REFORMAS EDUCACIONAIS DOS ANOS 90 E A PROPOSTA DE PROTAGONISMO JUVENIL NO GRÊMIO ESTUDANTIL.



A política educacional adotada no Governo de Fernando Henrique Cardoso nos anos noventa do século passado, oriundas das discussões ocorridas na Conferência Mundial sobre Educação para Todos realizada em 1990 e posteriormente ratificadas na legislação educacional elaborada a partir da redemocratização do país no fim da década de 80 do século passado transferiu para a comunidade escolar a responsabilidade pela eficácia, eficiência, produtividade e excelência da escola, que por meio de parcerias e trabalho voluntário, operacionaliza soluções imediatas para seus problemas. Um dos desdobramentos dessa política se manifesta no protagonismo juvenil, apresentado como proposta inovadora no âmbito do Grêmio Estudantil, na perspectiva do envolvimento da juventude numa prática social que poderia ser entendida como tendencial e predominantemente voltada para a despolitização de seus sujeitos. Neste sentido, consideramos duas dimensões que delimitam esse processo: a origem e os desdobramentos históricos do movimento estudantil secundarista e a estratégia reformista, especificamente no âmbito da educação escolar, desenvolvida pelo Estado brasileiro a partir dos anos 90 do século passado. A produção deste escrito traduz parte de pesquisa (bibliográfica, documental e exploratória) desenvolvida na rede estadual de ensino de Sorocaba/SP no ano de 2007 e busca observar e problematizar a atuação dos Grêmios Estudantis a partir das reformas educacionais dos anos 90 do século passado, tendendo a crer que a organização e o funcionamento desta entidade estudantil enquanto um espaço de formação dos indivíduos assume características assistencialistas que despolitiza a ação de seus sujeitos, eliminando da discussão toda e qualquer premissa política e ideológica, indicando ao jovem que estas determinações são para o futuro e que não fazem parte da sua construção enquanto ser humano.

Apresentação

O texto apresentado filia-se à Linha de Pesquisa Trabalho Docente do programa de Mestrado em Educação da Universidade de Sorocaba/SP e traduz parte de pesquisa1 em andamento, desenvolvida nas escolas da rede pública estadual da cidade de Sorocaba/SP com a finalidade de observar e problematizar o papel do Grêmio Estudantil.A problematização que orienta esse campo investigativo é a de entender se: a partir das reformas educacionais ocorridas na década de 90 do Século passado, a proposta de participação no Grêmio com base no denominado protagonismo juvenil é tendencial e predominantemente uma prática formativa voltada para a despolitização dos seus sujeitos?

Uma possível resposta a esta indagação deve considerar duas dimensões que delimitam esse processo: a origem e os desdobramentos históricos do movimento estudantil secundarista e a estratégia reformista, especificamente no âmbito da educação escolar, desenvolvida pelo Estado brasileiro a partir dos anos 90 do Século passado.

O movimento estudantil organizado surge com a criação da União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1937 e posteriormente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) em 1948.A presença marcante desse movimento social enfrentaria com o golpe militar de 19642 e a promulgação do Ato Institucional n.º 53, em 1968, um processo de desarticulação política derivado da ação repressiva dos governos militares e de seus mecanismos criados na perspectiva de extinção dos canais representativos da sociedade civil: sindicatos, partidos políticos e entidades estudantis.No lastro da reorganização do movimento social, o movimento estudantil retorna ao cenário político no início da década de 80, caracterizando um período histórico de redemocratização materializado dentre outros processos pela promulgação de uma nova Constituição Federal e a eleição direta de Fernando Collor de Mello para Presidente de República em 19904.

Nesse contexto marcado pelas feições neoliberais das práticas políticas desenvolvidas pelos setores socialmente dominantes, a educação escolar é submetida a um progressivo e intensivo processo de privatização.Para Silva (2002) a escola passa a ser vista como espaço de múltiplas atividades e o local ideal para a materialização de um projeto político de formação de mão de obra apta ao atendimento de novas tecnologias para um novo industrialismo.

Esse processo em consonância com os interesses dos organismos internacionais (Banco Mundial, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, Fundo Monetário Internacional e a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, por exemplo) define a educação básica como prioritária e atribui a todos os setores da sociedade a tarefa de manutenção da educação, seguindo as orientações da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada na Tailândia em 19905.A prioridade sinalizada para a educação básica potencializa a presença das entidades representativas da comunidade escolar como o Grêmio Estudantil, a Associação de Pais e Mestres e o Conselho de Escola.

Tanto no Governo de Fernando Collor de Mello quanto no Governo de Itamar Franco, a educação assume a responsabilidade pelo resgate da dívida social e de instrumento de aumento da competitividade da produção nacional.Com a eleição de Fernando Henrique Cardoso em 1994, tem-se a formulação de propostas que incentivam a participação da comunidade escolar em trabalhos e ações solidárias e voluntárias, difundindo-se uma prática aparentemente democrática na gestão educacional, onde o Estado mínimo surge apenas como regulador e avaliador das ações. Neste sentido, Frigoto (1995, p. 83-4) faz a seguinte crítica sobre esta questão:

A idéia-força balizadora do ideário neoliberal é a de que o setor público (o Estado) é o responsável pela crise, pela ineficiência, pelo privilégio, e que o mercado e o privado são sinônimos de eficiência, qualidade e equidade.Desta idéia-chave advém a tese do Estado mínimo e da necessidade de zerar todas as conquistas sociais, como o direito a estabilidade de emprego, o direito à saúde, educação, transportes públicos, etc.Tudo isso passa a ser regido pela férrea lógica das leis do mercado.Na realidade, a idéia de Estado mínimo significa o Estado suficiente e necessário unicamente para os interesses da reprodução do capital (grifo do autor).

Este projeto neoliberal na educação se estabelece com o Plano Decenal de Educação e a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96.É neste momento, que o Grêmio Estudantil ganha uma nova definição dentro da unidade escolar, tendo como tarefa central a realização de ações voluntárias orientadas por propostas de sensibilização da juventude para a necessidade do trabalho solidário.O núcleo dessas iniciativas reside no denominado protagonismo juvenil, que tendem a ocupar o tempo livre dos jovens envolvendo-os em uma prática que tem na resiliência seu caminho ideal e que objetiva a busca de soluções imediatas dos problemas que surgem na comunidade escolar e/ou no seu entorno.

O Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Estado da Educação elabora vários documentos incentivando a construção do Grêmio Estudantil e direcionando o trabalho a ser desenvolvido atendendo as diretrizes da nova política educacional.Segundo Andrade (2002, p. 71-2), a proposta de educação feita pelo Instituto Euvaldo Lodi (IEL) da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) ressalta que: "O que se pretende é que a escola, pela própria natureza do papel que possui no processo de socialização de uma grande massa de pessoas constitua-se num espaço de irradiação e consolidação de valores e atitudes configuradores desta 'nova ordem' [...]".

Andrade (200, p. 71-2) afirma ainda que para o IEL e a CNI

[...] o currículo [...] deve encontrar-se orientado na direção de um vínculo mais orgânico com as mudanças correntes no mundo da produção, criando as condições para que os alunos participem de um processo de aprendizagem que possibilite um "acostumamento" destes com as idéias e princípios que embasam as formas contemporâneas de inovação tecno-organizacional (grifo do autor).

A política educacional proposta pelos organismos internacionais e sua assimilação pela legislação educacional reformada na década de 90 do Século passado, é o que será abordado no próximo item.

Os órgãos internacionais e a legislação educacional brasileira

Após o período ditatorial demarcado pelo Golpe militar de 1964 a sociedade brasileira enfrenta um processo de redemocrtatização que tem seus primeiros sinais na década de 80 do Século passado.Demonstrações do novo quadro político se referenciam na Campanha das Diretas Já e na promulgação de um Nova Constituição Federal.

É também na década de 80, que o Banco Mundial sistematizou documentos que tratavam das políticas estratégicas voltadas para as áreas sociais e educacionais.Desde então, o Banco Mundial apresenta um aumento expressivo de empréstimos para a educação, particularmente voltado para a educação básica, com investimentos na produção de textos escolares e capacitação dos docentes (TORRES, 1998).

Em 1989, com a eleição de Fernando Collor de Mello, o Brasil adota uma proposta filiada ao ideário neoliberal de desregulamentação da economia, da formulação de um novo pacto social, de intensiva e extensiva privatização das políticas sociais, de ajuste fiscal e de outra séries de medidas que no campo educacional se materializam no alinhamento do Governo Federal brasileiro às políticas estratégicas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, processo que se acelerou a partir de 1991 (NEVES 1995).

Consolidando a presença de órgãos internacionais na definição de políticas educacionais mundiais, ocorre no ano de 1990 a Conferência Mundial sobre Educação Para Todos, na Tailândia, onde se elabora um plano de ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem, entendida como um empreendimento a longo prazo, ou seja, crianças, jovens e adultos devem ter condições de aprender a ler, escrever, se expressar oralmente fazer cálculos e solucionar problemas, tendo acesso aos conteúdos básicos de aprendizagem  habilidades, valores e atitudes  de forma que possam viver e trabalhar com dignidade, além de continuar aprendendo.

Da mesma forma, em 1991, a Conferência Geral da UNESCO, convocou uma comissão internacional7 que se encarregou de refletir sobre a educação para o século XXI, tendo como questão principal a educação do amanhã e o papel que esta deverá desempenhar num mundo em constante mudança, dando origem ao documento denominado Relatório Delors.

Outro documento elaborado por agências internacionais é "Educação e Conhecimento: eixo da transformação produtiva com equidade"8 produzido em 1992, pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e a Oficina Regional de Educação para a América Latina e o Caribe (OREALC), trazendo em seu conteúdo as tarefas prioritárias para o desenvolvimento da América Latina e do Caribe nos anos 90 (CEPAL, 1992).

Na proposta intitulada "Transformação produtiva com equidade", o referido documento destaca a necessidade de consolidar a democracia e promover a equidade, a coesão social e a moderna cidadania.Defendendo a necessidade do desenvolvimento de uma nova cidadania e aliando a educação escolar ao trabalho produtivo, afirma-se que o progresso técnico é o pivô da transformação produtiva, compatibilizando a democratização política com a equidade social (CEPAL, 1992).

Há, portanto, toda uma discussão nas agências internacionais no sentido de promover um novo tipo de cidadão, que deverá ser forjado na escola, tornando-se flexível e adaptável.O governo brasileiro inicia neste contexto a implementação de uma política educacional reformista referenciada na formação básica da classe trabalhadora visando a educação para o mundo do trabalho e para a cidadania (FALLEIROS, 2005).

A concepção das agências internacionais sobre a formação do novo cidadão e a implementação e manutenção da política neoliberal nos países em desenvolvimento  neste caso no Brasil - se desdobra na definição das políticas educacionais adotadas, inicialmente no Governo Collor, mas principalmente no Governo FHC sendo que a escola passa a ser um aliado decisivo para a reprodução destes ideais.

Enquanto setores progressistas da área da educação discutiam a necessidade de uma gestão escolar democrática, o Banco Mundial formulava sua política para a América Latina, segundo modelo proposto pelo neoliberalismo, conforme afirmação de Rosar (1999, p. 3):

Na perspectiva de funcionamento de um Estado Mínimo, segundo a lógica neoliberal, configura-se uma escola municipalizada e "administrada de forma democrática com a participação da comunidade", que deve ser responsável, juntamente com docentes e alunos, pela produção da qualidade total.Também sob a mesma lógica, ao processo de globalização da economia deve corresponder um processo de descentralização, portanto o ensino fundamental deve ser municipalizado e as escolas devem ser autônomas, de modo que se viabilize, ao mesmo tempo, concentrar recursos no governo central, destinando-os às operações financeiras de expansão do capitalismo financeiro, enquanto tornam-se cada vez mais restritos os investimentos nos setores dos serviços públicos que, na realidade, vão progressivamente sendo privatizados, sob diferentes modalidades de terceirização, de convênios, de parcerias, de sistemas de cooperativas, etc.

Soares (1998, p. 15) afirma que o Banco Mundial "[...] exerce profunda influência nos rumos do desenvolvimento mundial, [...] desempenhando papel estratégico no processo de reestruturação neoliberal dos países em desenvolvimento, por meio de ajustes estruturais." Arruda (1998, p. 85) complementa esta afirmação argumentando que o Banco Mundial, por meio do financiamento de projetos encaminhados por Organizações Não-Governamentais (ONG´s) comprometidas com políticas sociais e fundadas em valores como o altruísmo e o trabalho voluntário, define para o desenvolvimento da América Latina e Caribe a necessidade de concentrar recursos nas áreas sociais, fortalecendo o estabelecimento de parcerias que tenham como prioridade a educação básica.

Ainda pela proposta do Banco Mundial há a necessidade de maior participação dos pais e da comunidade, facilitando o desempenho da instituição, sendo sugerido que haja por parte desta comunidade escolar envolvimento financeiro que possibilite a sustentação da infra-estrutura escolar (TORRES, 1998).

Ratificando esta afirmação, Torres (1998, p.137) considera que:

A noção de participação na educação está cada vez mais fortemente contaminada pelo aspecto econômico.Quatro riscos são atribuídos a essa maior participação das famílias no âmbito escolar: (a) uma maior dificuldade para impulsionar objetivos nacionais amplos (tais como a educação da menina); (b) incremento da segregação social; (c) estímulo à desigualdade (ao depender cada escola das condições econômicas da comunidade e das famílias) e (d) limitações derivadas da falta de informação e educação dos pais.

A Conferência Mundial de Educação para Todos, ocorrida em 1990 em Jontiem na Tailândia, patrocinada pelo Banco Mundial e outras agências internacionais constituiu-se num marco reordenador das políticas educacionais para os países em desenvolvimento, relativizando o dever o Estado para com a educação, atribuindo a todos os setores da sociedade a tarefa de manutenção desta, afirmando que:

Para que as necessidades básicas de aprendizagem para todos sejam satisfeitas mediante ações de alcance muito mais amplo, será essencial mobilizar atuais e novos recursos financeiros e humanos, públicos, privados ou voluntários.Todos os membros da sociedade têm uma contribuição a dar, lembrando sempre que o tempo, a energia e os recursos dirigidos à educação básica constituem, certamente, o investimento mais importante que se pode fazer no povo e no futuro de um país (BRASIL, 2006, s/p.).

Dividida em 10 artigos, e complementada com um Plano de Ação a Declaração defende a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, trabalhando sempre pela paz e pela solidariedade.Apresenta dados sobre a falta de acesso e permanência à educação, e conseqüentemente, a ausência de habilidades e conhecimentos9 necessários para a adaptação dos indivíduos às mudanças sociais, culturais e tecnológicas do novo milênio (BRASIL, 2006).

Em resumo, a Declaração traz em seu texto a necessidade da cooperação entre as nações para o progresso, o fortalecimento de alianças no sentido de promover programas alternativos que envolvam a comunidade e o setor privado, buscando-se não apenas a garantia da educação formal, mas também a viabilização de programas de educação não-formal, onde se assegure o acesso eqüitativo, participação contínua e aquisição da aprendizagem.Será necessário então formar-se uma ampla gama de colaboradores, que realizem ações conjuntas, onde a cooperação bilateral e multilateral criem o espírito de parcerias, garantindo desta forma uma educação que atenda a todos, particularmente voltada para as necessidades do denominado mundo do trabalho.

Depois de participar da realização da Conferência Mundial sobre Educação para Todos em 1990, a UNESCO propõe a constituição de uma comissão, que promoveu entre 1993 e 1996, uma série de encontros e debates relativos à educação, dando origem ao Relatório Delors.

Presidida por Jacques Delors10, a comissão possuía mais catorze personalidades de várias regiões do mundo, que deveriam propor perspectivas políticas e educacionais, visando à cooperação e à ajuda internacional.Em seus princípios, elenca seis itens fundamentais, reafirmando a educação como um direito da pessoa humana, associando-se sempre equidade, pertinência e excelência e enfatiza a necessidade de difundir valores como tolerância, compreensão mútua, democracia, universalidade, entre outros.

O resultado destas discussões é o documento "Educação: Um tesouro a descobrir. Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI", que define a educação como "[...] um trunfo indispensável à humanidade [...]" contribuindo decisivamente para o recuo da "[...] pobreza, exclusão social, as incompreensões, opressões e as guerras". "[...] com especial responsabilidade na edificação de um mundo mais solidário", conforme texto constante do livro organizado por Jacques Delors et al, com o título: "Educação, um tesouro a descobrir" (DELORS, 1999, p.11).

Segundo o relatório, cabe à educação, implantada de forma flexível e diversificada, potencializar o talento e a criatividade de cada um, já que este se tornará responsável pela execução de seu projeto de vida.Abarcando o conceito de educação ao longo da vida, apresenta os quatro pilares da educação ou pilares do conhecimento11.

Quando trata da participação democrática, o relatório define a escola como responsável pela preparação "[...] de cada pessoa para esta participação, mostrando-lhes os seus direitos e deveres, mas também, desenvolvendo as suas competências sociais e estimulando o trabalho em equipe na escola" (DELORS, et al, 1999, p. 60-61). E afirma que cabe à escola básica assumir "[...] a instrução cívica concebida como uma alfabetização política elementar. Fazendo com que a escola seja um "[...] modelo de prática democrática que leve as crianças a compreender, a partir de problemas concretos, quais são seus direitos e deveres" (DELORS, et al, 1999, p. 61).

O Relatório apresenta ainda a necessidade da participação dos jovens em ações humanitárias declarando:

A educação formal deve, pois reservar tempo e ocasiões suficientes em seus programas para iniciar os jovens em projetos de cooperação, logo desde a infância, no campo das atividades desportivas e culturais, evidentemente, mas também estimulando a sua participação em atividades sociais: renovação de bairros, ajuda aos mais desfavorecidos, ações humanitárias, serviços de solidariedade entre gerações (DELORS, et al, 1999, p. 99).

Neste sentido, o Relatório não só credita à escola o papel de difusora da prática solidária, humanitária e voluntária, como também alia a esta prática um caráter democrático e participativo, transferindo para a comunidade escolar em geral a responsabilidade pela resolução imediata de seus problemas, concluindo que desta forma, é possível a construção de uma sociedade civil ativa com um cidadão solidário.

Para viabilizar esta política, e legalizar os novos procedimentos temos a elaboração do Plano Decenal de Educação para Todos, base para a elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE), que efetivamente marca a formalização por parte do governo brasileiro das proposições formuladas nos foros internacionais, visando a melhoria da educação básica e a Conferência Nacional de Educação para Todos, realizada em Brasília-DF, no ano de 1994.

Ainda como desdobramento destas discussões, temos o Plano Decenal de Educação (PDE) a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9394/96, a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), e por fim o Plano Nacional de Educação.

A partir do ano 1998, vários relatórios são produzidos com o objetivo de apresentar os resultados alcançados na década da educação após a implantação da LDB, PCN's, DCNEM,s e PDE e PNE.A seguir apresento algumas dessas avaliações elaboradas pelo MEC/INEP, - Relatório EFA e Avaliação da Década Educação Para Todos - e também pelo Programa de Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe (PREAL).

É nesse contexto que a agenda reformista vislumbra a importância do Grêmio Estudantil. Para os fins deste escrito nos atemos à presença do Grêmio Estudantil na cidade de Sorocaba (SP).

O Grêmio Estudantil na cidade de Sorocaba

Com a reconstrução das entidades nacionais, estaduais e municipais, a promulgação da Lei do Grêmio Livre e a reorganização do Grêmio Estudantil, o Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Estado da Educação elabora um documento incentivando a otimização do Grêmio Estudantil, no sentido de fortalecer práticas democráticas.

O documento (editado como cartilha) distribuído nas escolas pelas Diretorias de Ensino apresenta as Associações de Pais e Mestres (APM's)12, Conselhos de Escola13 e Grêmios Estudantis como canais legítimos entre a escola e a comunidade.Outro documento importante para a compreensão dessa entidade do movimento estudantil é editado pela Secretaria de Estado da Educação. Aqui se define o sentido do Grêmio Estudantil dentro da unidade escolar:

A escola é um espaço riquíssimo de possibilidades, onde os alunos têm muito, não só para ouvir, mas para dizer; não só para aprender, mas para criar; não só para reclamar, mas para agir.Ao lado dos vários problemas do dia-a-dia da escola, que os alunos podem ajudar a identificar e resolver, existe um mundo de temas e atividades para os quais a escola é o lugar perfeito de discussão e realização.As drogas e a Aids, a formação profissional e a orientação sexual, a gravidez prematura e o trabalho precoce, a ecologia e a cultura, as eleições e os partidos, a violência no bairro e a falta de um semáforo na esquina, tudo isso acompanhado do "bailão" dos sábados, dos campeonatos de xadrez e futebol, do teatro e do cineclube, do passeio ecológico e da feira de artesanato, são assuntos da maior importância e que interessam aos alunos, fora e dentro da escola (LUZ, 1998, p. 02).

Esta cartilha traz também informações gerais sobre a legislação vigente e ressalta a possibilidade de se convidar um professor para auxiliar no desenvolvimento das atividades, atuando como um "coordenador".Cita também a desobrigatoriedade de adesão a outras entidades estudantis, além de propor a realização das eleições ainda no primeiro bimestre letivo, estabelecendo prazos para inscrição de chapas, campanhas de divulgação, eleições e apuração dos votos.

Na perspectiva da implantação de uma "escola cidadã", numa "cidade educadora" (termos cuja explicitação foge aos propósitos deste escrito) a Diretoria de Ensino de Sorocaba integrada com a Secretaria Municipal de Educação desenvolve programas focados na "formação global do ser humano", utilizando as definições dos quatro pilares da educação14 (VIDA, 2005).

Nos anos de 2005, 2006 e 2007, a Diretoria de Ensino de Sorocaba realizou Fóruns de Grêmios Estudantis, dentro das comemorações da Semana da Juventude, reunindo escolas do ciclo I, II e ensino médio, com exposições de fotos com as ações realizadas pelos Grêmios Estudantis, além da troca de experiências entre os Grêmios (BANDARRA, 2005).

No ano de 2006, a Diretoria de Ensino de Sorocaba, coordena a Campanha "Ser Solidário é 10!", que arrecadou 7 toneladas e meia de alimentos, distribuídos em forma de cesta-básica para 428 famílias carentes no período natalino (CEI, 2006). Em 2007, contando com a participação de aproximadamente 60 escolas  e seus respectivos Grêmios Estudantis -, organizaram o lançamento da Campanha no mês de Outubro de 2007, e esclarecem que as 3 escolas que mais arrecadassem alimentos não receberiam premiação, e sim, uma homenagem na Câmara Municipal de Sorocaba, lembrando sempre que a campanha está pautada no trabalho solidário e voluntário que busca alegrar o Natal de famílias menos favorecidas da cidade de Sorocaba.Foram arrecadados 6,5 toneladas de alimentos, divididos em 406 cestas-básicas que foram entregues às famílias carentes indicadas pela comunidade escolar.

A participação dos estudantes no Grêmio Estudantil, é vista como uma forma de democratizar a gestão, cumprindo sua função e

[...] tornando-se um espaço pedagógico atraente e desafiador para os jovens, de modo a favorecer seu progresso intelectual, social e afetivo, e, ainda um espaço democrático, confiável e culturalmente rico para pais e para a comunidade, com vistas a um intercâmbio fecundo entre a escola e o seu entorno (FERRETTI, ZIBAS, TARTUCE, 2004, p. 2).

Particularmente na década de 80, vários setores da sociedade se utilizaram do argumento da necessidade de democratização das decisões dentro da unidade escolar, tendência que vem sendo fortalecida por imagens televisivas e pela literatura educacional que conclama os cidadãos a assumirem de forma voluntária e solidária a gestão coletiva. Os diversos sujeitos coletivos são qualificados de protagonistas, termo que se alastra para os setores sociais representativos da juventude caracterizando o denominado protagonismo juvenil pautado como dito anteriormente por uma prática resiliente (ROSSI, 2001).

Protagonismo Juvenil

O protagonismo juvenil, enquanto uma prática do Grêmio Estudantil surge, reitera-se, a partir das reformas educacionais como uma proposta inovadora, ocupando o tempo livre do jovem. Esta nova cultura cívica convoca a sociedade para o exercício da responsabilidade social, fortalecendo ações voluntárias que contribuiriam com a educação pública.Canaliza-se desta forma, toda e qualquer presença da suposta indignação do ser humano, diante das injustiças sociais por meio da realização de trabalhos voluntários, transformando essa energia que poderia ser contestadora em necessidade de ajudar, de se sentir responsável e de cada um fazer a sua parte (NEVES, 2005).

Segundo, Ferretti, Zibas e Tartuci (2004, p. 3):

Ao se voltar à etmologia do termo "protagonismo", verifica-se que protagonistés significava o ator principal do teatro grego, ou aquele que ocupava o lugar principal em um acontecimento.Algumas restrições ao termo têm por base tal origem semântica, havendo aqueles que preferem usar "participação", para assegurar uma abordagem mais democrática da ação social, sem colocar em destaque o protagonista singular (grifos dos autores).

Há uma nova direção nas discussões desenvolvidas pelo Grêmio Estudantil, propondo a formação de "um novo tipo de cidadão", que leva em conta, mas de forma diversa, transformações políticas, sociais e econômicas. Discutem-se as soluções imediatas no sentido de intervir na superação de situações problema, atuando-se de forma voluntária e em parceria com a comunidade.Costa, (2001: p.26) afirma que:

A proposta de protagonismo juvenil [...] pressupõe um novo modelo de relacionamento do mundo adulto com as novas gerações.Esse relacionamento baseia-se na não imposição a priori aos jovens de um ideário em função do qual eles devam atuar no contexto social.Ao contrário, a partir das regras básicas do convívio democrático, o jovem vai atuar, para, em algum momento de seu futuro, posicionar-se politicamente de forma mais amadurecida e lúcida, com base não só em idéias, mas, principalmente, em suas experiências (práticas e vivências) concretas em face da realidade.

Esta forma de participação dos jovens desvia a atenção sobre as causas dos problemas, entendidos em suas raízes históricas e em suas múltiplas determinações: políticas, culturais, éticas, etc.. Aqui se trata de assumir o efeito do problema como sendo causa e de buscar sua solução imediata. Mas também se trata de transferir o debate político para a ação individual ou minimamente coletiva, na busca de criar nos jovens o sentimento da adaptação diante de um processo que pode ser reformado, mas que ninguém poderá radicalmente transformar. Essa prática atinge em especial os que fazem parte dos setores empobrecidos, no sentido de superar as adversidades.Elimina da discussão toda e qualquer premissa política e ideológica, indicando ao jovem que estas determinações são para o futuro e que não fazem parte da sua construção histórica enquanto ser humano.

O Plano de Ação da Declaração de Jomtien (1990)15 relaciona "O progresso na satisfação das necessidades básicas de aprendizagem para todos [...]" ao fortalecimento das parcerias, considerando que, autoridades públicas e as comunidades são "[...] agentes-chave de todo progresso", neste sentido apresenta a seguinte colocação:

Associações comunitárias, cooperativas, instituições religiosas e outras organizações não-governamentais também desempenham papéis importantes no apoio e provisão de educação básica.Sua experiência, competência, dinamismo e relações diretas com os diversos setores que representam constituem-se valiosos recursos na identificação e satisfação das necessidades básicas de aprendizagem.Deve-se promover sua participação ativa em alianças para a educação básica, mediante políticas e mecanismos que fortaleçam suas capacidades e reconheçam sua autonomia16.

Quando trata do compromisso das agências internacionais em auxiliar a implementação de programas e ações que busquem cumprir com a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem para todos, o Plano de Ação17 sugere que se devem priorizar esforços e cooperação em "Experiências que envolvam a participação da famílias, comunidades locais e organizações não governamentais[...]".

Diante do contexto apresentado, o protagonismo caminha paralelamente e consoante com a resiliência, termo que tem sido utilizado para tratar da formação cidadã, enfatizando a necessidade de enraizamento do humanismo, onde os jovens possam superar por suas próprias forças e vontade a segmentação social (FERRETTI, ZIBAS, TARTUCE, 2004).

Antunes (2003, p. 13-16) apresenta a resiliência como uma capacidade, um conceito extraído da física que:

Aplicado à vida humana e animal, representa a capacidade de resistência a condições duríssimas e persistentes e, dessa forma, diz respeito à capacidade de pessoas, grupos ou comunidades não só de resistir às adversidades, mas de utilizá-las em seus processos de desenvolvimento pessoal e crescimento social.

Portanto, para este autor, moradores de favelas, cortiços, sem teto, seriam exemplos de pessoas ou comunidades resilientes, assim como "[...] grande parte dos alunos da escola pública brasileira e seus professores[...]" são exemplos de pessoas resilientes (ANTUNES, 2003, p. 16)..A resiliência consiste na necessidade de ser ágil, facilidade em acolher as diversidades e adversidades e criar a solidariedade, reajustando-se rapidamente aos problemas ocorridos, incentivando a autodescoberta, o autoconhecimento e a sua automotivação.

O mesmo autor, sugere que, numa escola resiliente, professores e alunos tenham sentimento crítico e reflitam sobre o que é essencial aprender, privilegiando o presente e entendendo que competência é um processo onde o que interessa é a possibilidade de mobilizar recursos da mente, agindo de acordo com a necessidade da situação apresentada, que privilegia a análise do agora, visando à frente a preparação para o mundo globalizado.

Afirma ainda que é "[...] indispensável que professores, funcionários e alunos estejam sempre envolvidos em projetos que visam a dinâmica interação da escola ao meio que acolhe [...]"(ANTUNES, 2003, p. 90) , incluindo pais, mães, vizinhos que devem participar ativamente, não como um trabalho voluntário, mas como parceiros, buscando a construção de uma escola inclusiva.

Neste sentido, (BESSA, et all, 2001: p.3), afirmam que a gestão democrática propicia a participação de toda a comunidade escolar desconstruindo as relações hierárquicas de poder, e neste contexto o Grêmio se constitui "[...] como excelente dispositivo para concretização de um processo mais solidário entre os diversos grupos".

Essa retirada do Estado da implantação e manutenção do sistema público de ensino não produz liberdade e sim desigualdade e descontrole, promovendo o desaparecimento da política como projeto de transformação coletiva filiado aos setores majoritários da sociedade.Antes, cabe à comunidade escolar ser capaz de se adaptar às novas demandas, mas não com a intenção de dar efetivamente voz à comunidade e sim com o objetivo de amenizar os conflitos e de abdicar de direitos sociais conquistados em outros tempos de confronto com os donos do poder (ROSSI, 2001).

Mas de que maneira a proposta assumida pelo Grêmio Estudantil referenciada no protagonismo juvenil e na resiliência contribuiria para a formação dos indivíduos?

O GRÊMIO ESTUDANTIL E AS PRÁTICAS FORMATIVAS

A atual prática dos Grêmios Estudantis instiga vários questionamentos que abrangem desde o fato dos Grêmios não surgirem da necessidade intrínseca dos estudantes, no interior da Unidade Escolar, e sim enquanto uma política pública definida pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, até o fato de que essas entidades promovem ações solidárias e voluntárias, que substituem ou compensam a responsabilidade do Estado em relação às políticas sociais.

Neste sentido, fazemos as seguintes indagações: A proposta de participação dos estudantes, circunscrita à Unidade Escolar, ao surgir atrelada aos interesses da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo não cria um processo de indução de necessidades anulando e/ou desconsiderando substancialmente as necessidades intrínsecas aos denominados protagonistas? A proposta de participação trazida pela secretaria de estado da educação por meio da Diretoria de Ensino propicia e fortalece a gestão democrática e o exercício da cidadania? A promoção de ações qualificadas de solidárias e centradas no voluntarismo, contribuiria para substituir as possíveis intervenções da sociedade civil na perspectiva de alargar e aprofundar o espaço público de confronto entre seus interesses e os interesses do Estado? As práticas desenvolvidas por meio do Grêmio Estudantil propiciam a formação da individualidade na perspectiva do indivíduo em si ou para si? (DUARTE, 1993).

Tendemos a afirmar que as atividades realizadas pelo Grêmio junto à comunidade escolar visando o trabalho voluntário e solidário assumem caráter imediato, espontâneo, estabelecendo relações coerentes com a cultura escolar numa dinâmica que em termos gerais se apresenta como sendo útil, eficaz e eficiente. Embora não seja o foco deste trabalho assinalamos que essa dinâmica é alimentada pela cultura escolar referenciada nos denominados quatro pilares da educação com ênfase no lema do "aprender a aprender".

Aparentemente, essas ações promoveriam a suspensão do cotidiano, suspensão entendida aqui como distanciamento, como possibilidade de problematização crítica interpretação e intervenção prática na perspectiva de sua transformação em direção à humanização dos indivíduos.Ocorre que, essas ações, apesar de corresponderem aos interesses de uma determinada classe, não buscam a emancipação dos indivíduos, nem mesmo propiciam a problematização das necessidades presentes naquela comunidade.

O protagonismo juvenil institucionalizado e tutelado pelo Estado tenderia a naturalizar e cristalizar as diferenças sociais absolutizando as relações cotidianas e alimentando a possibilidade de manutenção das relações sociais alienantes e alienadas. E aqui recorremos a Agnes Heller na perspectiva de entendermos que: "A alienação acontece quando temos um abismo entre o desenvolvimento humano-genérico e o desenvolvimento do indivíduo humano, entre a produção humano-genérica e a participação consciente do indivíduo nessa produção." (HELLER, 2004, p.38).

Podemos dizer que o protagonismo juvenil enquanto ação que se objetiva no Grêmio Estudantil assume uma prática comunitária, solidária, voluntária, etc, tem no indivíduo protagonista e resiliente seu sujeito fundamental.Que processo deformação do indivíduo ocorreria então?

Segundo Duarte (1993, p. 27):

Para se formar enquanto um ser humano, um ser genérico, o indivíduo tem que se formar enquanto um ser social, mas essa socialidade, sendo formada no interior das relações de dominação, implica também no fenômeno da alienação.Lutar contra a alienação é lutar por reais condições para todos os homens, de desenvolvimento da individualidade à altura das máximas possibilidades objetivamente existentes para o gênero humano

Outra questão fundamental nos processos de formação do indivíduo é a relação entre a objetivação e a apropriação "[...] geradora do processo histórico de formação do gênero humano" (DUARTE, 1993, p. 27).

Em relação às práticas formativas desenvolvidas pelos Grêmios, caberia indagar se essas práticas contribuem para a apropriação da política enquanto objetivação historicamente produzida, isto é, enquanto objetivação genérica contributiva da formação do indivíduo para-si ou se as atividades propostas ao se tornarem essencialmente pragmáticas e individualistas potencializam a formação do indivíduo em-si. Considera-se que em virtude do processo de protagonismo juvenil ocorrer "alheio" a essas dimensões, os indivíduos não se apropriam das objetivações historicamente produzidas, lembrando que "[...] o indivíduo se forma apropriando-se dos resultados da história social e objetivando-se no interior dessa história, ou seja, sua formação se realiza através da relação entre objetivação e apropriação." (DUARTE, 1993, p. 47).

Reafirmamos que essas relações entre objetivação e apropriação se dão no interior de relações sociais de dominação, e nesse contexto, a alienação, ainda que não consciente, é resultado da submissão dos indivíduos a essas relações sociais. E isto demanda mais um desafio, pois a alienação imanente ao protagonismo juvenil e à resiliência não ocorre dissociada das múltiplas relações constituintes e constitutivas da realidade social. Por conseguinte, enquanto os integrantes do Grêmio Estudantil estiverem se objetivando e apropriando de práticas formativas que mantém as relações sociais de dominação de forma naturalizada, estas atividades não promoverão a emancipação ou humanização dos indivíduos, tendendo a um intenso e profundo processo de despolitização.

Nesse sentido, Duarte (1993, p. 74) referenciado no pensamento de Marx faz a seguinte afirmação:

As relações sociais de dominação fazem com que aqueles que produzem, pelo seu trabalho, o mundo dos "objetos", humanos, não possam se apropriar do mundo resultante do trabalho humano.As relações de dominação "arrancam" dos homens "sua vida genérica", isto é, seu trabalho.

Assim, enquanto as relações sociais impedirem a possibilidade de emancipação dos indivíduos das relações capitalistas de dominação, tendencial e predominantemente nos debateremos práticas formativas resultantes de relações sociais alienadas, que só poderão ser superadas historicamente com a objetivação e apropriação de práticas humanizadoras, criadas na perspectiva das classes trabalhadoras.

CONCLUSÕES PARCIAIS

Considera-se que as relações e mediações entre Protagonismo Juvenil Resiliência e Grêmio Estudantil têm uma de suas determinantes na política, delineada por organismos internacionais (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, por exemplo) e defendida na Conferência Mundial de Educação Para Todos. Política essa ratificada no Brasil com o Plano Decenal de Educação, que promove, dentre outras medidas, a gestão democrática nas escolas, estimulando a participação da denominada comunidade nas ações necessárias para o funcionamento da unidade escolar.

No caso específico do Grêmio Estudantil, o que se observa é que sua participação dentro da unidade escolar se dá de forma assistencialista, ou "mão de obra barata". A prática institucionalizada do protagonismo juvenil, defensora do associativismo articulada ao trabalho solidário e voluntário em prol de uma escola melhor, anula as discussões sobre as origens históricas dos processos. A opção por um tratamento das questões que assume os efeitos como sendo as causas dos problemas, produz uma lógica que além de tratar fenomenicamente a realidade tende a naturalizar todas suas dimensões. Em outros termos, o importante é resolver de forma rápida e indolor o problema que acomete a unidade escolar, recorrendo-se à comunidade ou a setores da iniciativa privada, com o discurso da responsabilidade social, da formação do cidadão, da participação de todos como exercício da cidadania numa sociedade democrática.

Pode-se dizer que as diversas facetas do conceito de protagonismo juvenil, tal como veiculado pela literatura e pelos documentos oficiais, nos remetem à noção de hibridismo semântico.Ou seja, de um lado se tem, a despolitização da participação juvenil, a afirmação da irreversibilidade dos "efeitos negativos da era pós-industrial" e um apelo à adaptação à nova ordem mundial ou à superação individual da segmentação social.No entanto, concomitantemente, os mesmos textos advogam (...) a necessidade de desenvolvimento do ser humano completo, para além das necessidades da produção, aberto à diversidade cultural de seu tempo e às responsabilidades sociais (...)" (FERRETTI; ZIBAS eTARTUCE, 2004, p. 26-27).

No entanto, a multiplicidade de relações e mediações constitutivas desse processo exigiria uma análise que foge aos propósitos deste escrito. Entretanto, o que desperta nossa atenção é o fato de que a proposta de institucionalização dos Grêmios Estudantis representa uma das múltiplas feições dos objetivos da reforma educacional brasileira. Essa tendência alimenta nossa hipótese de que se os objetivos da reforma educacional filiam-se a práticas formativas que buscam a adaptação do indivíduo à sociedade das mercadorias, as relações e mediações entre o Protagonismo Juvenil, a resiliência e o Grêmio Estudantil buscam potencializar essa alternativa produzida pelos detentores do Capital e seus representantes na busca de preservar e se possível eternizar os processos de controle e subordinação do Trabalho.

1 Pesquisa realizada sob a orientação do Prof. Dr. Jorge Luis Cammarano González.

2 Em 31 de março de 1964, o Presidente João Goulart é deposto por um golpe de Estado, articulado por uma aliança entre militares e civis (GONÇALVES e ROMAGNOLI, 1979).

3 Ato Institucional n.º 5 (AI-5) cassou políticos e suspendeu o direito de habeas corpus gerando um aumento considerável na lista de mortos e desaparecidos políticos (Disponível em: . Acesso em: 11 Jan. 2007.).

4 As Diretas Já foi um movimento civil ocorrido em 1984 no final do governo de João Figueiredo que buscou por meio da legalidade, a volta das eleições gerais diretas.Com o aumento das manifestações e da pressão popular, ocorre ainda de forma indireta a eleição de Tancredo Neves que falece logo em seguida. Assume então a presidência da República o Vice-Presidente José Sarney.As eleições para Presidente pelo voto direto ocorre em 1989 com a eleição de Fernando Collor de Mello, que assume o cargo em 1990 (Disponível em: . Acesso em 23 Mar. 2007).

5 A Conferência contou com a participação de 155 países e foi patrocinada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (Unesco), Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Banco Mundial ocorreu entre os dias 5 e 9 de março de 1990 em Jomtien, na Tailândia, se constitui-se num marco reordenador das políticas educacionais para os países em desenvolvimento, definindo a educação como um direito humano e relativizando o dever do Estado para com a educação, atribuindo a todos os setores da sociedade a tarefa de manutenção desta (Disponível em: . Acesso em: 19 Ago. 2006).

6 A Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI foi criada oficialmente em 1993 e financiada pela UNESCO (disponível em: . Acesso em: 28 Mar 2007).

7 A Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI foi criada oficialmente em 1993 e financiada pela UNESCO (disponível em: . Acesso em: 28 Mar 2007).

8 Presentación, Resumen y Conclusiones (disponível em: . Acesso em: 15 Jan. 2007).

9 O conhecimento implica numa reflexão e problematização das informações. "Apropriação intelectual de determinado campo empírico ou ideal de dados, tendo em vista dominá-los e utilizá-los. O termo "conhecimento" designa tanto a coisa conhecida quanto o ato de conhecer (subjetivo) e o fato de conhecer" (JAPIASSÚ; MARCONDES, 1996, p.51, grifo do autor).

10 A seguir, os membros da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI: "Jacques Delors (França); In'am Al Mufti (Jordânia); Isao Amagi (Japão); Roberto Carneiro (Portugal); Fay Chung (Zimbábue); Bronislaw Geremek (Polônia); Aleksandra Kornhauser (Eslovênia); Michael Manley (Jamaica); Marisela Padrón Quero (Venezuela); Marie-Angélique Savané (Senegal); Karan Singh (Índia); Rodolfo Stavenhagen (México); Myong Won Suhr (Coréia do Sul); Zhou Nanzhao (China)" (disponível em: . Acesso em: 28 mar 2007, grifos do autor).

11 "Aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente, aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes (DELORS, et al, 1999, p.90, grifos do autor).

12 A Associação de Pais e Mestres (APM) é uma instituição auxiliar da escola, que tem por finalidade colaborar no aprimoramento do processo educacional, na assistência ao escolar e na integração família-escola-comunidade, com objetivos sociais e educativos, sem caráter político, racial ou religioso e nem finalidades lucrativas (Disponível em: .Acesso em: 14 Nov. 2006).

13 O Conselho de Escola, é formado por representantes de todos os segmentos da comunidade escolar e de natureza consultiva e deliberativa, podendo elaborar seu próprio estatuto, dinamizando sua organização e atuação (SÃO PAULO. Parecer CEE n.º 67/98, de 18 de Março de 1998. Normas Regimentais Básicas para as Escolas Estaduais. Secretaria da Educação/Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Diretrizes e Bases da Educação Nacional: legislação e normas básicas para sua implementação. São Paulo: 2001. P. 1035 (Disponível em: . Acesso em: 14 Nov. 2006).

14 A Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, que deu origem ao relatório "Educação: um tesouro a descobrir" (Delors et al., 1996) destacou quatro pilares que são as bases da educação, ao longo de toda a vida, para o século que já começou.São eles: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser (Disponível em: http://www.unesco.org.br/noticias/opiniao/index/index_2003/pilares_educacao/mostra_documento>. Acesso em: 12 nov. 2006).

15 "Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem, item 1; tópico 16 (Disponível em: . Acesso em: 23 Maio 2005).

16 Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem, item 1.6; tópico 35 (Disponível em: . Acesso em: 23 Maio 2005).

17 Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem, item 1.6; tópico 35 (Disponível em: . Acesso em: 23 Maio 2005).

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Autor: Marcilene Moura


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