Glicocorticoides na Prática Clínica Veterinária de Pequenos Animais
Glicocorticoides na Prática Clínica Veterinária de Pequenos Animais
(Resumo de Levantamento Bibliográfico)
Os principais hormônios sintetizados pelo córtex da suprarrenal a partir do colesterol são divididos em duas classes, os mineralocorticoides e os glicocorticoides.O primeiro grupo inclui a aldosterona, e exerce efeitos fisiológicos sobre o equilíbrio hídrico e eletrolítico.Os glicocorticoides afetam o metabolismo dos carboidratos, lipídeos e proteínas, a resposta imunológica e a reação ao estresse.Como os glicocorticoides possuem alguma atividade mineralocorticoide, eles também influenciam o equilíbrio eletrolítico.
Os glicocorticoides, geralmente, são usados como medicamentos anti-inflamatórios.O principal hormônio glicocorticoide é o cortisol (hidrocortisona), e o entendimento do anel estrutural básico e dos aspectos essenciais que são responsáveis pela sua ação levou à síntese de vários compostos com potência glicocorticoide maior e reduzida atividade mineralocorticoide.Os aspectos essenciais da estrutura para atividade glicocorticoide são: 1) a hidroxila no C-11; 2) um grupo cetona no C-20 e no C-3, e 3) uma dupla ligação entre os carbonos 4 e 5.Uma dupla ligação entre o C-1 e C-2, grupo metil no C-6 ou C-16 e flúor no C-19 são exemplos de adições que intensificam a vida média biológica dos glicocorticoides, diminuem sua atividade mineralocorticoide e elevam, substancialmente, sua ação anti-inflamatória.Os corticosteroides não são ativos, a menos que possuam grupos funcionais apropriados.Por exemplo, a ativação da prednisona e cortisona requer hidroxilação no C-11 por enzimas hepáticas reativas para formar prednisolona e cortisol, logo ineficazes para uso tópico.
A prednisona e prednisolona produzem menos transtornos no equilíbrio eletrolítico que o cortisol, e a metilprednisolona e triamcinolona são, aproximadamente, cinco vezes mais potentes que o cortisol como glicocorticoides e carecem de atividade mineralocorticoide.Os corticosteroides terapêuticos são classificados de acordo com suas potências glico e mineralocorticoides, assim como a duração de seu efeito biológico.De modo geral, aqueles compostos com atividade glicocorticoide mais potente também são potentes supressores do eixo hipotalâmico-pituitária-adrenal (HPA).
Mecanismo de Ação:
Os glicocorticoides suprimem os processos inflamatórios através de diversos mecanismos.Eles interagem com proteínas receptoras intracelulares específicas nos tecidos alvos para alterar a manifestação dos genes corticosteroides-responsívos. Receptores glicocorticoides-específicos no citoplasma da célula se ligam a conectores esteroides para formar complexos hormônios-receptores que, eventualmente, se deslocam para o núcleo da célula.Lá esses complexos se ligam à sequências de ADN específicos e alteram suas manifestações.Os complexos podem induzir a transcrição de ARN-m levando à síntese de novas proteínas.Tais proteínas incluem a lipocortina, uma proteína conhecida por inibir a fosfolipase A‚, e assim bloqueia a síntese de prostaglandinas, leucotrienos e PAF (fator de liberação de plaquetas).Os glicocorticoides também inibem a produção de outros mediadores, incluindo metabólitos do ácido araquidônico tais como COX (enzimas relacionadas com processo inflamatório), citoquinas, interleucina, adesão de moléculas, e enzimas como a colagenase.
Os glicocorticoides reduzem a migração de polimorfonucleares e o posterior extravasamento de monócitos e suprime a atividade fagocitária.Em etapas posteriores, inibem o crescimento capilar, proliferação de fibroblastos e deposição de colágeno, e retarda a cicatrização.
Uma via bioquímica importante bloqueada pelos glicocorticoides é a cascata do ácido araquidônico.O efeito cascata da prostaglandina-leucotrieno se inicia com um dano na membrana celular que dispara a atividade da fosfolipase A‚ nas membranas celulares para formar o ácido araquidônico.As enzimas cicloxigenase e lipoxigenase formam prostaciclina, tromboxano e leucotrieno do ácido araquidônico.A liberação do ácido araquidônico do componente fosfolipídio das membranas celulares depende da fosfolipase A‚. Os glicocorticoides inibem indiretamente esta enzima, induzindo a síntese do polipeptídio endógeno lipocortina, que possui atividade contra a fosfolipase.
Os compostos derivados da cicloxigenase, tais como PGE‚ e PGI‚, são importantes mediadores de respostas inflamatórias agudas, e a lipoxigenase gera compostos leucotrienos.Um destes últimos, o LTB„, é um potente agente quimiotáxico que pode estar implicado no estímulo da migração de leucócitos ao exsudato, assim como outros (LTC„ e LTD„) são liberados em enfermidades alérgicas das vias respiratórias.
Efeitos:
O cortisol e outros glicocorticoides são gliconeogênicos, o que facilita a liberação de aminoácidos da musculatura, pele e tecido conjuntivo, aumentando a conversão de aminoácidos em glicose.Causam hiperglicemia, especialmente em ruminantes, e aumentam o armazenamento de glicose no fígado sob a forma de glicogênio, reduzindo a captação e utilização da glicose em outros tecidos.Há um aumento compensatório na secreção de insulina para responder à hiperglicemia.A taxa de lipólise aumenta, liberando ácidos graxos e glicerol do tecido adiposo e o glicerol assim formado pode se converter em glicose.A degradação de proteína se reflete no esgotamento muscular, diminuição da atividade dos fibroblastos, osteoporose, pele e mucosa delgadas.
O metabolismo do cálcio é afetado de várias formas: diminui a absorção intestinal tanto quanto aumenta a excreção renal; aumenta a secreção de paratormônio, ocorrendo estímulo osteoclástico.Esses efeitos combinados estimulam a mobilização do cálcio dos ossos, consequentemente, reduzindo a resistência óssea.
No sangue, observamos leucofilia devido ao aumento do número de neutrófilos circulantes, e redução dos linfócitos e eosinófilos circulantes.Os glicocorticoides deprimem a atividade dos tecidos linfoides.A ação imunossupressora dos glicocorticoides se manifesta na redução da imunidade mediada por células e diminuição da produção de anticorpos.Embora a depressão do tecido linfoide seja indesejada, esta ação pode ser útil no tratamento de certas neoplasias como o Linfossarcoma.
A administração prolongada de glicocorticoides pode levar à supressão da adrenal.A recuperação da função da adrenal ocorre, relativamente, rápida em cães e gatos após administração crônica de esteroides.Testes da resposta da adrenocorticotropina (ACTH) retornam ao normal três meses após a terapia esteroide prolongada terminar (Scott, 1980).Os gatos são os mais resistentes das espécies domésticas no que concerne à supressão da adrenal por glicocorticoides.Eles se recuperam mais rapidamente que os cães e são mais resistentes ao hiperadrenocorticismo iatrogênico.
Os efeitos anti-inflamatórios e imunossupressores dos glicocorticoides são atribuídos à supressão parcial ou total de uma complexa interação de células e mediadores celulares.É claro que os potentes efeitos dos glicocorticoides nos leucócitos são responsáveis pela maioria da atividade anti-inflamatória.Esses efeitos também são imunossupressores, e respondem por sua eficácia em enfermidades imunomediadas.Contudo, os glicocorticoides podem levar ao aumento da susceptibilidade à infecção, sendo então indicado, se necessário, associar o uso de antibióticos bactericidas ou fungicidas, conforme o caso.
Uso Terapêutico:
Ao administrar glicocorticoides, os benefícios efetivos devem ser pesados em relação aos conhecidos riscos da terapia.Devemos considerar que:
1-A dose apropriada para uma determinada enfermidade num dado paciente está baseada em tentativa e erro.Quando a administração for prolongada, a adose da droga deve ser avaliada periodicamente;
2-Uma dose única de um corticosteroide, apenas uma única dose, não possui efeitos prejudiciais;
3-Havendo contra indicações específicas, é improvável que dois a três dias de tratamento com um corticosteroide de curta duração produza efeitos prejudiciais.A exceção é quando doses extremamente altas são empregadas;
4-A incidência de efeitos prejudiciais aumenta com a extensão da duração da terapia corticosteroide, particularmente, quando a dose administrada excede a dose necessária;
5-Exceto em casos de insuficiência adrenal, a terapia com corticosteroide traz um risco significativo de desenvolvimento de insuficiência adrenocortical.
Não é possível calcular a dose exata de corticosteroide que suprimirá a pituitária e o córtex da adrenal em um determinado paciente, já que existem consideráveis variações individuais.Em geral, quanto maior a dose e mais prolongada a terapia, maior a probabilidade de supressão.
Certos efeitos metabólicos indesejáveis podem ser evitados utilizando o regime de dias alternados em lugar de uma dose diária.Com intervalos maiores entre doses, o grau de supressão da pituitária e córtex da adrenal pode ser minimizado.Para o regime de dias alternados são indicados os corticosteroides de curta duração.
Os ésteres de glicocorticoides determinam as vias de administração e se eles são ou não armazenados.
Geralmente, a dose imunossupressora de um dado glicocorticoide é o dobro da dose anti-inflamatória.Doses anti-inflamatórias são, aproximadamente, dez vezes maiores que as doses fisiológicas.
O cortisol é o hormônio glicocorticoide primário secretado pelas glândulas adrenais de cães e gatos.Variações diurnas ou circadianas na secreção diária de cortisol não são evidentes em grande número de cães e gatos.Secreção periódica de ACTH e cortisol podem ocorrer por todo o período de vinte e quatro horas.Em cães, o pico da concentração plasmática de cortisol ocorre pela manhã; em gatos, o pico de secreção de cortisol se dá à noite.O índice estimado da secreção decortisol, tanto para cães quanto para gatos, é de cerca de 1mg/kg/dia.
Os efeitos nocivos e involuntários não são incomuns quando glicocorticoides são utilizados, principalmente agentes de longa duração e residuais.Ao prescrevermos um corticosteroide, devemos estar familiarizados com as doses apropriadas, potências relativas e duração de ação do medicamento.
Se uma terapia anti-inflamatória ou imunossupressora for necessária durante a gravidez, corticosteroides e outras drogas imunossupressoras podem ser administrados. Prednisolona e prednisona são as drogas de escolha, pois possuem mínimo efeito mineralocorticoide e são, relativamente, de curta duração.Corticosteroides de longa duração, como a dexametasona, devem ser evitados, pois a mesma está associada com morte fetal e aborto em cães.Embora a cortisona esteja associada com más formações congênitas em animais de laboratório (fenda palatina, em particular), esses efeitos não foram observados em cães e gatos ou humanos (Brendel et. al, 1985; Pratt e Salomon, 1981).Talvez a diferença possa ser explicada pelo fato que os grupos de animais laboratoriais utilizados tenham um alto grau de receptores esteroides em comparação com cães e gatos.
Tab.1 Droga, Potência Anti-inflamatória, Duração de Ação, Atividade Mineralocorticoide, Atividade Imunossupressora do HPA, Adequação para Terapia em Dias Alternados (TDA), Dose equivalente em mg:
Droga
Potência Anti-inflamatória
Duração de Ação
(hs)
Atividade Mineralocorti-
coide
Atividade Imunossup.
do HPA
Usado
em
TDA
Dose equivalente
em mg
Curta Duração:
Hidrocortisona
(Cortisol)
1
8 - 12
2
+
não
20
Duração Intermediária:
Prednisona
Prednisolona
Metilprednisolona
Triamcinolona
4
4
5
5
12 36
12 36
12 36
12 - 36
1
1
0
0
+
+
+
++
sim
sim
sim
não
5
5
4
4
Longa Duração
Flumetasona
Dexametasona
Betametasona
15
30
30
32 48
32 48
32 48
0
0
0
+++
+++
+++
não
não
não
1,5
0,75
0,60
Tab.2 - Indicações para Uso de Glicocorticoides em Cães e Gatos:
Condições Alérgicas
Hipersensibilidade Aguda
Dermatites Alérgicas
Complexo Granuloma Eosinofílico Felino
Infiltrados Pulmonares com Eosinofilia (PIE)
·Asma Felina
·Doenças Pulmonares Parasitárias (vermes cardíacos ou pulmonares)
·Granuloma Eosinofílico Pulmonar
·PIE Idiopático
Doenças Imunomediadas
Anemia Hemolítica
Trombocitopenia
Lupus Eritematoso Sistêmico
Artrite Reumática
Dermatopatias
Miopatias
Desordens Metabólicas
Hipoadrenocorticismo Espontâneo
Hipoadrenocorticismo Iatrogênico
Hipercalcemia
·Pseudohiperparatireoidismo
·Hiperparatireoidismo Primário
Outras Indicações
Inflamação do Sistema Nervoso Central
Choque
Tab.3 Dermatoses Caninas e Felinas que respondem às doses de Glicocorticoides
Anti-inflamatória
Imunossupressiva
Atópica
Hipersensibilidade às pulgas
Hipersensibilidade às picadas de outros insetos
Hipersensibilidade a alimentos
Dermatite de contato (irritante ou alérgica)
Urticária e Angioedema
Dermatite Piotraumática
Dermatite por lambedura
Dermatite Seborreica
Dermatite Solar
Acanthosis nigricans
Mucinose Idiopática do Sharpei
Pemphigus
Pemphigoide
Lupus Eritematoso (discoide e sistêmico)
Enfermidade da hemaglutinina fria
Vasculite
Erupções por drogas
Dermatose linear IgA
Síndrome Vogt-Koyanagi-Harada
Dermatomiosite
Pododermatite
Policondrite
Paniculite estéril
Granuloma e Placa eosinofílicos
Úlcera indolente
Síndrome granuloma/piogranuloma estéril
Granuloma por corpo estranho
Pustulose eosinofílica estéril
Celulite juvenil
Dermatose liquenoide psoriasiforme do Spring Spaniel
Histiocitoma fibroso benigno
Linfossarcoma (epiteliotrópico e não epiteliotrópico)
Mastocitoma
Tab.3 Efeitos Adversos Potenciais dos Glicocorticoides:
SNC
Polifagia
Euforia
Sistema Musculoesquelético
Osteoporose
Miopatia
Inibição Fibroblástica
Diminuição da absorção intestinal de cálcio
Sistema Gastrintestinal
Ulceração GI
Pancreatite
Perfuração colônica
Equilíbrio Hídrico
Retenção hídrica e de sódio
Poliúria e polidipsia
Metabólico
Hiperlipemia
Lipólise
Catabolismo proteico
Infiltração gordurosa
Hepatopatia esteroide
Endócrino
Supressão do eixo HPA
Diabetogênico
Síntese tiroidiana diminuída
Elevação hormonal paratireoidiana
Defesas do Hospedeiro
Morte bacteriana diminuída
Risco de septicemia
Cistite séptica recorrente
Tab. 4 Efeito dos Glicocorticoides na Função Adrenocortical de Cães:
Droga
Protocolo
Via
Duração da Supressão após suspensão do Tratamento
Administração Parenteral
Dexametasona
Dexametasona fosfato de sódio
Dexametasona álcool
Dexametasona 21-isonicotinato
Dexametasona 21-isonicotinato
Metilprednisolona acetato
Metilprednisolona acetato
Metilprednisolona acetato
Triamcinolona acetonida
Triamcinolona acetonida
0,1mg/kg/dia
0,1mg/kg/dia
1mg/kg/dia
0,1mg/kg/dia
1mg/kg/dia
2,5mg/kg/dia
4mg/kg/dia
0,56mg/kg/dia
0,22mg/kg/dia
0,22mg/kg/dia/8 dias
EV
EV
IM
IM
IM
IM
IM
SC
IM
PO
32 hs
< 24 hs
48 hs
10 dias
4 semanas
5 semanas
9 semanas
3 semanas
4 semanas
2 semanas
Administração Tópica
Betametasona valerato
Dexametasona
Dexametasona
Fluocinonida
Prednisolona acetato
Triamcinolona acetonida
Triamcinolona acetato
1,36mg/kg/dia/5 dias
0,03mg/kg/dia/8 sem
0,31mg/kg/dia/3 sem
0,68mg/kg/dia/5 dias
0,75mg/kg/dia/4 sem
1,36mg/kg/dia/5 dias
0,31mg/kg/dia/3 sem
unguento
gts. oftálmicas
gts. óticas
unguento
gts. oftálmicas
unguento
gts. óticas
4 semanas
2 semanas
3 semanas
4 semanas
2 semanas
4 semanas
3 semanas
Tab. 5 Dose Recomendada:
Droga
Cães
Gatos
Betametasona
0,028 0,055ml/kg IM; dose única
Não
Dexametasona
0,25-1,0mg EV, IM; dose dia
0,25-1,25mg/dia PO
Choque: 5mg/kg EV
20ml/kg EV até o efeito
0,125-0,5mg/dia PO, EV, IM
Choque: a mesma
a mesma
Fludrocortisona
0,2-0,8mg/dia PO
0,1-0,2mg/dia PO
Flumetasona
0,06-0,25mg/dia PO, EV, IM, SC
0,03-0,125mg/dia PO, EV, IM, SC
Hidrocortisona
4,4mg/kg a cada 12h PO
Choque: 50mg/kg EV
a mesma
Metilprednisolona (Prednisolona)
Alergia: 0,5mg/kg 2x/dia PO ou IM
Imunossupressão: 2,0mg/kg 2x/dia PO ou IM
Uso prolongado: 0,5 2,0mg/kg em dias alternados pela manhã PO
1,0mg/kg 2x/dia PO ou IM
3,0mg/kg 2x/dia PO ou IM
2,0 4,0mg/kg em dias alternados, à noite PO
Triamcinolona
0,25 2mg/dia PO por 7 dias
0,11 0,22mg/kg IM, SC
0,25 0,5mg/dia PO por 7 dias
0,11 0,22mg/kg IM, SC
Bibliografia:
Kirk's Current Veterinary Therapy Small Animal Pratice
Editado por John D. Bonagura
W.B.Saunders Company, Philadelphia, PA
JAVMA Journal of the American Veterinary Medical Association
Autor: Sonia Maria Fontes Do Espírito Santo
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