Bovinos e Aquecimento Global



COMO AS ANDORINHAS NEGRAS, AS VACAS PANTANEIRAS E OS SERES HUMANOS CONTRIBUEM PARA O AQUECIMENTO GLOBAL?

 

José Carlos Thimoteo Lobreiro, M.Sc.

Médico Veterinário, Homeopata

Secretário da ABPO (Associação Brasileira de Pecuária Orgânica)

Campo Grande, MS

[email protected]

 

Conta uma lenda, da existência de um vale perdido em algum lugar do universo habitado por lindas andorinhas negras portadoras de uma, estrategicamente localizada, mancha branca na extremidade da asa esquerda. Um viajante visitou o vale, e em suas peregrinações por nações distantes, frequentemente falava sobre elas. Tempo passando, já se ouvia da existência de um vale habitado por pássaros pintassilgados de branco e preto. Nos dias atuais, em muitas rodas de enlevo à natureza, fala-se sobre a beleza de certo pássaro totalmente branco que habita certo vale perdido em algum canto do universo.

Que essa metáfora possa ilustrar trechos do texto a seguir.

Como a carne bovina, e um ser humano, que faz dela seu maior prazer gastronômico, contribuem para o aquecimento global?

Seguindo as mesmas pegadas das andorinhas negras do texto acima, e considerando até mesmo os mais indeléveis rastros deixados pelo pensar no ar da consciência humana, muito se tem dito sobre o tema levantado naquela pergunta.

Recentemente, em Janeiro de 2010, publicou-se pela internet um artigo sob o título: A pegada de carbono dos bovinos: por que bovinos alimentados a pasto possuem um saldo negativo em pegadas de carbono?(1). Os autores, focados em aspectos naturais da criação extensiva de bovinos, enfatizaram que os bovinos criados a pasto contribuem para a redução da emissão dos gases de efeito estufa (GEE) quando comparados aos animais criados intensivamente. Por outro lado, os bovinos criados intensivamente, por necessitarem de grãos cultivados a expensas de altas doses de fertilizantes químicos, combustíveis de origem fóssil, máquinas construídas a partir de metais extraídos do solo, que deixam para trás imensos trechos de destruição ambiental, longos trechos de transportes, mantidos também à base de combustíveis fósseis, produzem então, uma maior pegada de carbono comparados aos bovinos criados extensivamente a pasto. Entenda-se por pegada de carbono a soma de todos GEE emitidos durante todo o processo de produção do referido bem, produto ou serviço.

No final do ano de 2009, a FAO Organização para os Alimentos e Agricultura das Nações Unidas- fez, o que na minha interpretação, considerei como um mea culpa para o papel dos bovinos no aquecimento global. Através de seu departamento de Propriedade da Terra e Unidade de Manejo (NRLA) e Divisão de Águas e Terras, publicou um relato sob o título: Revisão das evidências dos sistemas pastoris em terras secas para as mudanças climáticas (2). Nesse artigo, o potencial de armazenagem de Carbono no solo e do seqüestro dele da atmosfera nas pastagens nativas e cultivadas é fortemente enfatizado; bem como, as práticas capazes de melhorar o ciclo do carbono e mitigar a emissão dos GEE através do uso correto dos manejos do solo e das pastagens.

Data de 2006, no entanto, o lançamento do estopim do barril de pólvora que detonou e incriminou principalmente a pecuária como o grande vilão dos GEE. Mais uma vez a FAO, dessa feita, porém, através da sua Divisão de Saúde e Produção Animal publicou o, inúmeras e repetidas vezes, citado artigo sob o título: As longas e extensas sombras da criação animal (3). Tarefa hercúlea de expressar em um único valor o resultado das estimativas das emissões dos GEE de todos os sistemas de criação animal de todos os rincões do planeta, pasteurizando tudo em um míope propósito de responsabilizar a criação animal pelos 18% dos GEE mensurados em equivalente de CO2. Os animais foram agrupados por categoria animal: Bovinos leiteiros, Bovinos não leiteiros, Ovinos, Suínos, Aves (galinhas, patos e perus) e Outros animais (Caprinos, Camelos, Cavalos, e Muares). As regiões do globo foram divididas em: América do Norte, Europa Oriental, Europa Ocidental, Oceania, América Latina, África, Oriente Médio, Ásia e Subcontinente Indiano. Os sistemas de criação animais consideraram os regimes: intensivo, extensivo pastagens cultivadas ou pastagens nativas. Os manejos considerados para os dejetos foram: a pasto, recolhidos sob forma líquida ou em pasta. São tantas variáveis advindas de cada sistema de criação que usar um modelo matemático para procurar minimizar o efeito das interferências delas nas estimativas calculadas torna-se uma atitude pelo menos ingênua diante da realidade dos fatos. Mesmo assim, os seguintes gases: CO2, Óxido Nitroso, Metano, Hidrofluocarbonos, Perfluocarbonos, Hexafluoreto de enxofre, e Monóxido de Carbono tiveram suas estimativas de emissão calculadas. Como um todo, o relato incrimina a criação animal como agente de degradação também da terra, das águas dos rios, dos lençóis freáticos e da biodiversidade. Para confeccionar aquele documento, a FAO recrutou vários viajantes de diversos rincões do planeta que formaram a Iniciativa LEAD - Iniciativa para o Desenvolvimento Ambiental e da Criação Animal. Eles recontaram, então, as diversas e as possíveis interpretações do documento gerado em 1997 pelo IPCC - Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas  Manual de Referência: Guias Gerais IPCC para os Inventários Nacionais dos Gases de Efeito Estufa, Revisado 1996 (4). Por sua vez, as referências que contribuíram para a construção do referido Manual foram originadas por outros pesquisadores em vários cantos do planeta no período entre 1965 e 1993.

No Brasil, embasado também no Manual de Referência IPCC, o Ministério da Ciência e Tecnologia emitiu em Novembro de 2009 o Inventário Brasileiro das Emissões e Remoções Antrópicas de Gases de Efeito Estufa (5). Mesmo com a sublegenda informações gerais e valores preliminares aquele documento inventaria os setores: Energia, Processos Industriais, Agropecuária, Mudança no Uso da Terra e Florestas, e Tratamento de Resíduos. Após comparar as estimativas de emissão dos GEE para os diferentes setores, indicou variações de 25 para 22%, para o setor da Agropecuária e de 55 para 58% para o setor de Mudança de Uso da Terra e Florestas nas estimativas para a emissão daqueles gases nos anos de 1990 e 2005, respectivamente.

Relatos de 2007 do IPCC indicam o mecanismo de seqüestro de carbono pelo solo como o maior potencial de mitigação das emissões dos GEE do setor agropecuário (2). A combinação das práticas de manejo melhorado das pastagens e das técnicas de restauração das pastagens degradadas tem o potencial de, no ano de 2030, seqüestrar cerca de 2000 toneladas cúbicas de CO2 por ano. Evidências recentes indicam que as pastagens armazenam de 4 a 20 vezes mais carbono no solo do que na planta, dependendo do tipo de cobertura do solo: savana tropical, pastagens nativas em zonas temperadas ou áreas semi-desérticas. Medidas como: práticas de conservação do solo, que aumentam o número das espécies viventes no seu interior; rotação das pastagens, que além de concentrar a deposição do esterco animal por área, melhora a digestibilidade da pastagem ingerida, pois os animais comem apenas a melhor e a mais digerível porção da planta; ajuste correto do número de animais por área, que ajuda a conservação das pastagens; uso de raças geneticamente melhoradas para uma melhor digestibilidade das plantas, que resultam em melhor ganho de peso por animal por área; plantio de árvores, recuperação de leguminosas nativas ou introdução de variedades similares exóticas associadas ou não à adubação orgânica, que aumenta a fixação de nitrogênio no solo e melhora o teor de matéria orgânica nele; uso de fitoterápicos naturais ou produtos homeopáticos, que não deixam resíduos tóxicos nem na carne nem no solo, tampouco no meio ambiente são práticas concretas preconizadas como potenciais redutores das emissões dos GEE. A pecuária orgânica, também a bicentenária pecuária pantaneira, bem como a pecuária orgânica no pantanal contemplam uma, várias, ou até mesmo todas aquelas medidas.

Da pergunta lançada no início desse ensaio, anseio ter oferecido possibilidades de respostas à primeira parte dela, referente à contribuição da carne bovina para o aquecimento global. Mas, como os seres humanos, mesmo os vegetarianos, podem contribuir para minimizar a emissão dos GEE? CONSUMO CONSCIENTE: eis a resposta! Isso significa uma mudança do paradigma do consumidor. Significa, além de considerar como o produto ou serviço que se anseia adquirir é produzido, de onde vem e para onde vai depois de consumido, que quantidade de lixo e de resíduos não perecíveis é gerada por aquele bem, produto ou serviço. Significa também olhar não mais um produto, mas toda a cadeia produtiva envolvida na produção daquele bem ou serviço. Mais que tudo, significa mudar o padrão do consumo baseado na ilusão do saciar o insaciável desejo do querer, para rumar nos caminhos desconhecidos do consumo do apenas indispensável necessário.

Por fim, as equações utilizadas para estimar as quantidades emitidas para cada GEE, bem como os fatores de ajustes dos modelos matemáticos utilizados para adequar cada sistema de produção às peculiaridades ambientais de cada região planetária, não obstante altamente complexos, produzem apenas números de estimativas, nunca valores reais. Principalmente as instituições de ensino ou de pesquisa são as eleitas eminentes para a condução de experimentos que gerem valores reais, não estimativas, para a quantificação da emissão dos GEE. Enquanto isso não acontece, continuamos, ao longo dos tempos, nosso eterno e conhecido contar histórias de andorinhas negras, hoje vistas em muitas variações de cores, manchas e pintas.

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(1) ABEND L. How Cows (Grass-fed Only) Could Save the Planet. Disponível em: Acesso em 10/02/10.

(2) NEELY, C.; BUNNING, S. & WILKES, A. Review of evidence on drylands pastoral systems and climate change. Disponível em: Acesso em:08/02/10.

(3) JUTZI, S. (Ed.) Livestocks Long Shadow  Environmental Issues and Options. Disponível em:   Acesso em: 10/02/10.

(4) BOLIN, B. & SUNDARARAMAN, N. (Eds.) Revised 1996 IPCC Guidelines for National Greenhouse Gas Inventories: Reference Manual. Disponível em: Acesso em: 08/02/10.

(5) MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. INVENTÁRIO BRASILEIRO DAS EMISSÕES E REMOÇÕES ANTRÓPICAS DE GASES DE EFEITO ESTUFA. Disponível em: Acesso em: 07/02/10.

 


Autor: Jose Lobreiro


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