A Menina De Olhos De Jabuticaba



Uma praça, uma feira de livros, uma tenda branca, um contador de histórias, uma menina, um pai, uma avó, uma testemunha ocular.

Tapetes, almofadas, livros na pequena estante amarela, livros espalhados no chão, livros nas mãos das crianças, livros nas mãos de adultos.

Crianças, adultos, sentados – no chão, nas cadeirinhas brancas, nos bancos do jardim. Deitados, encostados, em pé. Passantes que param absortos a entonação vibrante do contador de histórias.

Livro na mão, olhar atento a todos os lados, concentra-se um instante, percorre o livro, inicia a fala: entoa o texto, coloca emoção, encanta os presentes.

Adultos atentos. Crianças silentes: livros nas mãos; ora olham as gravuras, ora conversam entre si, olhares vibrantes, sorriso nos lábios a cada declinar da fala.

Uma pequena menina, livro na mão olha apenas as gravuras. Vez ou outra levanta o olhar para o contador de histórias, num sorriso alegre, gargalha emitindo um som tão gostoso que encanta a todos, em especial a mim, que atenta estou àquela menina que tanto me chamou a atenção.

Logo me coloco a questionar. O que passaria então na mente daquela pequena criança, dócil, meiga de pele morena.

Ela percebe que olho para ela e se achega a mim. Livro na mão me pede que lhe conte a história.

Inicio mostrando-lhe as gravuras, percorro as linhas, narro-lhe o texto; atenta a cada término de frase, mostra na página colorida os personagens correspondentes.

Meu olhar ora atenta para o contador, que está aos ouvintes falar, ora para a menina, ora para o livro.

Agora sua atenção se voltou a mim – ela já não é mais uma no meio daquelas crianças. Para mim ela é importante, mais do que as outras, porque ela se apresentou, pediu atenção – foi correspondida. Ela me cativou, eu a cativei – a pureza da criança entendeu claramente o que se passou naquele instante.

O contador de histórias continua o texto; nada percebe.

Vez ou outro a pequena criança, olha para o banco da praça, onde sua avó está sentada. Parece preocupada em não perdê-la de vista.

Bem sei que ali há um drama, uma história, uma vida sofrida. Julia – seu nome – tão pequena já se encontra dividida no emaranhado de confusões provocadas pelos adultos; pais separados, brigas de família. A avó e o pai apenas a vê um dia na semana – o sábado.

A criança é pura, alegre, mas até quando? Na sua confusão de criança diz ter dois pais; claro a mãe a educa dessa forma; a avó contradiz, ela prefere atentar para o dizer da mãe.

A amargura da avó é latente e não esconde seu rancor para com a mãe da criança.

Minha palavra, contudo, para que as duas armas fortes e poderosas fossem utilizadas – o perdão e a oração – não consegue atingir o coração de pedra daquela avó amargurada que, machucada pela brusca separação, não consegue se valer desses atributos. Quer acompanhar dia a dia o desenvolvimento da criança. Não percebe, contudo, que um dia apenas, pode fazer toda a diferença.

Fico a pensar então, quanta oportunidade essa avó tem perdido, nesse único dia de encontro.

Naqueles olhos de jabuticaba, brilhantes, naquela gargalhada sonora há tanta expressão positiva, que quebranta qualquer coração ferido.

Não sei se a verei novamente; não sei onde mora; jamais a vi, quem sabe jamais a verei, mas a lembrança desse sorriso e dessa gargalhada, habitarão em minha mente para sempre e, todas as vezes que me deparar com uma praça, uma feira de livros, uma tenda branca, um contador de histórias, irei me lembrar, com certeza, de uma menina com olhos de jabuticaba, um sorriso encantador e uma gargalhada sonora que preencheu o espaço do meu coração e veio habitar no fundo de minh'alma.

Júlia - que Deus abençoe teus passos e que Jesus possa tê-la sempre debaixo de Suas asas. Que você jamais perca a doçura da criança, a pureza do seu sorriso, o doce sonoro do seu gargalhar. Grata sou a Deus por esse presente que me proporcionou.


Autor: Inajá Martins de Almeida


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