Germe do Aparato Repressor Político-Ideológico



RESUMO

O departamento de ordem política e social fora uma instituição que nasceu sobre o pretexto de controlar os indivíduos em seu aspecto político-ideológico. Compreender o funcionamento deste poderoso braço repressor estatal implica em uma visão mais esclarecida de um período conturbado da história do país, ora que ambas as ditaduras fizeram uso deste artifício para fazer valer a ideologia apregoada pelo estado em respectivos momentos (falo especificamente da ditadura civil de Vargas e da ditadura militar de 64).Esta polícia política era uma instituição de abrangência nacional, ative-me ao DOPS de São Paulo, pois fora o estado onde a mesma encontrava os maiores focos de heterogeneidade de posicionamentos político-ideológicos.

Palavras chave: repressão, censura, história.

ABSTRACT

The department of social and political order was an institution that was born on the pretext of controlling individuals in their politico-ideological. Understand what a powerful arm of repressive state implies a more enlightened view of a troubled period in the history of the country, now that both dictators have used this device to enforce the ideology preached by the state in its time (I speak specifically of civilian dictatorship Vargas and the military dictatorship of 64). The political police was an institution of national scope, enable me to DOPS of Sao Paulo, for outside the state where it was the major focus of the heterogeneity of political-ideological.

Key words: repression, censorship, history

INTRODUÇÃO

A repressão didática, no campo ideológico tão visível nos períodos de ditadura nacional, seja ela civil[1] ou militar[2] não fora um artifício desenvolvido originalmente aqui. Esta tentativa de balizar o que é permitido ou ilegal pode ser entendida como uma herança de nossos colonizadores. Ora que Portugal fora pioneiro no que diz respeito à censura literária. Bem pudera um país cuja maior parte de sua população é cristã, que se desenvolvera sobre a tutela da igreja católica, não se desvincularia dessas amarras ideológicas calcadas no maniqueísmo[3] cristão. É notória a preocupação do Estado português em cercear as idéias que poderiam por o regime vigente em cheque, bem antes de a inquisição chegar a Portugal os livros cujos conteúdos eram tidos como "falsos" ou "heréticos" já eram queimados.

A justificativa para tal ato era a defesa dos bons costumes e da fé. Curiosamente a censura estendeu-se a sua antiga colônia, o Brasil, agora uma república seria palco de uma "nova inquisição", cujo papel da igreja seria substituído pelo Estado e os "novos hereges" são todos aqueles que apregoassem/professassem ideologias que não compactuassem do regime vigente. Espantoso perceber o quão próximos estamos de nossos irmãos lusitanos, as similaridades são gritantes tanto do aspecto cultural, lingüístico, religioso e até mesmo as mazelas preconceituais.

AS PREMISSAS DA REPRESSÃO

Regressando ao Estado português pós 1536 (início da inquisição portuguesa), a historiadora Silvia Cortez ao pesquisar sobre o tema referido ela diz: "(...) passaram a produzir uma sociedade de mutilados mentais." (Arquivo Nacional da Torre do Tombo. SILVIA, S.C. cit., p.52). Lamentavelmente, aqui no Brasil o Estado novo e a ditadura se encarregaram de criar também uma sociedade de "mutilados mentais".

No entanto o DEOPS (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) é criado em dezembro de 1924, anos antes do Estado Novo, e suas atribuições não atendiam aos mesmos fins que posteriormente defenderia com tanta devoção. Inicialmente esta instituição que nasce no governo de Arthur da Silva Bernardes, tem com atribuição realizar assegurar a segurança do Estado, este departamento estava ligado ao Gabinete geral de investigações.

Todavia só fora assumir papel de suma importância a partir de 1937, onde Vargas agregou atribuições à polícia política que a transformou no braço forte do Estado contra todos aqueles que de alguma forma podessem ameaçar o regime.

Na revolução de 30 quando Vargas ascende ao poder, o clima de liberalismo ideológico era nítido no país, principalmente na região sul, sudeste e parte do centro-oeste, onde se concentravam os grandes centros, ideologias libertárias, anarquistas, comunistas, trotskistas dentre outras circulavam nestas regiões devido ao grande número de imigrantes das mais variadas nacionalidades era comum encontrar obras literárias estrangeiras. E com uma revolução dita liberal os redutos intelectuais do país acreditavam plenamente que a liberdade de expressão fosse um dos pilares do governo varguista. Eles estavam equivocados.

Em 1933 o ministro da justiça, Francisco Antunes Maciel publicou no Diário da Assembléia Nacional a proibição de críticas ao governo. Posteriormente a subversão da ordem pública não seria tolerada, bem como todo aquele que fomentasse/contribuísse para este tipo de ação. Em 1935 ocorre a Intentona Comunista[4], este fora o álibi perfeito para Getúlio constitucionalizar a censura no Estado Novo. A fim de consolidar seu poder censor sobre a sociedade em 1939 é criado o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) que fora dirigido pelo jornalista Lourival Fontes, este se tornou o aparato estatal responsável pela mitificação de Vargas, aqueles que não aceitassem o regime apregoado pelo "pai dos pobres" o Dops (Departamento de ordem política e social) encarregava-se de silenciar.

Este é o início da "inquisição político-ideológica" no Brasil onde seus "autos de fé" [5] eram em prol de uma suposta "soberania nacional". Todavia é plausível ressaltar a mudança de postura de uma instituição que fora reconfigurada para atender os anseios de Getúlio.

Pós Intentona comunista  como já fora citado anteriormente  Vargas percebe o quão expressivo o movimento comunista era no país, e o receio de uma maior adesão dos populares as idéias libertárias[6] contribuem para um "endurecimento" da polícia política. Se anteriormente o DEOPS tinha como atribuições assegurar a ordem em sociedade, resguardando a integridade física dos cidadãos, após 1937 os "inimigos" combatidos por esta polícia seriam julgados culpados pelo simples fato de discordar dos rumos políticos adotados pelo Estado.

No linear da data referida acima Vargas inaugura um estado de exceção (1937  1945), que imputou ao DOPS mais atribuições que este deveria assumir. Esta deturpação de valores desta instituição fez com que suas ações possuíssem "ares jurídicos", ora que o indivíduo que fosse indiciado pela mesma encontrava-se em uma situação de culpa que antecedia a ação policial propriamente dita.No campo midiático o DIP  Departamento de Imprensa e Propaganda  encarregava-se de massificar para o país as ações do DOPS, demonizando assim aqueles que fossem interpelados pela polícia política bem como a razão pela qual o mesmo fosse indiciado.

A "caças as bruxas" não poupou esforços para tentar justificar as ações muitas vezes descabidas da polícia para com os "novos hereges" da pátria. Criação de estereótipos[7] era uma tentativa de introjeta no imaginário popular uma imagem negativa das idéias libertárias bem como de algumas profissões que inspiravam na época uma "saudável desconfiança" das autoridades policiais.

Profissionais ligados a atividade intelectual como: professores, jornalistas, bibliotecários dentre outros bem como espaços de onde obras "subversivas" poderiam circular como gráficas, bibliotecas, sebos, escolas etc eram alvos constantes dos censores. E apesar de ter vários agentes infiltrados nos mais diversos setores da sociedade, a capacidade de percepção dos censores era bastante limitada.

De fato, o trabalho de demonizar os libertinos associado à ignorância dos censores deu tão certo que proporcionou ações um tanto cômicas da parte da polícia. Todo manuscrito que não estivesse em língua portuguesa era apreendido sem ao menos saber qual o teor da referida obra. Andar pelas ruas munido de livros constituía motivo suficiente para uma abordagem nada camarada de nossos "bem preparados" censores.

Após janeiro de 1942, o Brasil rompe relações diplomáticas com as potências do Eixo, fato este que insere no âmbito nacional mais um demônio a ser expurgado, o nazi-fascismo[8]. Curiosamente a Alemanha que neste momento que fora tida como um inimigo nacional, anteriormente era nosso melhor parceiro comercial na década de trinta.

Agora a "ameaça vermelha[9]" e o nazi-fascismo constituíam algo que pode ser chamado de "tríade do mal", sempre sobre a mira da polícia política. As atividades do partido nazista no Brasil que eram intensas  fora da Alemanha o Brasil era o país com o maior número de simpatizantes e membros do partido nazista no mundo  acabaram agravando a paranóia dos censores, ora que nosso país era um refúgio nazista nos trópicos. Imagine a dificuldade em distinguir o que poderia ou não ser entendido como ameaça, ora que em São Paulo, por exemplo, a partir da segunda metade da década de trinta já era possível encontrar membros da juventude hitlerista[10], agora estes ex-aliados foram transformados em arquiinimigos.

Com tantas adversidades a serem vencidas pelos "destemidos" censores, uma característica de suas ações era nítida, a arbitrariedade. Mergulhados nesta confusão que se transformou o cenário político-ideológico brasileiro, os órgãos repressores tornaram-se ainda mais intolerantes e incisivos. Cada vez mais ações eram deflagradas e veiculadas na mídia como forma de obter legitimação das arbitrariedades perante o público.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o término da Segunda Guerra Mundial, a Era Vargas também torna-se insustentável, haja vista que militares que foram combater Estados totalitários europeus e quando regressam encontram seu país sobre a tutela de um Estado de exceção. Em outubro de 1945, "O pai dos pobres" foi deposto por um golpe militar, sendo conduzido ao exílio na sua cidade natal, São Borja, Rio Grande do Sul.

Em dezembro de 1945 ocorreram eleições livres para a presidência e o parlamento, enfim a nação respira "ares de democracia" novamente, no entanto o aparato repressor fora mantido para um possível uso a posteriori.

Referências bibliográficas

GERTZ, René E. O perigo alemão. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1991.

SEITENFUS, Ricardo. O Brasil vai à Guerra: o processo de envolvimento brasileiro na Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Editora Manole, 2003.

Shirer, William L. Ascensão e queda do Terceiro Reich. São Paulo: Editora Agir, 2008.

CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Livros proibidos, idéias malditas: o DEOPS e as minorias silenciadas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2ª Ed, 2001.


[1] Período da história republicana nacional conhecida como "Estado Novo", que perdurou de 1937-1945, cujo presidente fora Getúlio Vargas.

[2] Golpe militar deflagrado em 1964, trecho de nossa história lembrado também como "Anos de chumbo".

[3] Maniqueísmo é uma filosofia religiosa ensinada pelo profeta persa "Manis", filosofia de caráter dualístico que divide o mundo entre "O Bem" e "O Mal".

[4] Intentona comunista ou Levante comunista, fora uma tentativa de golpe contra o governo de Vargas, fora realizada pela Aliança Nacional Libertadora e o partido comunista (ANL).

[5] Autos de fé ou autos da fé é a nomenclatura dada penitência/humilhação pública imputada pela igreja Católica aos hereges, está prática que fora mais recorrente nos países da península Ibérica, Portugal e Espanha, durante a Inquisição.

[6] Idéias Libertárias pode ser entendida como toda e qualquer ideologia que fizesse alusão a uma possível insurreição contra o poder do Estado.

[7] Estereótipo - é a imagem preconcebida de determinada pessoa, coisa ou situação. São usados principalmente para definir e limitar pessoas ou grupo de pessoas na sociedade. Sua aceitação é ampla e culturalmente difundida, sendo um grande motivador de preconceito e discriminação.

[8] Nazi-fascismo termo designado em conjunto ao fascismo italiano, doutrina totalitária desenvolvida por Benito Mussolini a partir de 1919 e o nazismo alemão, em muitos aspectos emulando a primeira, que, embora tendo nascido em 1920, é amplamente utilizado na Alemanha Nazi apenas uma década mais tarde sob regime de Adolf Hitler e do Partido Nacional Socialista Alemão dos Trabalhadores.

[9] Ameaça Vermelha ou Comunismo pode ser entendido como estrutura sócio-econômica e uma ideologia política utópica que pretenderia promover o estabelecimento de uma sociedade igualitária, sem classes e apátrida, baseada na propriedade comum e no controle dos meios de produção e da propriedade em geral.

[10]Juventude Hitlerista, ou Juventude Hitleriana foi uma instituição obrigatória para jovens da Alemanha nazista, que visava treinar crianças e adolescentes alemães de 6 a 18 anos de ambos os sexos para os interesses nazistas, contudo este projeto estendeu-se a países simpatizantes da ideologia nazista.


Autor: Ricardo Alves Sarmento


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