O Desafio De Avaliar Bem No Ensino Superior



1.INTRODUÇÃO

O professor dedicado ao ensino superior, no Brasil, se depara com uma série de dúvidas no que se refere a uma parte fundamental de sua atividade que é a avaliação. Como avaliar, de forma justa, a atividade do estudante no transcorrer do período do curso?

Por muito tempo esta preocupação foi limitada à elaboração de uma prova final, talvez uma ou duas parciais, com número fixo de questões, às quais o professor poderia atribuir – por exemplo – notas de 0 a 10. Ao corrigir a prova, suas preocupações terminavam e – simplesmente – sua tarefa de avaliar o aluno estava restrita à atribuição dessas notas.

Especialistas em educação passaram a acreditar que este sistema não era muito justo: talvez esta forma de avaliar pudesse medir a capacidade da memória e da expressão do aluno, mas será que são somente estes os fatores importantes para o aprendizado? Será que a freqüência do aluno às aulas, o cumprimento de suas tarefas, sua efetiva participação nas aulas, também não seriam vertentes de aprendizado? Parece que sim. Parece que o aprendizado pode se desenvolver de diversas formas e um sistema de avaliação mais apropriado seria mais apto a avaliar o aluno de forma mais abrangente e isenta.

Este trabalho discute alguns pontos desta forma mais ampla de avaliação e estabelece algumas comparações com dinâmicas parecidas, que foram objeto de apreciação em programas de qualidade em empresas no Brasil e no mundo.

2. A BUSCA DE UMA FORMA JUSTA DE AVALIAR

Abreu e Masetto(1) observam que "Avaliar, para muitos de nós, professores do ensino superior, é uma das atividades pedagógicas mais difíceis de realizar...". A preocupação é justificada, pois o educador precisa estabelecer uma medida que defina a promoção ou não de determinado estudante. Para suprir esta medida, Abreu e Masetto apontam uma série de técnicas que podem ser utilizadas pelo professor. Estas técnicas são divididas em grupos e são agrupadas de acordo com o que se pretenda avaliar: conhecimentos, habilidades ou atitudes. São abrangentes – também – quando afirmam que o ensino, como um todo, deve ser avaliado não só na vertente aluno, mas também nas vertentes plano de ensino e professor. Concluem que, apesar da dificuldade da tarefa de avaliar, tanto alunos como professores precisam empregar criatividade e visão crítica para alcançarem tal tarefa. Mas, um ponto de reflexão importante para estes autores é aquele no qual a aprendizagem, como um todo, é vista como um processo. Ou seja, cada parte da dinâmica da aprendizagem é importante em si mesmo. E – complementando – a avaliação faz parte deste processo, tornando aluno e professor artífices desta realidade.

Hoffman (2) traça um panorama de avaliação classificatória e, após várias reflexões, conclui que o aproveitamento máximo do aluno se dará pelas oportunidades que o mesmo obtiver no meio no qual está inserido; já em relação a uma avaliação que considere os processos, Hoffman pondera que "qualidade, numa perspectiva mediadora de avaliação, significa desenvolvimento máximo possível, um permanente 'vir a ser', sem limites pré-estabelecidos...". Em outras palavras, o primeiro modo submete o estudante a um parâmetro de avaliação fixo, enquanto o segundo procura acompanhar o aluno em todos os instantes, gerando uma certa interação, que prestigia todo o contexto do aprendizado.

Já Sordi (3) observa que a avaliação moderna deve estar a serviço da aprendizagem como um todo, servindo a mesma como experiência da própria aprendizagem. Recomenda estratégias novas no campo da avaliação, apesar de reconhecer esta área como bastante conservadora. Contudo, especifica uma série de atividades que podem auxiliar na avaliação formativa, tais como criar "situações-problema", "conceber tarefas, tanto de ensino como de avaliação" , "realização de gráficos evolutivos dos alunos", etc. e conclui que a lista pode ser interminável, pois só pode ser limitada pela própria imaginação humana.

Romanowski e Wachowicz (4) discorrem sobre a avaliação formativa no ensino superior e diagnostica a imensa vantagem deste tipo de avaliação, principalmente no que se refere a interação aluno-professor. O aluno – compreendendo a dinâmica da avaliação formativa – pode estabelecer novos parâmetros da própria aprendizagem, numa evidente – também - valorização dos processos. "Alunos e professores podem verificar a precisão dos conceitos elaborados e a validade das análises realizadas(...) o que se espera é que  aluno e  professor possam interagir para conquistar o conhecimento...". Os autores lembram, também, da dificuldade de se praticar um registro das atividades que colaborem com a avaliação formativa, já que – ao contrário – na avaliação classificatória estes registros são facilitados pela atribuição de uma ou mais notas de forma objetiva.

Anastasiou e Alves (5) expõem as várias estratégias com as quais o professor pode levar o ensino, inclusive, a forma de avaliar o aluno em cada uma delas, desde as mais comuns, como a aula expositiva dialogada, como as mais instigantes , como o Júri Simulado, em que a aula se torna um tribunal simulado, com "acusador", "defensor" e "júri".

Haas (6) apresenta uma série de reflexões, tais como "será que nossas avaliações são colocadas no tempo e espaço corretos?", em que se questiona se os professores realmente estão empenhados na descoberta de novas formas de avaliação, ou ainda, se a avaliação ao invés de representar o estágio de desenvolvimento do aluno, não poderia tornar-se – se realizada de forma inábil – uma punição ao estudante. A autora conclui que a busca da avaliação formativa deve ser um compromisso com o próprio processo de ensinar.

O que chama a atenção em todos os autores é a ênfase no processo. A avaliação já não é tão somente aquele instrumento frio, criado apenas para atribuir nota a um estudante representado no diário de classe com um simples número. A avaliação deve preocupar-se com um aluno que possui nome, características próprias (inclusive de velocidade de aprendizado), habilidades e competências únicas... e, tudo isto, interagindo com um professor motivado a observar as etapas desta dinâmica...e, mais ainda, um professor que faz parte do próprio processo – sendo ele próprio avaliado...e, ainda mais, a avaliação se estendendo aos planos de ensino... Tudo integrado num universo em que todas as partes devem agir com responsabilidade e comprometimento.

2A. OS PROCESSOS E OS PROGRAMAS DE QUALIDADE

                       

                        A ênfase nos processos lembra os programas de qualidade que as empresas do mundo inteiro passaram a implementar para sobreviverem à globalização. As empresas brasileiras - particularmente – na década de 90, passaram a implantar a norma ISO-9000, num esforço para buscar qualidade.

 "Qualidade é a adequação ao uso. É a conformidade às exigências." (7). Esta é uma definição técnica  estabelecida pela ISO – International Standardization Organization, com sede na Suíça. As normas oriundas deste organismo são homologadas, no Brasil,  pela ABNT. Apesar desta definição de Qualidade é forçoso lembrar que as auditorias de qualidade para a verificação das normas ISO-9000 buscam apenas uma das vertentes da qualidade – a única vertente mensurável, que é justamente o processo. Júlio Lobos  esclarece melhor o conceito quando afirma que  "Qualidade tem a haver , primordialmente, com o processo pelo qual os produtos ou serviços são materializados. Se o processo for bem realizado, um bom produto final advirá naturalmente. A Qualidade reside no que se faz – aliás – em tudo o que se faz – e não apenas no que se tem como conseqüência disso"(8 – p.14).

Arnold (9 – p.204) lembra, a respeito de um dos elementos da norma ISO-9000, da ação corretiva, que "o propósito deste elemento é que a organização desenvolva um programa que reduza sistematicamente a ocorrência da não conformidade. Esse programa deve ser desenvolvido no sentido de adotar uma dupla abordagem para a melhoria da qualidade – reativa e proativa.".

O Instituto IMAM (10), através de seu manual de implantação da ISO-9000 lembra uma série de estratégicas, estabelecendo relações com cada item da norma, quanto às exigências, a descrição de como supri-las e alguns instrumentos de avaliação de sua eficácia.

3.CONCLUSÃO

A conjuntura atual do ensino superior em geral – e dos processos de avaliação dos alunos deste ensino, em particular, sugere a necessidade de se implantar, o que na prática empresarial poderia ser chamado, de programa de qualidade.

Considerando que um Programa de Qualidade Total ainda estaria distante – pois este teria preocupações com todas as dimensões da Qualidade e não só com os processos – ainda assim, a busca de tornar cada processo mais efetivo e produtivo já geraria um ganho bastante considerável.

Especificamente na avaliação no ensino superior o professor pode estabelecer cronogramas de atividades – numa visão formativa – procurando dar, cada vez mais, ênfase à qualidade de cada um dos passos do aluno – talvez numa união com as estratégias de ensino com as de qualidade – num esforço platônico: o de educar com a eficácia do mundo dos negócios. Ironias à parte, talvez esta realidade não esteja tão distante e alguns exemplos já podem estar brotando. Eugenio Mussak  é professor e consegue levar sua mensagem para públicos tão distintos quanto os da universidade e os das grandes empresas. "Simplesmente competir significa obedecer a uma situação preestabelecida, cujos nomes são herdados, ou seja, nós não participamos de sua elaboração. Há pessoas capazes de competir, estas são as competentes, e há pessoas capazes de construir novos cenários – estes são os que estão 'além da competência'. " .(11 – p.13).

Aprender a olhar além do simples universo da avaliação classificatória... Talvez este seja o desafio de avaliar bem no ensino superior: o desafio da avaliação formativa. É um desafio porque desta avaliação não escapa sequer quem tradicionalmente avalia... é um desafio porque busca, na essência, uma melhoria na qualidade do próprio ensino.

 
4. REFERÊNCIAS

( 1 ) ABREU, Maria Cedia de; MASETTO, M.T.. . O Professor Universitário em aula: prática e princípios teóricos. 8ed. São Paulo: MG Ed. Associados, 1990.

( 2  ) HOFFMAN, J. Avaliação mediadora: uma prática em construção da pré-escola à universidade.Porto Alegre: Editora Mediação, 1993. 20ª Edição revista, 2003.

( 3 ) SORDI, M.R.L. "Alternativas Propositivas no campo da avaliação: por quê não?". IN: CASTANHO, Sérgio e CASTANHO, Maria Eugênia L.M. (Orgs). Temas e textos em metodologia do ensino superior. Campinas,SP: Papirus, 2001.

( 4 ) ROMANOWSKI, J.P. e WACHOWICZ, L.A."Avaliação Formativa no Ensino Superior: que resistências manifestam os professores e os alunos". IN: ANASTASIOU, L.G.C. e ALVES, L.P. (Orgs). Processos de Ensinagem na Universidade: pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. Joinville,SC: UNIVILLE, 2003.

( 5 ) ANASTASIOU, L.G.C. e ALVES, L.P. (Orgs). Processos de Ensinagem na Universidade: pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. Joinville,SC: UNIVILLE, 2003.

( 6 ) HAAS, Célia.M."Reflexões interdisciplinares sobre avaliação da aprendizagem". IN: MENESES, J.G.C. e BATISTA, S.H.S.S. (Orgs). Revisitando a prática docente interdisciplinaridade, políticas públicas e formação. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003.

( 7 ) ROTHERY, Brian.ISO 9000. São Paulo: Makron Books,1993.p.13.

( 8 ) LOBOS, Júlio. Qualidade através das pessoas. São Paulo: J.Lobos, 1991.

( 9 ) ARNOLD, Kenneth.L. O Guia Gerencial para a ISO-9000. Rio de Janeiro: Campos, 1994.

(10) Desmistificando a ISO-9000: versão 1994/Revisão técnica Reinaldo A. Morim e Edson Carrillo Jr. São Paulo:IMAM, 1994.

(11 ) MUSSAK, Eugenio. Metacompetência: uma nova visão do trabalho e da realização pessoal.6ª. Ed. São Paulo: Editora Gente, 2003.p. 72.


Autor: Herbert Gonçalves Espuny


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