Contribuições do currículo de Educação Física da SEE/SP para a reprodução das relações capitalistas: uma análise preliminar .



A agenda reformista dos anos 90 no Brasil.

            No decorrer do desenvolvimento do modo de produção capitalista, os trabalhadores não apenas tiveram a sua força de trabalho subordinada e convertida em produtora de mercadorias, como também o capital buscou criar uma lógica de consumo e aceitação desta nova sociabilidade.

            Assim, conforme afirma Santos (2006, p. 214) [...] além de explorar, o capital precisou articular a esta dominação os princípios educativos gerais que tornassem possível produzir e reproduzir o conjunto das relações sociais.

            Considerando então, a escola não como um espaço exclusivo de socialização dos indivíduos, mas podendo ser vista como uma instituição central neste processo, o capital passa, ainda que de forma tardia, a se interessar pela educação do trabalhador.

            A necessidade de escolarizar o trabalhador torna-se mais presente na passagem do processo de manufatura para o da grande indústria que exige deste trabalhador, novas habilidades e competências tornando-os aptos a participar do processo produtivo.

            De acordo com Santos (2006, p. 217):

[...] na medida em que o capital é orientado pelas necessidades do mercado, o processo de formação educativo da força de trabalho, dentro e fora da instituição escola, deve estar articulado ao princípio mais geral das necessidades da própria acumulação, o que implica criar e incorporar no campo da subjetividade, individual e coletiva, do trabalhador, a aceitação do mundo burguês como desejável e, acima de tudo, como única possibilidade.

 

            Santos (2006, p. 218), afirma ainda que há um esforço por parte do capital, particularmente no decorrer do século XX de construir mecanismos ideológicos no sentido de [...] ampliar as bases que favorecem a continuidade, a produção e a reprodução da sociedade capitalista, e, em particular, do próprio capital, naturalizando as relações existentes.

            Com as mudanças no mundo do trabalho  a passagem do taylorismo fordismo, para o toyotismo  há consequentemente uma necessidade de se re-educar a classe trabalhadora buscando sua inserção no sistema produtivo, garantindo efetivamente a eficácia do capital.

            A partir da década de 1970 do século passado, o capitalismo mundial passa por uma profunda crise de acumulação, que se inicia nos países centrais e atinge também os países periféricos, como no caso do Brasil, que passa a evidenciar o esgotamento do modelo de substituição de importações e dá início ao processo de reestruturação produtiva, a partir dos anos de 1980 do século passado.

            Neste novo processo de produção capitalista, que apresenta uma nova dinâmica na organização das relações sociais de produção com a introdução de novas tecnologias, principalmente de base microeletrônica, torna-se imprescindível que os trabalhadores tenham um aumento da sua escolarização mínima.

            Neste novo contexto mundial, Carvalho (2006, p. 231), atenta que

[...] um conjunto imenso e orgânico de reformas foi anunciado e apresentado mundo afora como necessárias ao enfrentamento da crise do capital.  Esse conjunto de reformas foi anunciado e defendido no contexto mundial por meio de intensa ação político-institucional das organizações multilaterais construídas pelo capital no período do pós guerra.

 

            Considerando então que o Estado do Bem Estar Social não era mais viável para as mudanças em processo no capitalismo mundial, se torna urgente e necessária a implementação de reformas que viabilizassem, como afirma Carvalho (2006, p. 232) a construção de [...] novas formas de relacionamento entre o Estado e a sociedade, modificando os procedimentos de gestão, captação de recursos, financiamento e distribuição do fundo público, redesenhando as responsabilidades do Estado perante a sociedade.

            A partir dos anos finais da década de 1980 e início da década de 1990 do século passado as discussões sobre a necessidade de uma reforma do Estado encontra-se pautada na substituição do Estado [...] interventor, regulamentador e responsável pelo controle de significativa parcela do setor produtivo, notadamente nos setores da indústria da base, moldado na era Vargas, por um Estado mínimo, que deve estar inserido num mundo globalizado, sem fronteiras econômicas e que possibilitaria a todos acesso a produtos e serviços além de mais baratos, de melhor qualidade (CARVALHO, 2006, p. 232-233).

            Essa política neoliberal segundo Neves e Fernandes (2002, p. 25) [...] se iniciou, de forma ainda assistemática, nos anos de 1980 e se afirmou nos anos 1990, com a formação e consolidação de um novo bloco no poder, consubstanciado pelos governos Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, na Presidência da República [...].

            É neste período que o empresariado industrial nacional começa a pleitear uma reestruturação do sistema educacional, estabelecendo segundo Neves (2000, p. 08) [...] uma relação linear entre educação e produtividade, propondo o ensino de 1º grau para pelo menos 90% da população estudantil e o ensino de 2º grau para, pelos menos, 60% dessa população, já que, como lembra Carvalho (2006, p. 235), com a acumulação flexível [...] que apresenta novas formas de organização do trabalho caracterizada pela flexibilidade organizacional, pela produção voltada para a segmentação e pela intensa disseminação de tecnologias de base microeletrônica [...] as empresas necessitavam de trabalhadores com nova formação e qualificação profissional.

            Para tanto, segundo Carvalho (2006, p. 236) [...] no contexto da chamada acumulação flexível parte, considerável do debate educacional incorporou a defesa da necessidade de repensar os processos formativos [...], e segue afirmando ainda que [...] modificações na formação e na qualificação profissional dos trabalhadores foram insistentemente anunciadas como urgentes pelas agências multilaterais e incorporadas nos documentos que referendam o debate e as reformas educacionais da década (CARAVLHO, 2006, p. 236).

            Neste sentido, escolarizar a população torna-se requisito básico para atender as demandas postas pelo setor produtivo.  Essa concepção, discutida na Conferência Mundial de Educação Para Todos, realizada na Tailândia em 1990, foi devidamente incorporada nos documentos elaborados pelas agências multilaterais.

            A referida Conferência, patrocinada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pelo Banco Mundial, contou com a participação de 155 países e promoveu discussões sobre os encaminhamentos necessários na área educacional, constituindo um marco reordenador das políticas educacionais para os países em desenvolvimento, relativizando o dever do Estado para com a educação e atribuindo a todos os setores da sociedade a tarefa pela manutenção desta (PERONI, 2003).

            Iniciativa semelhante - originando o denominado Relatório Delors - ocorreu, em 1991, ano da Conferência Geral da UNESCO, responsável por refletir sobre a educação para o Século XXI, tendo como questão principal a educação do amanhã e o papel que esta deverá desempenhar num mundo em constante mudança.

                O Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI apresenta um capítulo dedicado aos quatro pilares da educação  aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser , princípios educacionais que norteiam a educação ideal para o Século XXI.  Para Cammarano González  (2006, p. 126) [...] A busca de permanência e prolongamento da concepção burguesa de mundo objetivou-se internacionalmente nas diretrizes postuladas no relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para Século XXI.

            Neste sentido, este Relatório apresenta como centro dos processos de aprendizagem o indivíduo, que ao longo da vida escolar desenvolve habilidades e competências necessárias para sua adaptação o mundo do trabalho e conforme afirma Cammarano González (2006, p. 130-131):

[...] Os saberes e as competências desenvolvidas nos processos de aprendizagem buscam afinar seu comportamento para que seu vir a ser se adapte ao mundo em curso.  Por sua vez, a proposta de ensino, ao indagar, como ensinar o aluno a por em prática seus conhecimentos, traduz provavelmente a existência de uma dissociação entre prática e teoria, acentuando um processo formativo que cinde cada indivíduo em cidadão e produtor.

 

            Cammarano (2006, p. 131-132) afirma também que [...] no âmbito das políticas e práticas formativas, parte da lógica do Capital deriva suas ações com base nas denominadas competências, convertidas, na reforma educacional em curso, em atributo essencial para a formação do indivíduo.

            Outro documento alinhado a essas estratégias foi denominado Educação e Conhecimento: eixo da transformação produtiva com equidade produzido em 1992, pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e a Oficina Regional de Educação para a América Latina e o Caribe (OREALC) trazendo em seu conteúdo as tarefas prioritárias para o desenvolvimento da América Latina e do Caribe nos anos 90.

            É perceptível portanto, que há toda uma proposta disseminada a partir das agências internacionais no sentido de formar um novo tipo de ser social cuja escolaridade deverá propiciar sua adaptação, empregabilidade e as competências e habilidades necessárias para o enfrentamento da realidade social em curso. Ou em outros termos, trata-se de materializar práticas escolares voltadas para a integração dos indivíduos ao mundo do trabalho e à cidadania.

            Para viabilizar essa política o Estado brasileiro elaborou o Plano Decenal de Educação para Todos, base para a elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE) e a Conferência Nacional de Educação para Todos, realizada em 1994 em Brasília-DF, que efetivamente marcam a consolidação, por parte do governo brasileiro, das proposições formuladas nos foros internacionais. Ainda como desdobramento dessas propostas, temos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional  LDBEN 9394/96, a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais  PCNs e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio  DCNEM, que apresentam a orientação de se desenvolver nos alunos habilidades e competências de caráter geral - em detrimento de disciplinas e conteúdos -, por meio de um conjunto de definições sobre princípios, fundamentos e procedimentos circunscritos às denominadas pedagogias ativas capacitadoras da adaptação do educando às novas condições determinadas pelo mercado de trabalho.

            O Governo FHC, com a proposta denominada Mãos a Obra Brasil adota definitiva e integralmente a política educacional elaborada pelas agências internacionais, indicando a necessidade da formação de um cidadão crítico, participativo e autônomo, fortalecendo os laços entre escolarização, trabalho, produtividade, serviços e mercado, com a aquisição de habilidades e competências (AZEVEDO, 2004, p. XI).

            Depois da elaboração da uma nova legislação nacional, é a vez das Secretarias Estaduais de Educação iniciarem a materialização destes documentos e, também, principiarem as discussões para a organização de propostas curriculares que consequentemente se constituirão como um currículo definindo o que efetivamente deverá ser ensinado e aprendido nas escolas.

            Nesta direção, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, apresenta no ano de 2008 uma nova Proposta Curricular que objetivava atender à necessidade de organização da rede pública estadual e é este tópico que apresentamos a seguir.

 

Conhecendo a proposta curricular

            A Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, lançou no ano de 2008 uma proposta curricular para ser implementada de forma imediata em todas as escolas da rede pública do Estado de São Paulo, com a utilização de vários materiais pedagógicos.

            Estes materiais (apostilas no formato cartilha, jornal e DVDs) foram enviados à todas as escolas da rede (Equipe Gestora  Diretor, Vice-Diretor e Coordenador Pedagógico -, professores e alunos) com orientações específicas sobre sua utilização na unidade escolar (SEE/SP, 2008).

            A Coordenadora Geral do Projeto Maria Inês Fini, afirmou na apresentação da Revista do Professor  que foi distribuída em todas as escolas da rede pública estadual, independente da escola ser da zona rural ou urbana  que compreende que professores e alunos são únicos e que o material disponibilizado servirá de referência para as práticas em sala de aula (SEE/SP, 2008).

            O primeiro material elaborado por uma equipe técnica da SEE/SP e distribuído em todas as escolas da rede pública estadual de São Paulo foi o Jornal do Aluno, organizado por áreas  no formato de um Jornal e entregue a todos os alunos  e a Revista do Professor  que subsidiou a aplicação das atividades propostas no referido Jornal e foi entregue a todos os professores.

            De acordo com orientações da SEE/SP, este material, - dividido em fundamental e médio por disciplina/série e que apresentava em seu teor o número específico de aulas necessárias para a aplicação de cada conteúdo pré-determinado e trouxe também, de forma detalhada possibilidades de aplicação e de avaliação das atividades propostas para o aluno portador do Jornal  indicado para ser utilizado nos primeiros 40 dias letivos do ano de 2008 (entre os dias 18 de fevereiro e 30 de março de 2008), objetivou subsidiar tanto professores quanto alunos na realização das atividades em sala de aula durante o denominado período de recuperação intensiva e privilegiou a leitura, a produção de textos e a matemática (SEE/SP, 2008).

            Segundo informações constantes na Revista do professor, As habilidades de leitura e produção de textos serão privilegiadas nas disciplinas Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna, Arte, Educação Física, História e Filosofia e não exclui o desenvolvimento de outras habilidades (SEE/SP, 2008, p. 15).

            Após o período de recuperação intensiva  Jornal do Aluno, Revista do Professor e Vídeos Tutoriais  a SEE/SP envia um novo material em formato de cartilha, - denominado de Cadernos do Professor  indicando os conteúdos a serem trabalhados pelo professor no ano letivo de 2008.

O material que apresenta os Cadernos do Professor é uma outra cartilha confeccionada sob a coordenação de Maria Inês Fini, denominada Proposta Curricular do Estado de São Paulo  disciplina especificada  Ensino Fundamental Ciclo II e Ensino Médio.

            O texto de Apresentação da Cartilha vem assinado pela então Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, Maria Helena Guimarães de Castro, que justifica a necessidade de uma Proposta Curricular com a seguinte frase: A criação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que deu autonomia às escolas para que definissem seus próprios projetos pedagógicos, foi um passo importante.  Ao longo do tempo, porém, essa tática descentralizada mostrou-se ineficiente. (SEE/SP, 2008a, s/p.).

            Por conta desta ineficiência, a Secretária da Educação do Estado de São Paulo salienta que se faz necessária uma [...] ação integrada e articulada [...], que também subsidie os profissionais da rede.  Finalizando o texto de apresentação, afirma: Mais do que simples orientação, o que propomos, com a elaboração da Proposta Curricular e de todo o material que a integra, é que nossa ação tenha um foco definido. (SEE/SP, 2008a, s/p.).

            A Proposta Curricular foi dividida em áreas, a saber: Ciências da Natureza e suas Tecnologias,  Biologia, Química e Física  Matemática e Ciências Humanas e suas Tecnologias  História, Geografia, Filosofia, Sociologia e Psicologia  e Linguagens, Códigos e suas Tecnologias  Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna, Arte e Educação Física.

            A apresentação da Proposta Curricular do Estado de São Paulo está dividida em dois tópicos: Uma educação à altura dos desafios contemporâneos e Princípios para um currículo comprometido com o seu tempo.  Este segundo tópico apresenta os seguintes itens: I) Uma escola que também aprende; II) O currículo como espaço de cultura; III) As competências como referência; IV) Prioridade para a competência da leitura e da escrita; V) Articulação das competências para aprender e VI) Articulação com o mundo do trabalho.  Assegura ainda que esta iniciativa procura [...] garantir a todos uma base comum de conhecimentos e competências, para que nossas escolas funcionem de fato como uma rede [...] priorizando a competência de leitura e escrita (SEE/SP, 2008a).

            O texto de apresentação afirma que a sociedade do século XXI

[...] é cada vez mais caracterizada pelo uso intensivo do conhecimento, seja pra trabalhar, conviver ou exercer a cidadania, seja para cuidar do ambiente em que se vive.  Essa sociedade, produto da revolução tecnológica que se acelerou na segunda metade do século passado e dos processos políticos que redesenharam as relações mundiais, já está gerando um novo tipo de desigualdade, ou exclusão, ligada ao uso das tecnologias de comunicação que hoje mediam o acesso ao conhecimento e aos bens culturais (SEE/SP, 2008a, p. 9).

 

            Afirma também que por conta do maior número de pessoas portadoras de um diploma de nível superior, este deixou de ser um diferencial, sendo então, mais relevantes as características cognitivas e afetivas e as competências apreendidas na vida escolar.  Neste sentido, a qualidade da educação oferecida nas escolas públicas para as camadas mais pobres da população é fundamental para a inserção do indivíduo no mundo de [...] modo produtivo e solidário e adverte que [...] não há liberdade sem possibilidade de escolhas [...], portanto é necessário que os alunos tenham [...] acesso a um amplo conhecimento dado por uma educação geral, articuladora, que transite entre o local e o mundial [...] (SEE/SP, 2008a, p. 10-11).

            A Proposta Curricular ora discutida apresenta como princípios centrais: [...] a escola que aprende, o currículo como espaço de cultura, as competências como eixo de aprendizagem, a prioridade da competência de leitura e de escrita, a articulação das competências para aprender e a contextualização no mundo do trabalho, (SEE/SP, 2008a, p. 11).

            Tendo um currículo que promove a aprendizagem de competências e habilidades, a atuação do professor, os conteúdos propostos, as metodologias e a aprendizagem dos alunos compõem um sistema comprometido com a formação de crianças e jovens em adultos aptos a exercer suas responsabilidades  trabalhar, constituir uma família e ser autônomo  e com condições de atuar na sociedade de forma produtiva (SEE/SP, 2008a).

            Este currículo amparado no conceito de competências propõe que a escola e os professores indiquem claramente o que o aluno vai aprender, o que é indispensável que este aluno aprenda, garantindo desta forma a todos [...] igualdade de oportunidades, diversidade de tratamento e unidade de resultados.  Quando os pontos de partida são diferentes, é preciso tratar diferentemente os desiguais para garantir a todos uma base comum. (SEE/SP, 2008a, p. 15).

            Justificando a ênfase na centralidade da linguagem nos processos de desenvolvimento, a Proposta Curricular propõe que o adolescente aprenda pouco a pouco, a enfrentar as conseqüências das próprias ações, [...] a propor e alterar contratos, a respeitar e criticar normas, a formular seu próprio projeto de vida e a tecer seus sonhos de transformação do mundo.  Lembrando sempre que quantidade e a qualidade do conhecimento devem ser [...] determinadas por sua relevância para a vida de hoje e do futuro, além dos limites da escola [...](SEE/SP, 2008a, p. 17-18).

            A Proposta Curricular faz menção também à necessidade da articulação da educação com o mundo do trabalho, reforçando a necessidade da alfabetização tecnológica básica, no sentido de preparar os alunos para a inserção num mundo em que a tecnologia está cada vez mais presente na vida das pessoas e também da compreensão dos fundamentos científicos e tecnológicos da produção de bens e serviços necessários à vida (SEE/SP, 2008a).

            Segundo a Proposta Curricular, o trabalho passa por transformações profundas e afirma que:

[...] À medida que a tecnologia vai substituindo os trabalhadores por autômatos na linha de montagem e nas tarefas de rotina, as competências para trabalhar em ilhas de produção, associar concepção e execução, resolver problemas e tomar decisões tornam-se mais importantes do que conhecimentos e habilidades voltados para postos específicos de trabalho. (SEE/SP, 2008a, p. 24).

 

            No ano de 2009, a proposta curricular apresentada pela SEE/SP no ano anterior, torna-se efetivamente currículo.  Neste ano, a SEE/SP mantém a edição dos Cadernos do Professor e acrescenta ainda os Cadernos do Aluno  também em formato de cartilha e divididos por disciplina/série e bimestre, acompanhando o conteúdo do Caderno do Professor  tendo como diferencial espaços para que os alunos respondam aos questionamentos constantes neste caderno. De acordo com introdução dada no Caderno do Aluno é por meio de estudos e da realização das tarefas que você poderá conquistar a autonomia para aprender sempre (SEE/SP, 2009).

Neste sentido, cabe ao professor a tarefa de orientar os estudos, esclarecer dúvidas, retomar conteúdos e fazer revisões, enquanto que o aluno, por meio do seu Caderno deverá:

Ler ou reler textos indicados pelo professor; fazer e refazer exercícios para compreender melhor um conteúdo; realizar pesquisas para ampliar ou aprofundar conhecimentos sobre um assunto; e refletir sobre um tema ou assunto de uma disciplina. (SEE/SP, 2009)

 

            Portanto, de acordo com a Proposta Curricular implementada no ano de 2008 pela SEE/SP e configurada como currículo oficial no ano de 2009, além da ênfase na centralidade da linguagem nos processos de desenvolvimento dos alunos, amparada em habilidades e competências, os conteúdos propostos devem estar articulados com a repetição de tarefas e com o mundo do trabalho.

            A concepção do currículo de Educação Física para alunos do Ensino Fundamental Ciclo II e Ensino Médio, considera que a ascensão da cultura corporal e esportiva é um dos fenômenos mais importantes das últimas décadas do século passado nos meios de comunicação de massa e na economia mundial, tornando-se cada vez mais, produtos de consumo (SEE/SP, 2008, p. 41).

            Neste sentido, a Educação Física Escolar deve tratar dos conteúdos culturais relacionados ao movimentar-se humano que se expressa de diversas formas e em contextos concretos.  Parte-se então do repertório de conhecimentos que os alunos possuem para ampliá-los e qualificá-los criticamente.  Destacando-se o fato de que se trata de sujeitos que se movimentam com significados e intencionalidade, utiliza-se a expressão Se Movimentar, que pode ser definida como:

[...] expressão individual e/ou grupal no âmbito de uma cultura de movimento; é a relação que o sujeito estabelece com essa cultura a partir de seu repertório, de sua história de vida, de suas vinculações socioculturais e de seus desejos (SEE/SP, 2008, p. 43).

 

            Sugere-se ainda que a Educação Física Escolar trabalhe com grandes eixos de conteúdos (jogo, esporte, ginástica, luta, atividade rítmica) que referem-se às construções corporais humanas que devem ser organizadas e sistematizadas pedagogicamente como saberes escolares, possibilitando à Educação Física, ser uma disciplina motivadora para os alunos (SEE/SP, 2008).

            No caso específico do Ensino Médio vislumbra-se que a Educação Física atue inter-relacionando os eixos de conteúdos com temas relevantes e atuais na sociedade como Corpo, Saúde e Beleza; Contemporaneidade; Mídias e por fim Lazer e Trabalho, possibilitando a pluralidade e simultaneidade no desenvolvimento dos conteúdos.

            Observa-se ao longo desta explanação que todo o currículo apresentado pela SEE/SP para as escolas da rede pública do Estado de São Paulo está amparado no desenvolvimento de habilidades e competências que serão úteis no mundo do trabalho e que possibilitarão que estes jovens se adaptem às novas demandas de um mundo em constante mudança sempre de forma produtiva.

            Mas o que de fato há nesta proposta é um agenciamento da manutenção do sistema capitalista de produção, a exploração da classe trabalhadora e a naturalização das relações sociais de produção, discussão que será abordada no tópico seguinte.

 

Habilidades e competências para a reprodução do sistema capitalista

            Vimos anteriormente que além de explorar os trabalhadores, o capital precisou criar mecanismos que pudessem produzir e reproduzir o conjunto das relações sociais e que a escola, enquanto uma instituição central no processo de socialização dos indivíduos, poderia ser um espaço de disseminação desta lógica, naturalizando os processos existentes.

            Como já exposto, a SEE/SP apresentou no ano de 2008 uma proposta curricular para as escolas da rede pública do Estado de São Paulo, que no ano de 2009 efetivamente tornou-se currículo deixando clara sua filiação às concepções de educação determinadas por agências multilaterais devidamente encampadas pela legislação educacional brasileira, valorizando-se os quatro pilares da educação e o desenvolvimento de habilidades e competências.

            Mas qual a relação entre a reprodução do sistema capitalista e o desenvolvimento de habilidades e competências?  Ou ainda, qual a relação entre os quatro pilares da educação e esta reprodução e consequentemente manutenção do sistema capitalista?  Vejamos a seguir o que alguns autores falam sobre estas questões.

            Marx (2004, p. 133) afirma que O produto da produção capitalista não é apenas mais valia: é também capital e que o capital é [...] D  M D, valor que se valoriza a si próprio, valor que gera valor, , ou em outras palavras, mais-valia.  Esta mais-valia, [...] que converte-se em capital adicional, serve para a formação de novo capital ou de capital acrescentado [...].  Portanto, [...] O processo de acumulação em si mesmo não é mais do que um momento imanente do processo capitalista de produção. (grifos do autor).

            Neste sentido, o capital não produz apenas capital, como declara Marx (2004, p. 134), o capital

[...] produz também uma massa operária crescente, a única substância graças á qual pode funcionar como capital adicional.  De modo que não é apenas o trabalho que, em antítese consigo mesmo e numa escala cada vez mais ampla, produz as condições de trabalho enquanto capital; também o capital produz numa escala cada vez maior os assalariados de que tem necessidade.  O trabalho produz as suas condições de produção enquanto capital, o capital produz o trabalho enquanto trabalho assalariado, como meio de realização enquanto capital.  A produção capitalista não é apenas reprodução da relação; na sua reprodução a uma escala cada vez maior e na mesma medida em que, com o modo de produção capitalista, se desenvolve a força produtiva social do trabalho, cresce também perante o operário a riqueza acumulada, como riqueza que o domina, como capital; perante ele expande-se o mundo da riqueza como um mundo alheio e que o domina; e na mesma proporção se desenvolve a sua pobreza, a sua indigência e a sua sujeição subjetivas. (grifos do autor).

 

            Neste processo, ainda conforme nos diz Marx (2004, p. 135)

A relação não apenas se reproduz, não produz apenas numa escala cada vez mais massiva, não busca apenas mais operários e se apodera continuamente de ramos produtivos que antes não dominava: reproduz-se também em condições cada vez mais propícias para uma das partes, para os capitalistas, e mais desfavorável para a outra, os operários, tal como se expôs na análise do modo de produção especificamente capitalista. (grifo meu)

 

            Portanto, é aqui no destaque desta citação que entra o trabalho desenvolvido pela escola na reprodução da sociedade capitalista a partir, no caso específico deste escrito, das reformas educacionais ocorridas na década de 1990 do século passado, que acompanhou as reformas ocorridas no Estado brasileiro, atendendo às sugestões de organismos internacionais em consonância com o sistema produtivo mundial.

            Cassin e Botiglieri (2009, p. 119) tendo a educação como meio e não com fim em si mesmo, concluem que

Nas sociedades divididas em classes sociais o Estado é mediador na relação Trabalho e Educação, organizando, ou não, a formação dos trabalhadores com o objetivo de reproduzir as condições de produção, mas sempre organiza a educação como reprodutora das relações de produção buscando justificar como legítimas as relações de dominação e exploração das classes dominantes.

 

            Observa-se então, que o conceito de competência, tão disseminado e glorificado na educação paulista, tem para Batista (2006, p. 105) profundo vínculo com o complexo da reestruturação produtiva.  Neste sentido o autor afirma que [...] a ideologia das competências [...] exige um novo perfil de trabalhador que deve ser polivalente e multifuncional, possuidor de comportamentos e atitudes capazes de levá-lo a agir com autonomia diante da realidade em geral.

            Para Marx (2004, p. 81) Quanto mais desenvolvida estiver a produção capitalista num país, tanto maior é a procura de versatilidade na capacidade de trabalho [...].

            Assim, segundo Batista (2006, p. 106), o Relatório Delors, produzido pela UNESCO sugere que o trabalhador [...] no contexto da reestruturação produtiva deve possuir competências não voltadas para um posto específico de trabalho, pois, neste contexto, não se exige apenas o saber fazer do trabalhador, o que se exige são características gerais de caráter comportamentais, as denominadas atitudes, ou seja, saberes. (grifos do autor).

            No contexto da reestruturação produtiva, a competência é tida como um saber, e Batista (2006, p. 109, grifo do autor) assegura que [...] saber ser é mobilizar-se e colocar-se por inteiro à disposição do objetivo do capital [...].  O trabalhador deve realizar múltiplas tarefas, sempre atendendo às necessidades da empresa.  Essas competências devem possuir um rol de habilidades que [...] a educação do trabalhador deve levá-lo a adquirir e desenvolver.

            Portanto, como nos diz Silva Jr. e González (2001, p. 56)

A prática que se encontra como central na noção de competências parece não considerar a racionalidade social, que dá sentido à organização social existente.  Opera, dessa maneira, no âmbito da ideologia/política/cultura, legitimando os processos de reprodução social, que vem coisificando o ser humano, ao mesmo tempo que legitima essa ordem social historicamente produzida.  Opera, portanto, a naturalização de uma substância histórica, contribuindo para a produção da atual forma fenomênica do capitalismo.

 

            Cammarano González (2006, p. 117-119) afirma que [...] nas sociedades capitalistas, as práticas formativas desenvolvidas no âmbito da educação escolar tornam-se extremamente importantes. e assegura que

[...] a criação de uma alternativa qualitativa e historicamente capaz de superar as relações postas pelos processos de produção e reprodução da sociedade do capital, requer práticas formativas que superem o atual reformismo, cuja presença no âmbito educacional, tem assumido caráter estratégico para os setores socialmente dominantes.

 

            O Relatório Delors, base da elaboração da legislação educacional brasileira e também do currículo da escola paulista, apresenta a educação como responsável pela transmissão, de forma eficaz, de saberes que contribuam para que o indivíduo possa se adaptar à civilização cognitiva, organizando-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais: aprender a conhecer, a fazer, a viver juntos e a ser.

            Para Cammarano González (2006, p. 127) os quatro pilares revelam

[...] no aprender a conhecer, um conhecimento que se circunscreve à compreensão do mundo, necessária para que cada indivíduo se adapte ao mundo; enquanto o aprender a fazer requer o repensar a idéia de um indivíduo cindido no plano cognitivo e no plano prático; planos estes que pareceriam se articular diante da presença do aprender a viver e de aprender a ser.

 

            Sobre o aprender a fazer, Cammarano González (2006, p. 128-129) assinala que este saber está relacionado com a formação profissional, intrinsecamente ligada ao aprender a viver juntos, com a descoberta do outro, a resolução de problemas de forma pacífica, a realização de projetos comuns, e portanto, para que todo este processo ocorra de forma eficaz é necessário que o indivíduo também aprenda a ser, conhecendo a si mesmo.

            E Cammarano González (2006, p. 135) avalia que

As reformas educacionais em curso fomenta, os reajustes dos mecanismos de internalização pelo indivíduo da estrutura valorativa demandada pela lógica do capital, num processo que busca potencializar a predominância da alienação e da reificação sobre a consciência dos indivíduos em suas múltiplas determinações.

 

            Isto posto, pode considerar que o currículo implementado nas escolas da rede pública estadual, pautado no desenvolvimento de habilidades e competências, sugere que é necessário privilegiar as particularidades individuais e às suas diferenças correspondendo inclusive às exigências demandadas pela organização do trabalho na produção capitalista.

 

Tentando concluir

            De acordo com o acima exposto, pode-se de forma preliminar concluir que assim como há alterações nos processos de produção, há também alterações no contexto escolar.  Com a reestruturação produtiva e com as discussões sobre Just in time, kanban, qualidade total, entre outros conceitos extremamente celebrados no mercado de trabalho, há efetivamente a necessidade de formação de um trabalhador que atenda às demandas do mercado.

            Este trabalhador, deve ser flexível, deve se adaptar de forma rápida e segura às novas exigências estando sempre disposto a resolver os problemas que surgem sem conflitos ou divergências que possam vir a atrapalhar o processo produtivo.

            Neste contexto, as reformas educacionais ocorridas a partir dos anos de 1990 do século passado que acompanhou as reformas do Estado Nacional, consolidou as discussões realizadas por organismo internacionais no sentido de formar um novo cidadão, apto a se inserir no mercado de trabalho.  Seguindo esta lógica, a SEE/SP também apresenta um novo currículo para as escolas do estado, manifestando sua concordância com esta política neoliberal.

            Diante destas discussões, fica claro que cabe à escola formar este novo trabalhador, mais do que isso, cabe à escola mostrar à este aluno, futuro trabalhador, que estas relações existentes são naturais, que neste processo ele será absorvido pelo mercado de trabalho desde que desenvolva habilidades e competências compatíveis com a demanda existente.  A escola, calcada nos quatro pilares da educação será responsável por evidenciar os saberes necessários à formação deste novo indivíduo.

            Nesta concepção de educação, discutida por organismos internacionais, adotada pela legislação educacional brasileira e por conseguinte implementada pela SEE/SP, o aluno deve aprender a ser, fazer, viver junto e aprender a aprender sempre. 

            Novamente, recorro a Marx (2004, p. 135) que nos diz que o capital reproduz-se [...] em condições cada vez mais propícias para uma das partes, para o capitalista.  Portanto, as propostas educacionais, elaboradas pelo Estado, que funciona nesta relação como um mediador na relação Trabalho e Educação, estão sempre a serviço da classe dominante em detrimento dos trabalhadores. 

            Pode-se ponderar então que a política educacional adotada pelos Governos tanto federal como estadual, enquanto representantes e instrumento da classe dominante, tem por objetivo produzir e reproduzir tanto as condições de produção quanto as suas relações de produção.

 

Referências Bibliográficas

AZEVEDO, Janete Maria Lins de. A educação como política pública. 3. ed. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2004. 77 p., 10,5 x 17 cm. (Polêmicas do nosso tempo, 56.)

BATISTA, Roberto Leme. A panacéia das competências: uma problematização preliminar. In: (ALVES, Giovanni; CAMMARANO GONZÁLEZ, Jorge Luis; BATISTA, Roberto Leme). Trabalho e Educação: Contradições do Capitalismo Global. Maringa, PR: Práxis, 2006, p. 82-114.

CAMMARANO GONZÁLEZ, Jorge Luis. Sobre a educação para além do capital. In: (ALVES, Giovanni; CAMMARANO GONZÁLEZ, Jorge Luis; BATISTA, Roberto Leme). Trabalho e Educação: Contradições do Capitalismo Global. Maringa, PR: Práxis, 2006, p. 115-145.

CARVALHO, Celso. As políticas educacionais para o Ensino Médio e sua concretização na instituição escolar. In: (ALVES, Giovanni; CAMMARANO GONZÁLEZ, Jorge Luis; BATISTA, Roberto Leme). Trabalho e Educação: Contradições do Capitalismo Global. Maringa, PR: Práxis, 2006, p. 231-254.

CASSIN, Marcos; BOTIGLIERI, Monica Fernanda. A relação trabalho e educação na reprodução das condições de produção e das relações de produção. Disponível em: . Acesso em: 22 Out. 2009.

MARX, Karl. O Capital. Tradução de Klaus Von Puchen. 2. ed. São Paulo: Centauro, 2004.

NEVES, Lucia Maria Wanderley; FERNANDES, Romildo Raposo. Política neoliberal e educação superior. In: NEVES, Lucia Maria Wanderley. O empresariamento da educação: Novos contornos do Ensino Superior no Brasil dos anos 1990. São Paulo: Xamã, 2002, p. 21-40.

PERONI, Vera Maria Vidal.  Política educacional e papel do Estado no Brasil dos anos 1990. São Paulo: Xamã, 2003.

SANTOS, Ariovaldo. Antigos e novos campos da ideologia do Capital na educação do trabalhador. In: (ALVES, Giovanni; CAMMARANO GONZÁLEZ, Jorge Luis; BATISTA, Roberto Leme). Trabalho e Educação: Contradições do Capitalismo Global. Maringa, PR: Práxis, 2006, p. 214-230.

SEE/SP. Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. Edição Especial da Proposta Curricular. Revista do Professor. São Paulo: IMESP. 2008.

SEE/SP. Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. Proposta Curricular do Estado de São Paulo: Educação Física São Paulo: SEE, 2008a.

SILVA JR. João dos Reis; CAMMARANO GONZÁLEZ, Jorge Luis. Reformas educacionais, competências e prática social. Trabalho e Educação. n.º 09, jul/dez, 2001. Belo Horizonte, p. 78-92.

 

 


Autor: Marcilene Moura


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