Contribuições Do Método Recepcional Para A Leitura Literária Na Escola



1 Ana Paula Miqueletti SANCHES (Universidade Estadual de Londrina – PG – CAPPES)

Essa comunicação objetiva evidenciar a importância da leitura literária na escola e enfatizar como o Método Recepcional, proposto por Bordini e Aguiar (1988), pode contribuir para a ampliação do horizonte de expectativas do leitor. No entanto, para isso, faz-se necessário adentrar, mesmo que rapidamente, nas teorias de Hans Robert Jauss sobre a Estética da Recepção.

Na Universidade de Constança, em 1967, Hans Robert Jauss, abriu o semestre letivo com uma palestra denominada: O que é e com que fim se estuda a história da literatura, a qual, posteriormente, teve seu nome trocado por: A história da literatura como provocação à crítica literária. A partir disso, o estudioso alemão, publicou inúmeras obras que discutiam o lugar da literatura nos estudos literários. Jauss colocou-se contra a separação entre história e estética e propôs, então, um diálogo entre elas, fazendo surgir em plano de destaque o leitor, tão relegado por outras teorias.

Para o teórico, o leitor é o responsável pela atualização dos textos, garantindo a historicidade das obras literárias. Aqui, é pertinente ressaltar que, nesse contexto, historicidade não se refere a data de publicação da obra, mas sim ao momento em que o leitor lê e aprecia a obra, como se pode notar nas próprias palavras do autor:

Jauss define seu leitor através de dois pontos bastante pertinentes: o horizonte de expectativas e a emancipação, que seria, justamente, uma nova perspectiva da realidade a qual ampliaria seu campo de percepção, isto é, haveria a ampliação do horizonte de expectativas do leitor.

Conforme o estudiosos alemão, a própria renovação da história da literatura depende da relação entre o leitor e a obra, já que, em uma reação dialógica, a cada nova experiência de leitura ocorre uma atualização do texto literário, como se pode observar nos excerto seguinte:

A obra literária não é um objeto que exista por si só, oferecendo a cada observador em cada época um mesmo aspecto. Não se trata de um monumento a revelar monologicamente seu Ser atemporal. Ela é, antes, como uma partitura voltada para a ressonância sempre renovada da leitura, libertando o texto da matéria das palavras e conferindo-lhe existência atual. (Jauss, 1994: 25)

O teórico alemão ainda enfatiza que os conhecimentos prévios do leitor sempre devem ser levados em consideração. A obra pode atender, romper, ampliar ou não as expectativas dos leitores e é, exatamente, disso que resultaria a reconstrução do horizonte de expectativas do leitor. Com isso, observa-se o que Jauss chama de distância estética, ou seja, a diferença entre o horizonte de expectativas do leitor e da obra. Tem-se, então, que o novo oportunizará maiores mudanças nos leitores, isto é, ampliará seu horizonte de expectativas, enquanto o que apenas atender tais horizontes não lhes trará grandes acréscimos.

As autoras Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar, discutindo o ensino de literatura propõem como uma das alternativas metodológicas o Método Recepcional, por elas elaborado, embasadas nos pressupostos da Estética da Recepção, que foram expostos, rapidamente, anteriormente. Assim sendo, entendem que:

A literatura não se esgota no texto. Complementa-se no ato da leitura e o pressupõe, prefigurando-o em si, através de indícios do comportamento a ser assumido pelo leitor. Esse, porém, pode submeter-se ou não a tais pistas de leitura, entrando em diálogo com o texto e fazendo-o corresponder a seu arsenal de conhecimentos e de interesses. O processo de recepção textual, portanto, implica a participação ativa e criativa daquele que lê, sem com isso sufocar-se a autonomia da obra (Bordini; Aguiar, 1993: 86).

Entretanto, as autoras salientam que a aplicação do método recepcional, nas escolas brasileiras, ainda pode ser complicada, justamente pela não valorização do leitor/aluno.

O método recepcional é estranho à escola brasileira, em que a preocupação com o ponto de vista do leitor não é parte da tradição. Via de regra, os estudos literários nela tem se dedicado à exploração de textos e de sua contextualização espaço-temporal, num eixo positivista. O relativismo de interpretação e, portanto, de leitura não é tópico de consideração no âmbito acadêmico, o que se explica pela tendência ao autoritarismo da própria cultura brasileira, que endeusa seus expoentes, temerosa de expô-los à crítica. (Bordini; Aguiar, 1993: 81)

Essa ressalva faz com  que a avaliação do método recepcional seja ainda mais positiva, já que acarreta inovações para um sistema de ensino em real estado de precariedade. Poder-se-á verificar, nitidamente, as contribuições que o método em questão poderá trazer para as salas de aula. Isso se dá, exatamente, pela preocupação direta com o leitor, seus conhecimentos prévios e a constatação de seus horizontes de expectativas, nota-se então que:

O processo de recepção se inicia antes do contato do leitor com o texto. O leitor possui um horizonte que o limita, mas que pode transformar-se continuamente, abrindo-se. Esse horizonte é o do mundo de sua vida, com tudo que o povoa: vivências pessoais, sócio-históricas e normas filosóficas, religiosas, estéticas, jurídicas, ideológicas, que orientam ou explicam tais vivências. Munidos dessas referências, o sujeito busca inserir o texto que se lhe apresenta no esquadro de seu horizonte de valores. Por sua vez, o texto pode confirmar ou perturbar esse horizonte, em termos das expectativas do leitor, que o recebe e julga por tudo o que já conhece e aceita. O texto, quanto mais se distancia do que o leitor espera por hábito, mais altera os limites desse horizonte de expectativas, ampliando-os. (Bordini; Aguiar, 1993: 87)

A parir dessa constatação sobre o processo de recepção, nota-se que são necessárias duas etapas, a determinação do horizonte de expectativas e sua possível ampliação. Porém, para percorrer esse percurso, as autoras pensaram em mais três etapas, sendo, então o método recepcional composto por cinco etapas, sendo elas:

1.     Determinação do Horizonte de Expectativas

2.     Atendimento do horizonte de expectativas

3.     Ruptura do horizonte de expectativas

4.     Questionamento do horizonte de expectativas

5.     Ampliação do horizonte de expectativas

Sendo esses as cinco etapas do Método recepcional, verificar-se-á, seguidamente, como o professor deverá agir em cada uma das etapas conforme os pressupostos das autoras. Na primeira etapa do Método Recepcional o professor deverá determinar quais são os horizontes de expectativas de seus alunos/leitores para que possa elaborar estratégias de ruptura e transformação desses horizontes. Esse procedimento indicará o sucesso a ser alcançado com este método. O professor deve considerar, nesta etapa, os valores prezados pelos alunos, suas preferências e comportamentos. E isso pode ser detectado por meio de conversas informais com os alunos, observação de comportamentos em sala e de tipos de brincadeira na hora do intervalo, entrevistas, questionários e outros.

Tendo detectado as aspirações dos alunos/leitores, o professor deve, então, atender a esses interesses considerando dois aspectos importantes: no primeiro o professor deve oferecer, aos alunos, textos que correspondam ao esperado por eles; e no segundo deve organizar estratégias de ensino que sejam do conhecimento dos alunos para, aos poucos, acrescentar elementos novos nas atividades desenvolvidas.

Atendido devidamente o horizonte de expectativas dos alunos/leitores, o professor deve iniciar essa terceira etapa prevista no método. Para tanto, ele deve introduzir textos e atividades que abalem as certezas e costumes dos alunos, mas essa ruptura não deve se dar em todos os elementos de uma só vez. O papel do professor, aqui, é dar condições para que os próprios alunos percebam que há algo de estranho, de novo, no modo de proceder no, até então, conhecido.

A ruptura deve dar-se de maneira equilibrada para que os alunos não rejeitem a experiência nova. Ou seja, o professor pode, por exemplo, continuar a abordar a temática trabalhada na etapa anterior e promover a ruptura com esta: quanto à forma, à linguagem, o gênero e/ou estratégias de trabalho com o texto.

Nesta etapa, os alunos/leitores devem estar aptos para refletirem sobre o trabalho desenvolvido até o momento, comparando as etapas anteriores a fim de julgar qual delas exigiu maior grau de dificuldade e qual lhes proporcionou maior satisfação.

Para que esse questionamento se dê de maneira mais adequada, atividades que exijam mais dos alunos/leitores, maior participação e discussão, são as mais indicadas.

Esta etapa é resultante da reflexão anterior feita pelos alunos. É quase que inteiramente da responsabilidade dos próprios alunos, uma vez que, são eles que devem ter consciência das mudanças que ocorreram no seu aprendizado sobre o ensino de literatura, cotejando seus anseios iniciais e os de agora.

Ao professor cabe fazer com que os alunos/leitores tenham condições de avaliar eles próprios o seu crescimento e o que ainda resta para ampliar o seu horizonte de expectativas.

No processo dinâmico da recepção previsto no Método Recepcional, esta última etapa coincide com o início de uma nova aplicação do método porém, com a grande vantagem de poder contar com a participação dos alunos desde o início do processo.

Verifica-se claramente que o aluno leitor é o ponto principal do Método Recepcional, assim como o leitor tem lugar de destaque na Estética da Recepção. Esta é uma contribuição bastante valiosa, tendo em vista que, a partir do momento em que se parte do próprio conhecimento dos alunos/leitores o interessa pela leitura literária tende a ser cada vez maior. Observa-se, ainda, que, seguindo paulatinamente as cinco etapas, os alunos/leitores terão seus horizontes de expectativas cada vez mais ampliados, o que fará com que, por sua vez seu conhecimento literário seja, também,  cada vez maior.

A importância de um método que se preocupe diretamente com os alunos/leitores é indiscutível, principalmente em um ensino precário como o que se nota nas escolas. A Literatura deve ser valorizada cada vez mais, tendo em vista sua função formativa e, além disso pelo fato de ela poder ajudar a formar homens críticos e reflexivos. Esse dado não se refere apenas à leitura de textos literários, mas também no sentido de formar cidadãos que saibam discernir sobre seus deveres e direitos.

Para a ilustração de uma possível abordagem do Método Recepcional, será ressaltado uma proposta ainda em andamento, a qual se dirige diretamente à EJA (Educação de Jovens e Adultos e mais especificamente a APEART ( Associação Projeto Educação do Assalariado Rural Temporário). Tal proposta metodológica faz parte de uma dissertação de mestrado ainda em andamento, que está sendo cursado na Universidade Estadual de Londrina.

Inicialmente houve um primeiro contado com os educadores leigos da APEART. Neste primeiro encontro os educadores se dispuseram a ser entrevistados, falando de suas vidas, de suas experiências na APEART e de histórias que ouviram desde as suas infâncias.

A partir dessas entrevistas foi possível conhecer o horizonte de expectativas desses educadores. Observou-se que são pessoas muito simples, que trazem consigo uma tradição de oral bastante forte. Assim histórias como as de lobisomem, fantasmas, mulas, entre outras, são bastante recorrentes em seus repertórios. Pretende-se, com isso criar uma proposta metodológica, pautada no Método Recepcional, aqui exposto, para que se possa aproximar esses educadores da literatura considerada canônica.  

Por ainda ser uma proposta em andamento, serão colocadas em tópicos, uma possível abordagem que poderia ser feita com tais educadores, partindo da Segunda etapa, já que a primeira já foi evidenciada:

Atendimento do Horizonte de Expectativas – O atendimento do horizonte de expectativas se daria mostrando aos educadores que os temas das histórias contadas por eles também fazem parte da literatura não oral ou escrita. Como exemplo disso temos  O Coronel e o Lobisomem de José Candido de Carvalho, história onde a figura do lobisomem é abordada. Além disso, o atendimento também se daria pelo fato de ter ocorrido uma seleção dessas histórias, feita por um projeto de extensão da UEL, "Ler e Contar Histórias: a transmissão de saberes, da tradição à literatura", que serão editadas brevemente em um livro, enfatizando a importância da literatura oral.

Ruptura do horizonte de expectativas – Pensa-se em nesta etapa mostrar outras histórias, dessa vez da literatura escrita, mas que ainda contenham os temas evidenciados pelos próprios educadores em suas entrevistas. Inicialmente, o autor que foi destacado seria Monteiro Lobato.

Questionamento do horizonte de expectativas – Esta etapa se daria com a comparação entre as histórias dos educadores, literatura oral, e histórias da literatura não oral. Em um primeiro momento, tem-se como idéia a abordagem das Histórias de Tia Nástacia, de Monteiro Lobato, para  que as comparações sejam realizadas, todavia, por ser uma pesquisa em andamento, outras idéias poderão surgir.

Ampliação do horizonte de expectativas – Nesta etapa o trabalho com Monteiro Lobato seria continuado. Entretanto seriam abordados contos da obra Urupês, que poderiam ampliar os horizontes de várias formas. Primeiramente pela linguagem, que já não seria simples como a utilizada na obra infantil lobateana, depois pelo fato dos próprios temas, tendo em vista que seriam diversificados dos temas iniciais.

É fundamental destacar que a proposta aqui exposta ainda está em andamento, e, justamente por isso, pode ser alterada no decorrer da pesquisa, servindo aqui apenas como ilustração.

Evidenciou-se, desta maneira, as possíveis contribuições que o Método Recepcional pode trazer para o ensino, seja ele o fundamental, o médio e, até mesmo, a Educação de Jovens e Adultos, na qual os alunos/leitores se vêem ainda mais privados do contato com obras literárias canônicas. Como já foi ressaltado inúmeras vezes, um dos pontos fundamentais desse método é a valorização do leitor e, assim sendo, suas experiências de vida e leitura sempre devem ser levadas e consideração.

Referências Bibliográficas

BORDINI, M e AGUIAR, V. T. A Formação do Leitor: Alternativas Metodológicas. 2ª ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.

JAUSS, Hans. A História da Literatura como provocação à Teoria Literária. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994

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Autor: Ana Paula Miqueletti


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