com o surgimento dessa chamada “língua”, até então desenvolvida e utilizada somente pelos surdos, assemelhando-se às mímicas, para indicar o que deseja. À medida que poderiam manter essa comunicação, aumentava a necessidade de instruir-se mais e mais.

Até o final do século XV, não existiam escolas especializadas para os surdos, pois na época, eles eram considerados pela sociedade incapazes de serem ensinados como pessoas normais. Por isso, as pessoas surdas foram excluídas do convívio social, consideradas como loucas e muitas tiveram sua sobrevivência prejudicada.

Apesar desse preconceito generalizado, alguns educadores na intenção de auxiliar essa classe “excluída e marginalizada” da sociedade, desenvolveram métodos básicos que facilitassem a comunicação entre todos. Essa comunicação incluía a “língua” utilizada pelos surdos naquela época com alguns gestos e sons desenvolvidos pelos educadores. Foi a partir dessa junção que se deu o desenvolvimento da “Língua de Sinais” que conhecemos hoje, a qual proporciona gradativamente uma facilidade no diálogo entre surdos e ouvintes, rompendo um pouco dessa “barreira” existente entre o mundo silenciado e as pessoas que eram consideradas pela sociedade como normais.

Dentre os principais educadores dos surdos, pode-se destacar como sendo o primordial no desenvolvimento e na educação dos não ouvintes, o Professor francês Abbé Charles Michel de I’epee. Percebendo a necessidade que esses indivíduos possuíam de comunicar-se, em meados do século XIX I’epee resolveu juntar um grupo de surdos em um espaço escolar público nos subúrbios de Paris e criou métodos de comunicação que facilitasse a vida daquelas pessoas na época. Do ponto de vista do desenvolvimento dos surdos brasileiros, o professor I’epee foi um grande facilitador no processo de surgimento da Língua Brasileira de Sinais.

A partir de então, vários institutos foram desenvolvidos no mundo, tendo como alicerce os princípios de I’epee. Em termos de Brasil, a educação dos surdos também teve seu principal ponto de partida os métodos de ensino desse professor. Foi por intermédio dele que Dom Pedro II, sensibilizado com a problemática da inclusão social desde aquela época, convidou para o país o professor Huet, um surdo aprendiz dos métodos de comunicação do professor I’epee com o intuito de desenvolver técnicas facilitadoras para nossos não ouvintes. A partir dessa vinda, em 1857, no estado do Rio de Janeiro, surge o primeiro instituto educacional brasileiro dos surdos: Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES).

Associando-se a língua de sinais trazida da França pelo professor Huet com os métodos de comunicação que os surdos utilizavam aqui no Brasil naquela época, houve uma junção de sinais e gestos manuais, corporais e visuais os quais possibilitaram o surgimento da verdadeira Língua de Brasileira de Sinais (LIBRAS).

No INES, os surdos oriundos de diversas partes do país, eram escolarizados, recebiam as primeiras lições estudantis e realmente desenvolviam suas capacidades intelectuais e profissionais até então discriminadas pela sociedade. Aos dezoito anos retornavam aos seus locais de origem levando consigo o que aprenderam no INES e consequentemente a LIBRAS.

Registros históricos mostram que com o desenvolvimento desses institutos, cujo principal objetivo ainda em dias atuais é o aprimoramento do ensino voltado à formação profissional, que se criou a primeira universidade dos surdos no mundo em 1864, localizada em Washington, denominada de “Gallaudet University”, tendo como primeiro diretor o Edward Gallaudet.

Partindo desses aspectos históricos, percebe-se que as pessoas surdas não são como alguns consideram “deficientes”. Eles desenvolvem capacidades e saberes variados a partir da convergência de trocas de conhecimentos, assim como uma pessoa considerada “normal” pela sociedade. O educador deve estar apropriado para a realidade e saber trabalhar com as diferenças. Para Teixeira (2005), não há nenhuma educação que não seja especial ou especializada. O modo de tratar essa especialidade é que faz com que o meu conhecimento possa, ou não, atingir a fase de generização.

No entanto, o ingresso dessas pessoas na universidade ainda é considerado tanto quanto restrito e limitado, pois requer aprimoramento nas técnicas de ensino dos docentes. Algumas instituições estão preparando-se para que haja essa interação, aprimorando os conhecimentos e incluindo a LIBRAS no contexto curricular, tendo em vista que essa língua, assim como outras línguas, possui sua estrutura gramatical diferenciada e um caráter particular. O modo de escrever e de interpretar, baseando-se na modalidade gestual-visual é bem diversificado, proporcionando uma distinção extremamente nítida diante dos parâmetros gramaticais tradicionais da nossa língua portuguesa, o que se torna o fator provocador para que ainda haja a exclusão.

Faz-se necessário que o docente tenha uma preparação específica para entender indivíduo, tornando-se, desse modo, uma espécie de professor facilitador adaptando-se ao processo de aprendizagem desses alunos, ajudando-o dessa maneira a desenvolver o raciocínio lógico para que haja assimilação do conteúdo acadêmico.

Pesquisas realizadas mostram que as universidades estão voltando-se cada vez mais para essa questão e incluindo-se no processo de interação cultural e aderindo aos intérpretes de LIBRAS e Língua Portuguesa para auxiliar na seleção de candidatos nos concursos de vestibulares, possibilitando um aproveitamento maior tanto nas provas, quanto nas redações dos alunos. Em sala de aula, os intérpretes auxiliam na tradução das explicações dos professores, facilitando desse modo à comunicação, possibilitando consequentemente o desenvolvimento das práticas pedagógicas igualitárias.

Algumas universidades brasileiras, tanto públicas quanto privadas, já se consideram adaptadas para o ingresso desses alunos, porém, ainda há um número considerado pequeno de surdos frequentando as salas de aula por falta de recursos apropriados.

“Do ponto de vista técnico pedagógico do direito, os excepcionais necessitam receber, na medida do possível, um tratamento dentro do quadro do ensino comum, como preconizava a Lei 4.024, de 1961 (Primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), e por igual justo que se lhes sejam propiciados ensino [...] destinados a atender às suas necessidades específicas, posto que são notáveis os obstáculos que dificultam e até mesmo impedem os deficientes [...]de se beneficiarem dos programas comuns de educação.”(MACIEL, 1987,p.153)

Baseando-se nesse ponto de vista, tem-se conhecimento que o primeiro vestibular voltado realmente às necessidades surdas e com professores ministrando as aulas somente em LIBRAS aconteceu no INES, realizado em fevereiro de 2006 e teve como oferta os cursos de Licenciatura em Língua Portuguesa e Língua de Sinais. Os alunos sairão habilitados para atuar na educação e nas séries iniciais do ensino fundamental. Foram ofertadas inicialmente 60 vagas destinadas para a comunidade, sendo que 30 são para surdos com perda total da audição. As provas são objetivas e de múltipla escolha assim como o vestibular tradicional, possuindo 80 questões distribuídas entre as matérias do ensino médio juntamente com uma prova oral sobre o conhecimento da LIBRAS.

Dessa forma, nota-se que as instituições de ensino superior começam a apresentar formas de inserção em comunidades e contextos, que até algum tempo atrás era visto como algo difícil e complicado de acontecer. Como assegura Maciel (1987, p.169) “Estamos vencendo nossas crises com paciência, obstinação e devotamento [...] Manifestamos por isso, a profunda convicção de que os problemas que afligem a educação brasileira, em geral, e as nossas instituições universitárias, em particular, não são insuperáveis nem insolúveis”.

Assim sendo, é possível concluir que o ingresso dos surdos nas universidades é uma conquista, contudo, marcada por lutas constantes contra o preconceito e a falta de formação profissional. O essas pessoas mais necessitam é de oportunidades igualitárias que promovam o seu desenvolvimento, respeitando as diferenças de cada indivíduo, permitindo para esses cidadãos uma participação íntegra na sociedade tornando-os capazes de exercer um ofício.

A formação do corpo docente nas universidades brasileiras

Para trabalhar com essa realidade, faz-se imprescindível respeitar as individualidades, atendendo as demandas pessoais e sociais dos indivíduos surdos. A preparação de professores para enquadrar-se nas normas que possibilitam que o professor assuma um papel mútuo na relação ensino-aprendizagem dos não ouvintes é ainda um tanto quanto precária. Nem todo o corpo docente está profissionalmente preparado para ministrar e discutir assuntos relacionados às diversas áreas no campo educacional com esses alunos, pelo fato de não terem domínio da LIBRAS e por não haver dentro das salas de aula intérpretes traduzindo para os não ouvintes os assuntos abordados no contexto escolar.

A necessidade de aperfeiçoamento para enquadrar-se dentro das normas educacionais inclusivas torna-se essencial à medida que aumenta a integração dos surdos nas universidades. De fato, todos são capazes de aprender na mesma maneira, respeitando as diferenças que cada indivíduo apresenta, mas é preciso que haja antes de tudo um compromisso ético do corpo docente.

Como afirma Souza, (2005, p.161) “É um desafio para a escola e para a sociedade como um todo, mas acreditamos que a inclusão é uma utopia possível. A escola, até hoje não encontrou a forma adequada para a inclusão”. Os educadores devem criar possibilidades, interagindo-se às sistematizações apropriadas, assumindo uma postura compreensiva, possibilitando a pluralidade e administrando a “diferença” aparentemente existente, para que, de tal modo, haja no âmbito escolar a integração social, admitindo que a pessoa surda amplie seus horizontes acadêmicos.

O educador deve ser um referencial para esses educandos, transmitindo segurança e esclarecendo bem suas idéias, para que assim, essas pessoas participem do sistema educacional superior como um todo, dando espaço para que esse aluno possa participar dos métodos discursivos em sala de aula, permitindo uma correlação entre alunos e professores.

A partir dessa perspectiva, o corpo docente deve desenvolver capacitações de ensino de maneira íntegra, indo além das fronteiras didáticas. Os professores precisam humanitariamente possibilitar que seus alunos desenvolvam suas potencialidades, ajudando-os nos mais variados assuntos, para que consequentemente as barreiras preconceituosas sejam exterminadas.

No entanto, faz-se necessário que os educadores tenham convicção de que educar essas pessoas requer dedicação e amor ao ofício profissional. O professor não pode analisar esse aluno como simplesmente uma pessoa surda que precisa de ajuda. Esses indivíduos são capazes, assim como todos os outros de desenvolver-se fluentemente. Para isso, basta que o professor tenha a qualificação profissional necessária, ajudando a quebrar esses paradigmas. Souza; Silva (2005) afirma que é preciso que haja um compromisso ético do professor ao tentar responder adequadamente às diferentes situações que surgirão, na maioria das vezes, de forma imprevisível. É necessário entendimento diante de situações que estão fora do seu próprio contexto de vida, de forma a enfrentar adequadamente o ocorrido, fazendo deste uma oportunidade de aprendizagem.

É imprescindível que Sistema Escolar do Ensino Superior Brasileiro inclua no currículo dos docentes propostas de especialização educacional voltadas exclusivamente às necessidades das pessoas que querem enquadrar-se no Sistema. A partir dessa perspectiva, a Lei de Diretrizes de Bases da Educação Brasileira (LDB), em seu artigo 59, § III determina que os sistemas de ensino assegurem aos educandos com necessidades especiais que professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a interação desses educandos nas classes comuns.

Dessa forma, o corpo docente precisa de oportunidades de formação continuada para exercer uma atividade de compromisso que permita a preparação para qualificar esses indivíduos, advindos de todas as classes sociais, realizando cursos nas diversas áreas de atuação e assim, tornando-os multiplicadores no conceito da prática da inclusão lutando contra o preconceito e as dificuldades encontradas na busca pelo direito de exercer a cidadania.
Essa temática, portanto, provoca uma altercação envolvendo ainda muitas controversas e questões de aprimoramento, haja vista que esse processo de qualificação ainda é um desafio para a maioria dos educadores que ainda não se encontram preparados e adaptados para enfrentar essa realidade e não estão habituados a trabalhar com a diversidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Livros

BRASIL, Ministério da Educação. Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica. Secretaria de Estado de Educação Especial – MEC; SEESP, 2001.

BROCK, Colin; SCHWARTZMAN, Simon. Os desafios da educação no Brasil / organização de Simon Schwartzman e Colin Brock; tradução de Ricardo Silveira – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.

MACIEL, Marco. Educação e liberalismo. Rio de Janeiro: José Olimpio, 1987.

POMPEU, Gina Vidal Marcílio. Direito à educação: controle social e exigibilidade judicial. Rio de Janeiro - São Paulo - Fortaleza: ABC Editora 2005.

SOUZA, Rita de Cácia Santos; SILVA, Greice Fabiane Santos. Inclusão na diversidade: um desafio para os educadores. In: Revista da Faced: UFBA, 2005.p.239 – 251 nº09.

SOUZA, Rita de Cácia Santos. Educação Especial em Sergipe: uma trajetória de descaso, lutas, dores e conquistas. Aracaju: Universidade Tiradentes, 2005.

TEIXEIRA, Anísio Spínola. A educação e a crise brasileira/ Anísio Teixeira; apresentação de Marcos César de Freitas; prefácio de Alberto Venâncio Filho, Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005. (Col. Anísio Teixeira; V.5)424p.

Legislação

CÂMARA DOS DEPUTADOS. LDB: Lei de Diretrizes e bases da educação nacional. 2. Ed. Brasília: Gabinete do Dep. Federal Ivan Paixão, 2001.
Referências Eletrônicas

DIAS, Vera Lúcia Lopes. Educação e surdez: um paradigma pedagógico. Rio de Janeiro, 29 de Set. 2007. Disponível em:
Acesso em 30 Set.2007.

FALCÃO, Luiz Albérico. Acessibilidade, inclusão social e educação de surdos: um paradigma em foco. Pernambuco, 2006. Disponível em:
Acesso em 29 Set. de 2007.

Autor: Danielle Santana


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