As Colônias Do Além-mar



Segundo Sérgio Buarque de Holanda, houve diferenças sensíveis entre o processo de colonização da América espanhola e portuguesa. "O afã de fazer das novas terras mais que simples feitorias comerciais levou os castelhanos, algumas vezes, a começar pela cúpula a construção do edifício colonial" . As colônias espanholas deveriam desenvolver-se como um "prolongamento orgânico" da metrópole. Essa idéia fez com que a localização dos centros populacionais das Américas se tornasse distintos . Nas terras que passaram a pertencer à coroa portuguesa, a princípio, foi dispensável o estabelecimento de uma empresa colonizadora, pois, se estava lidando com uma situação onde os aspectos econômicos não estavam explícitos naquele cenário selvagem. Dessa forma será analisado nesse ensaio bibliográfico os aspectos que foram determinantes para o desenvolvimento das colônias espanholas e da colônia portuguesa no continente americano.

Os centros populacionais das colônias espanholas eram erguidos em lugares afastados da costa atlântica, de preferência em locais onde a altitude simulasse o clima da metrópole. E ainda, quando se firmavam próximas da costa marítima, eram afastadas do Atlântico e próximas ao Pacífico, onde não havia um fluxo comercial considerável. Os portugueses, por sua vez, estabeleceram-se na costa brasileira, onde supostamente deveriam ser favorecidos pela extensão continental da costa marítima, aliados ao exímio conhecimento em navegação, o que facilitaria o transporte de pessoas e mercadorias. Nesses termos, a prática comercial em terras brasileiras seria mais viável que em terras de colonização espanholas, onde as características físicas eram desfavoráveis. Com essas informações se pode concluir que os espanhóis, na intenção de simular as condições climáticas de sua terra natal, comprometeram o caráter viário das colônias. Mas não cabe ser taxativo a esse respeito, mesmo porque muitos outros fatores foram responsáveis pelo futuro das colônias ibéricas na América.

Alguns autores destacam que as diferenças do processo colonial das Américas, foram favoráveis aos dominadores espanhóis, pois estes desenvolveram um processo de colonização planejado e padronizado em suas colônias. No entanto, os portugueses conseguem se adaptar melhor às condições locais. Com relação ao processo de efetivação das colônias, os hispânicos tiveram ações de imposição de seu sistema econômico e social, isso aparentemente demonstra a atitude mais rígida dos espanhóis. Não que os portugueses não tenham tentado o mesmo, mas se percebe uma maior abertura dos portugueses, principalmente nas questões culturais. Sobre a administração portuguesa na América, Sérgio Buarque faz a seguinte afirmação:

(...) a administração portuguesa parece, em alguns pontos, relativamente mais liberal do que a das possessões espanholas. Assim é que ao contrário do que sucedia nessas, foi admitida aqui a livre entrada de estrangeiros que se dispusessem a vir trabalhar. Inúmeros foram os espanhóis, italianos, flamengos, ingleses, irlandeses, alemães que para cá vieram, aproveitando-se dessa tolerância. [...] era permitido, além disso, percorrerem as costas brasileiras na qualidade de mercadores [...] só mudou em 1600, durante o domínio espanhol

Em hipótese alguma, as diferenças do processo de colonização entre as colônias da América espanhola e da América portuguesa, podem recair como vantagem para os silvícolas, já que ambas estavam em situação de plena inferioridade com relação os dominadores, nem mesmo o fato de existirem universidades já no século XVI na América espanhola justifica essa idéia. Ter ou não instituições de ensino superior não é um indicador de vantagem ou maior prosperidade para a população. Essa aparente vantagem pode ser facilmente descaracterizada quando se define para quem e para quais motivos eram destinados os estudos universitários da época. Essas instituições foram estabelecidas para atender a classe estrangeira dominante. Dessa forma, a construção destas instituições evidenciou ainda mais as diferenças entre dominadores e dominados.

As atitudes coloniais refletiram na progressão do modelo econômico e social nas recém-formadas nações latino-americanas, e o que se percebe é que tanto nas colônias hispano-americanas como na grande colônia luso-americana, se obteve resultados semelhantes, no que diz respeito à economia, a estratificação social e a intervenção política. Nem a rigidez metódica dos espanhóis, nem o "desleixo" dos portugueses, foram capazes de empreender um processo em que fosse possível uma harmonia social e econômica das colônias.

As opções de localização dos centros urbanos e comerciais influenciaram no desenvolvimento econômico, comercial e social da América portuguesa e espanhola. O resultado prático das diferenças entre os métodos de colonização de portugueses e espanhóis, relacionados com os princípios do modelo capitalista estudados por pensadores, historiadores, sociólogos e economistas, tanto no Brasil como em outros países, seria um interessante ponto de partida para uma pesquisa, mas no momento será averiguado apenas o trabalho de historiadores a respeito desse processo.

A expansão colonial portuguesa não se constituiu como um processo de expansão territorial ou extravasamento populacional, já que em Portugal havia cerca de um milhão de habitantes à época dos descobrimentos, número insuficiente para atender aos requisitos territoriais dos locais conquistados. Ou mesmo tornar-se uma 'potência colonizadora', como os grandes impérios da Antigüidade, ademais, os portugueses, antes das terras brasileiras, tinham inúmeras colônias em Ásia e África, conquistadas através da expansão marítima do século XV . Isto explica, em partes, o abandono das terras brasileiras, principalmente nas três primeiras décadas, após a primeira expedição portuguesa oficial às Américas.

Os espanhóis tiveram atitudes distintas dos portugueses no continente americano, talvez pelo fato de terem descoberto mais rapidamente um potencial econômico nas terras do além-mar. Suas atenções inicialmente foram centralizadas na região da "mesoamérica", designada por Richard Morse ou América Central como popularmente se conhece. Lá foram erguidas as primeiras edificações da América, e onde já se mostra o caráter circunspecto dos espanhóis.

Devemos lembrar que quaisquer que tenham sido as restrições impostas pelo lugar e pela circunstância, a fundação de uma cidade era um ato litúrgico que santificava a terra recém conquistada. Mais que um mero exercício de cartografia, o planejamento urbano era o veículo para o transplante de uma ordem social, política e econômica e exemplificava o corpo mítico, que estava no centro do pensamento ibérico.

A questão religiosa teve força incontestável na expansão marítima ibérica, principalmente na questão ideológica que o pensamento cristão levava consigo. A religião também se aliava ao caráter expansionista, pois o cristianismo pregava a evangelização de todos os povos. Essa era a motivação que levavam muitos a entrarem em arriscadas expedições que detinham os preceitos cristãos como bandeira. E por trás desta perspectiva, havia na verdade, os interesses econômicos do Estado. Para ratificar essa situação é profícuo ressaltar que nesse período clero e nobreza gozavam de vantagens e prestígios que norteavam suas ações do Estado.

Os povos ibéricos estavam acostumados com a descoberta de rotas marítimas. Entretanto, eram habituados a deparar-se com civilizações já estabelecidas, como a da Índia, em que a colonização não se fazia necessária. Portanto, a chegada de Cabral em terras brasileiras, não obteve o mesmo sentido da descoberta de uma rota comercial para os portugueses, a princípio demonstrou-se até certo desprezo pela descoberta, como demonstra Caio Prado Júnior:

Subitamente, em meio caminho desta vasta empresa comercial, depara-se Portugal com um território imenso, parcamente habitado por tribos nômades ainda na idade da pedra.

Deixando de lado a forma com que Prado Júnior se reporta à cultura das sociedades encontradas no Brasil, designando-as como que ainda viventes da "idade da pedra". Ao referi-las dessa forma o autor demonstra, em parte, o pensamento dos portugueses que se dividiam entre os que pensavam desta forma, e os que participaram do feito e vangloriavam-se com a nova conquista.

Mesmo com as diferenças geofísicas que, em certo ponto de vista, poderiam até favorecer as terras apoderadas pelos lusitanos, se reconhece um lento processo de desenvolvimento econômico e social dessas terras em relação às terras hispânicas, dada ao abandono dos portugueses nas primeiras décadas da descoberta das terras do além-mar. Outro fator que contribuiu para o denominado esquecimento dos portugueses, no primeiro século do descobrimento, deve-se ao intenso conflito interno e as desventuras de Dom Sebastião que se lança em expedições à terra santa sem lograr êxito e desaparecendo sem deixar herdeiros. Mais precisamente sua derrocada foi na batalha de Alcácer Quibir, no Marrocos, e deste fato surge o sebastianismo, movimento místico-secular que acredita na volta de Dom Sebastião. O resultado disso foi à anexação do território português à coroa espanhola, período que vai de 1581 até 1640, data da emancipação portuguesa. Este fato, segundo José Gabriel de Lemos Brito, é o motivo que fez com que o desenvolvimento econômico brasileiro não fosse "tão apreciável quanto devia ser".

Os povos ibéricos, particularmente os portugueses, sempre almejavam um retorno econômico imediato as suas conquistas territoriais, então, "não viam com bons olhos qualquer trabalho que lhes custasse energia sem lucro imediato" (refere-se aos donatários das Capitanias Hereditárias) . A instituição das capitanias hereditárias pela Coroa portuguesa, se mostrou como a primeira tentativa de organização da sociedade aos moldes da civilização européia em terras brasileiras.

(...) desde que se começaram a desenvolver os trabalhos de colonização, os donatários aproveitaram a colaboração de todas as energias para se enriquecerem, deixando em segundo plano os princípios da moral e até os sentimentos de humanidade.

Grande parte do insucesso das capitanias hereditárias foi causada pela ambição dos donatários que não estavam dispostos a constituir uma nação independente de Portugal, já que estavam subordinados a este. Os donatários tinham a real função de estabelecer no Brasil uma empresa agrícola vinculada a Portugal. As terras do limitado território lusitano já estava desgastada, em vista dos séculos de exploração agrícola que lá se fizeram necessário para sustentar um Estado pioneiro na organização política moderna e que marcou a passagem da Idade Média para Idade Moderna. A necessidade de se estabelecer no Brasil uma empresa agrícola, era uma das intenções da Coroa portuguesa. Com isso, os agricultores portugueses lançavam-se em caravelas, em busca de novas terras.

A situação da emigração da classe rural portuguesa chegou a ponto de necessitar de leis que impedissem o ingresso das pessoas ligadas ao setor rural a embarcarem rumo ao Brasil, mas o contraponto dessa política foi que o setor agrícola em Portugal se tornara incapaz de atender o consumo interno. Desde 1667, tentou-se implementar leis que impedissem as emigrações, com medo do esvaziamento do reino. Uma lei de 20 de março de 1720 tinha o seguinte conteúdo:

não tendo bastado as providências dos decretos de 26 de novembro de 1709 e 19 de fevereiro de 1711, para obstar a que do reino passe para o brasil a muita gente que todos os anos dele se ausenta, mormente da província do Minho, que sendo tão povoada, já não tem a gente necessária para a cultura das terras, cuja a falta é tão sensível, que se torna urgente acudir com um remédio eficaz, a freqüência com que se vai despovoando o reino

Os imigrantes portugueses buscavam o enriquecimento rápido através da exploração das terras da colônia. De fato, não existia um processo definido de articulação e controle dos movimentos populacionais e planejamento urbano. Dessa forma, mesmo indivíduos que viviam em Portugal uma situação economicamente difícil, chegavam às terras da colônia lusitana e se aproveitavam da posição de patrícios dos donatários e de grandes fazendeiros, para se beneficiar politicamente dessa posição.

Portugal viu no Brasil, nas primeiras décadas do descobrimento, uma região de exuberância natural, mas que as riquezas materiais não estavam prontas para serem captados sem um esforço maior. Era bem diferente das terras do oriente, como a Índia, onde as riquezas poderiam ser negociadas, expropriadas ou saqueadas. A chegada nas terras brasileiras teve um caráter fundamentalmente mental, pois personificou o mundo de mitos e lendas, formulado desde a idade média. O oceano Atlântico, assim como o Índico, eram vistos através de mitos de natureza satânica ou edênica, formulados pelas histórias dos viajantes, principalmente nas descrições de Marco Polo encontradas no Livro das Maravilhas e na Utopia, Tomas Morus. Além, é claro de uma questão de sobrevivência política, não deixando que os espanhóis dominassem todas as terras encontradas além-mar.

As diferentes opções do modelo de colonização entre as terras espanholas e terras portuguesas na América, refletiram diferentes interesses pelas conquistas. Interesses que, a priori, foram definidos por razões econômicas, geográficas e ideológicas. As razões econômicas dos espanhóis foram evidentes quando estes perceberam a existência de metais preciosos e uma civilização organizada existente, que manufaturava ouro e prata. Com isso os espanhóis iniciaram a efetivação de sua colônia exploratória antes que os portugueses, assim como é detalhado por Richard Morse, em seu livro: O desenvolvimento urbano na América Espanhola colonial. As razões geográficas também influenciaram na colonização hispânica, pois seus centros administrativos e populacionais na América, localizavam-se em locais de altitude elevada, para simular o clima europeu. As ações dos portugueses foram movidas mais por razões ideológicas e políticas, que por razões econômicas. Isto explica o "desleixo", a que se refere Sérgio Buarque de Holanda ou o "desamparo por parte da metrópole", mencionado por Janice Theodoro.

"A independência das Américas espanhola e portuguesa foi incorporada pela história, mas não a revolucionou" . A frase de Janice Theodoro deixa transparecer uma vantagem dos povos da América anglo-saxônica, que atingiu sua independência mais cedo e através de revolução. No entanto, para aderir a sua afirmação é necessário conhecer o processo de independência das colônias inglesas na América, além do modo como que as metrópoles encaminhavam suas colônias. Contudo não buscaremos nessa afirmação a resposta para o insucesso econômico dos países latino-americanos, pois nesse ínterim há muitas outras questões que se colocaram como variantes de suas histórias.

Com essas informações pode-se concluir que o insucesso econômico dos países da América Latina, não se deve apenas aos precursores do processo de colonização. Uma nação é definida por uma gama atitudes e situações que definem o caminho a ser percorrido, portanto, existe uma infinidade de possibilidades. Pode-se tomar como resposta ao presumido insucesso econômico e social dos países latino-americanos é a sucessão de governos autocráticos, que a sua maneira, encaminharam essas nações a um propenso fracasso. Junto a isso, os dirigentes latino-americanos sempre estiveram subordinados a interesses externos, e a população local sempre pagou o preço da dominação dos países imperialistas aliados à ingerência e a ambição dos governantes locais. Quase que por todos os períodos pós-colombianos a história política desses países foi baseada na dependência e subordinação externa, sem que se tivesse a participação efetiva da sociedade em um processo político que atendesse suas expectativas.

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Bibliografia:

BRITO, José Gabriel de Lemos. Pontos de Partida para a História Econômica do Brasil. Brasiliana. 3ª edição. São Paulo: 1980.

MORSE, MORSE, Richard M. "O desenvolvimento urbano da América Espanhola Colonial" in BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: América Latina Colonial, Volume 2. São Paulo: Edusp; Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1999. p. 23-55

PRADO JR, Caio. Evolução Política do Brasil: Colônia e Império. Editora Brasiliense. 16ª edição. São Paulo, 1988.

PRADO JR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. Editora Brasiliense. 10ª edição. São Paulo: 1970.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Companhia das Letras. 26ª edição. São Paulo: 1995.

HIRSCHMAN, Albert O. As Paixões e os Interesses – Argumentos Políticos a Favor do Capitalismo Antes de seu Triunfo. tradução de Lúcia Campello. Ed. Paz e Terra. São Paulo: 1979.

SILVA, Janice T. Descobrimentos e Colonização. 4 edição. Ática. São Paulo: 1998.

http://www.historianet.com.br. Acessado em 10/03/2008.


Autor: Fábio Paulo da Silva


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