DIA DO SENHOR: 'KAIRÓS', 'CHRÔNOS', MEMORIAL - Geraldo Barboza de Carvalho



DIA DO SENHOR: 'KAIRÓS', 'CHRÔNOS', MEMORIAL  Geraldo Barboza de Carvalho

Os eventos salvíficos ocorrem na história (tempo humano, chrônos), mas o significado deles é captado no tempo de Deus (kairós). Sendo únicos e irrepetíveis, eventos salvíficos ocorrem uma vez só por todas, mas têm validade para todos os tempos como memorial. Como os eventos kairológicos, ocorrido no chrônos, se torna memorial? Para os eventos salvíficos kairológicos alcançarem gerações futuras, eles acontecem e são anunciados no chrônos, mas vividos no kairós da fé, seja na prática do amor fraterno, ou nas celebraçõeslitúrgicas.O que significa cada tempo desses no mistério da redenção? Jesus ressuscitou ao terceiro e último Dia. De que Dia se trata? Cronológico, kairológico, memorial? Jesus é o último Enviado do Pai, para realizar a salvação no fim dos tempos, no Dia de Javé. Dia

esperado como Dia de terror, em que a ira de Javé desceria sobre a humanidade pecadora. Ele chegou na plenitude do tempo: (1) quando a medida do mal cumulou; (2) com o fim do domínio de chrônos', tempo tríbio (passado, presente, futuro), e a entrada concomitante na história humana do Kairós (3) o tempo de Deus, presença do Eterno no efêmero. Mas o Dia de Javé não chegou como esperado, porém na surpreendente suavidade de uma criança indefesa, de um "recém-nascido envolto em faixas, deitado numa manjedoura", cujo nome é Jesus, "porque salvará seu povo dos seus pecados". Veio com a missão tirar o pecado do mundo e tomar sobre si os males e dores da humanidade pecadora. "O espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a remissão aos presos, e aos cegos a recuperação da vista, restituir a liberdade aos oprimidos e proclamar o dia de graça do Senhor". Este é o projeto missionário do Cordeiro de Deus: carrega nos ombros o pecado do mundo, o reino de Satanás, origem dos males humanos. Nesta condição, fazendo-se voluntariamente maldição, pecado, "pra salvar da maldição os que estão sob a Lei". O ápice da missão dolorosa do Cordeiro de Deus foi sua morte cruel, cruenta na cruz. Desta forma o Dia da ira de Javé não se abateu sobre os pecadores, mas sobre o Primogênito. "Através dele se realizará o desígnio de Deus de salvar a criação e os seres humanos. Todos nós andávamos como ovelhas errantes, seguindo cada um o próprio caminho longe de Deus, mas Javé fez cair sobre ele as iniqüidades de todos nós. O castigo que havia de trazer-nos a paz caiu sobe ele; sim, por suas feridas fomos curados". Fica, pois, claro que o Dia de Javé é o último Dia: não o último dia do calendário, mas a última, definitiva tentativa de Deus de salvar os filhos rebeldes. Não sendo dia solar, sua duração não é de 24 horas, mas ilimitada como a eternidade de Deus. Kairologicamente, o Reino de Deus já chegou: "Cumpriu-se o tempo, o Reino está próximo. Arrependei-vos, crede no Evangelho. Desde já somos filhos de Deus". Proximidade não espacial, de quem o acolhe na fé. Pela fé, estamos de cheio no Reino de Deus. Sem fé, ele está distante de nós. Por isto, "o que seremos ainda não se manifestou plenamente". O Reino ficará indefinidamente na terra "até quando completarmos em nossa carne o que falta à paixão de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja". Neste Dia "Deus será tudo em todos, será o fim" da paciente espera de Deus pela conversão dos seus filhos. O Dia de Deus é 'Kairós' e dura até hoje e durará até a parusia. Pela fé, continuamos a viver o Dia de Javé, o 'Kairós', o Hoje de Deus. No Natal canta-se: "Nasceu-nos hoje um Menino"; na Páscoa: "Hoje o Senhor ressurgiu para nós". Hoje válido pra todas as fases do chrônos, até o fim do mundo. Porque Deus é eterno presente: os eventos passados se tornam presentes e são vividos pela fé como memória; o futuro torna-se presente como esperança, e o presente cronológico é vivido nos conflitos do amor. A presença de Deus entre nós, kairós, unifica todas fases do chrônos no kairós, na presença de Deus. Todas as fases do tempo humano são presentes: o passado, presente e futuro são conhecidos agora do Senhor. "Tu me teceste no seio materno, definiste todo meu viver e para ti a noite é clara com o dia, nada se oculta ao teu divino olhar". Por isso, quando o 'Kairós' entra no 'Chrônos' ele abrange todas as fases deste e faz Abraão, que viveu 1850 anos antes de Cristo, exultar de alegria com a chegada dele. É que ele tinha o sentido do kairós, sua fé era em Cristo Jesus. Por isso, nós que somos salvos pela fé somos descendência de Abraão, o pai da fé de judeus e não-judeus. Quem crê em Jesus é filho de Abraão. O Dia de Javé acontece desde a criação ideal, quando todas as coisas já existiam no pensamento e coração de Deus e o Cordeiro já estava imolado por elas. Acontece ainda quando a Palavra cria todas as coisas no tempo segundo os arquétipos das criaturas. Ainda acontece na encarnação do Filho, para recriar a segunda criação corrompida pelo pecado. Acontece, finalmente, toda vez que, pela fé, fazemos memória litúrgica do Dia do Senhor, praticamos os valores éticos inerentes ao amor fraterno: respeito, solidariedade, liberdade. Como os eventos salvíficos são kairológicos, o Dia do Senhor aconteceu, está acontecendo

e acontecerá para todas as gerações. "O Pai ama o Filho antes do mundo existir e nele nos escolheuantes da criação do mundo pra sermos seus filhos adotivos, irrepreensíveis e santos diante dele no amor. Pois sabeis que não foi com coisas perecíveis, isto é, com prata e ouro, que fostes resgatados da vida fútil que herdastes de vossos pais, mas pelo sangue precioso de Cristo, como de um cordeiro sem defeitos e sem mácula, conhecido antes da fundação do mundo, mas manifestado, no fim dos tempos, por causa de vós". Como isto é possível? É que de toda eternidade o Pai e Ruah amam o Filho e ele se entrega a eles por amor. Ab eterno, o Pai e Ruah geram o Filho no amor e nele geram os arquétipos de todas as coisas antes da criação temporal. "No princípio (ab eterno) era o Verbo, o Verbo estava em Deus, ele era Deus. No Princípio ele estava com Deus e tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito. Ele é antes de tudo e nele tudo subsiste. Ele é a Imagem (visível) do Deus invisível, espelho nítido da atividade de Deus, imagem de sua bondade, expressão do seu ser, o Primogênito de toda criatura, porque no princípio (do tempo) Deus criou todas as coisas nele no céu e na terra, as invisíveis e as visíveis". Ora a entrega do Filho a Ruah e ao Pai na Trindade imanente, para, através dele, criar as idéias de todas as coisas a serem criadas no tempo; na criaçãotemporal e na regeneraçãoda criação pecadora mediante a encarnação e morte de cruz  "Não quiseste sacrifício e oferenda. Porém, formaste-me um corpo. Por isso eu digo: 'eis-me aqui, eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade. Ele tinha a condição divina, mas não considerou ser igual a Deus como algo a que ciosamente apegar-se. Mas esvaziou-se a Si mesmo e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana. E achado em figura de homem, humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz"  todas estas entregas sucessivas do Filho representam imolação do Cordeiro pelo resgate da criação. Da Trindade imanente até o extremo da kenosis na cruz, passando pela encarnação, vida oculta e pública, o Cordeiro está imolado por nós. Mas como sua entrega não visa o fracasso da obra do Pai, mas plena vitória, a imolação do Cordeiro não poderia terminar na tragédia da Cruz. Até porque a cruz não é tragédia, mas expressão máxima do amor do Filho para salvar os irmãos rebeldes. "Convinha, pois, que aquele por quem e pra quem todas as coisas existem, querendo levar muitos filhos à glória, levasse à perfeição por meio do sofrimento o Autor da salvação deles. Por isso Jesus Cristo não se envergonha de chamá-los irmãos". Porque cruz e morte não têm a última palavra, "depois que realizou a purificação dos pecados, Jesus Cristo sentou-se nas alturas à direita da majestade, por causa do sofrimento, coroado de honra e glória". Razão porque, o Cordeiro está imolado e de pé, ressurreto com toda a criação que resgatou, entregando-a como sacrifício de suave odor nas mãos do Pai. "Quando eu for elevado na cruz, atrairei todas as coisas a mim". De toda eternidade, pois, existe cruz e ressurreição, o Cordeiro salva pela entrega de si mesmo com da sua exaltação e da criação; de toda eternidade, nas três etapas, a criação é objeto da salvação, efetivada pela entrega generosa do Filho ao Pai e a Ruah pelo diferente de Si. A cruz simboliza a renúncia, o dom total de si a outros, para que tenham mais vida. Como a Fonte da vida é Deus Mãe, o Espírito Santo que procede do Pai e do Filho (como dom de amor recíproco), desta vida que "recebemos graça sobre graça". A cruz existe na Trindade imanente. A cruz histórica é a expressão da cruz preexistente na Trindade sob forma de dom absoluto de cada Pessoa da Trindade à outra: o Pai e Ruah se entregam por amor e gera o Filho; o Filho se entrega por amor ao Pai e a Deus Mãe e gera todas as coisas em si; Deus Mãe é a mais sofredora, pois é o próprio dom e a mediação do dom: medeia o amor do Pai pelo Filho, do Filho pelo Pai. Mas, quando Jesus, na kénosis encarnatória, renuncia à "glória que tinha junto do Pai desde antes da criação do mundo, e assume uma forma de ser e viver absolutamente estranha à condição divina, ele está assumindo a cruz em nome da Família divina, pois "é ele a Imagem visível do Deus invisível, expressão do seu ser", revelando que na SS Trindade tudo é dom, é partilha entre as Três Pessoas, até a morte de cruz do Filho Único. Dom de si é levar a cruz; levar a cruz é partilhar o dom de si até o fim e incondicionalmente. "O Pai fez o Filho pecado e maldição" para torná-lo solidário com a desgraça humana. Morrendo inocente na cruz por nós, condenou em seu corpo toda inimizade que nos separava de Deus. Ressuscitando, recuperou a condição divina, a glória que tinha desde antes da criação do mundo no tempo, elevou-se e elevou-nos consigo, nos presenteando com a adoção filial, com direito a assentar-nos no céu com ele junto do Pai. Na casa do Pai vivemos no Dia sem ocaso, cuja luz é o Cordeiro. Desde já, pela fé, somos filhos de Deus, pela infusão do Espírito filial em nossos corações, embora o que seremos ainda não manifestou-se totalmente. Alegremo-nos, exultemos por esta maravilha de Javé.

O Dia do Senhor é, pois, ao mesmo tempo Dia de ira e Dia de paz. Dia da ira contra os poderes do mal que infelicitam a criação inteira. Dia de paz, que configura a pacificação do céu com a terra, do Deus santo e o homem pecador. O Dia da ira foi a Sexta-Feira da Paixão, em que a iniqüidade do mal se abateu sobre o Cordeiro de Deus, que morreu na cruz, destruindo consigo o veneno do mal. A condenação e morte de Jesus deu-nos a vida eterna, abriu-nos a porta do céu, fez o céu descer à terra e a terra subir ao céu. O Dia da paz iniciou no Natal, em que céu e terra se encontraram, e foi consumado na ressurreição de Jesus, quando a opressora sucessão do tempo do relógio (chrônos) deu lugar ao Dia de Javé (kairós), Hoje eterno. "Vinde, adoremos o rei que vai chegar". Ora o rei já chegou em Belém, como vai ainda chegar? Os reis-magos do Oriente vieram à Judéia e perguntaram a Herodes: "Onde está o rei dos Judeus recém-nascido? Pois, vimos sua estrela no Oriente e viemos homenageá-lo". No dia do Natal cantamos: "Nasceu-nos hoje um menino, um filho nos foi doado". Como compreender este 'hoje'? Não pode ser data do calendário, pois já faz dois mil anos que aconteceu a entrada de Jesus na história. De um lado, é anacronismo gritante dizer que Jesus nasce hoje. Do outro, também pode-se dizer que ele nasce hoje. Que hoje? Hojekairológico, não cronológico. Os eventos da fé ocorrem uma vez por todas e valem para todos os tempos. O 'hoje' histórico do fato salvífico se prolonga no 'hoje' sem fim, no presente que nunca foi passado nem será futuro, pois é a presença permanente de Deus. Assim, Jesus nasceu pros contemporâneos de Herodes há dois mil anos, e nasce hoje para os que crêem nele. Celebrar Natal não é comemorar uma efeméride, data banal de aniversário, mas o nascimento real de Jesus. Ele nasce pra cada pessoa no seu próprio hoje. Se vivo como se ele não tivesse nascido há 2000 anos com validade para mim hoje, vivo como um abandonado por Deus. Preciso então despertar do torpor da minha falta de fé e perceber que o Senhor veio para os seus contemporâneos há 2000 e vem pra mim hoje do mesmo jeito. Mas ontem como hoje, só quem crê como os magos do Oriente percebe no menino o rei dos Judeus. Então, quando a luz da fé me acordar, verei o Rei chegar para mim hoje. Adoramos o Rei que já chegou, vai chegar, está chegando e chegará. Ele é Rei pra todos, vivendo num Dia sem ocaso, num Presente sem fim entre nós. Pela fé, ele chega hoje pra mim, pra você, pra cada um: Vinde, adoremos. Acordemos para a fé e o vejamos na manjedoura de Belém, Tóquio, Boston, Paris, nas prisões e favelas do mundo. Vinde, adoremos o Rei que chega no canto dos pássaros, na flor que se abre, no sorriso e choro das crianças, no lamento dos oprimidos, nos corações cheios de esperança; adoremos o Rei que chega para as vidas sem sentido, pros corações sem esperança, pros excluídos da terra, digam-lhe: "deixem-se guiar pela Estrela que ela lhes mostrará o sentido do andar; abram o coração para o Esperado das nações e deixem-no inundar seus corações com a água viva do Espírito; acolham o menino que se fez pobre, e suas vidas se enriquecerão com os bens do Reino". Ele chega pra quem o acolhe na fé e amor fraterno. Portanto, o Dia do Senhor, o Dia da salvação não é dia do relógio, porque a contagem do tempo de Deus é diferente da nossa. "Mil anos para Deus são como um dia e um dia como mil anos". Em Deus não há passado, presente e futuro: Deus é. "Eu sou aquele que sou". Por isso tempo tripartite é presente para Deus. Não um presente fugidio, feito de instantes que se sucedem, corroem o futuro e viram passado. Presente que consiste na Presença permanente e imutável de Deus, pois nunca será passado nem resulta do futuro que chegou. O tempo tripartite é o tempo da criação. Mas, e em cada fase do chrônos, Deus é presente. "Jesus é o mesmo ontem, hoje, sempre". Só em relação ao ser humano existem diferentes fases da atividade salvífica de Jesus Cristo entre nós: tempo da paciência do Pai, até a encarnação do Verbo (Rm 3,26); tempo presente, a primeira vinda de Jesus Cristo na plenitude dos tempos para resgatar a humanidade de seus pecados (Rm 3,26b+); retorno de Jesus Cristo em glória, para julgar os vivos (os que vivem pela fé em Jesus) e os mortos (os que se recusam a crer em Jesus); tempo intermediário (Rm l3,11), que corresponde ao tempo da peregrinação da Igreja na terra, Dia favorável da salvação 2 Cor 6,2. Da parte de Deus a salvação está consumada: Jesus Cristo já cumpriu as três fases de sua atividade salvífica. 'Ele sofreu pra restabelecer o Reino de Deus e todos que continuam sua obra devem partilhar seus sofrimentos. Claro, nada se pretende acrescentar ao valor redentor da cruz, à qual nada poderia faltar; mas quem crê se associa às tribulações de Jesus: da nossa parte ainda precisamos assumir na fé a obra salvífica de Jesus por nós, "completar na nossa carne o que falta das tribulações de Cristo por seu Corpo, pela Igreja". Por causa da fé, "temos a vida eterna, já somos filhos, povo de Deus": pela fé, embora ainda vivendo no chrônos, vivemos já no kairós, no tempo de Deus. Vivemos num corpo carnal, de pecado, mas pela fé e batismo, já estamos mortos ao pecado e vivos no Espírito. "Trazemos em nosso corpo os traços da morte de Jesus, pra que também a vida de Jesus se manifeste no nosso corpo, nossa carne mortal. Sabemos que aquele que ressuscitou Jesus, nos ressuscitará também e dará vida aos nossos corpos mortais. Por isto, não desfalecemos. Nosso interior se renova cada dia, ainda que o homem velho desconjunte-se exteriormente. Nossa momentânea tribulação nos propicia um eterno peso de incomensurável glória". A confiança no futuro vem da esperança, que é viver aqui e agora na presença de Deus, pela fé, praticando os valores éticos; presença que só será completa após a morte no corpo carnal e ressurreição no corpo espiritual, vivificado pelo Espírito do Ressuscitado. No dia cronológico da nossa morte, o Dia kairológico do Senhor, que é como a aurora em relação ao dia claro, amanhecerá para nós e "o veremos face a face tal como ele é".

As coisas da salvação valem, pois, para nós desde agora, não apenas no futuro. Porque o tempo de Deus (kairós) não é dividido em passado, presente, futuro, como tempo humano: em Deus tudo é, aqui e agora, porque Deus é: "Eu sou aquele que sou". Deus é presente sem passado nem futuro. No universo salvífico, a fé é vivida no presente como memória atualizadora dos eventos salvíficos passados, únicos, irrepetíveis, nas ações litúrgicas, na prática dos valores éticos; o futuro não é utopia irrealizável, mas vivido no presente, aqui e a gora, como esperança atualizadora das realidades que estão em processo de ser, mas já presentes em nossas vidas como sementes: "Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas o que seremos ainda não se manifestou. Sabemos que, quando ele aparecer, seremos semelhantes a ele, já que o veremos tal como é. Todo aquele põe nele esta esperança torna-se puro como ele é puro"; o presente é a convergência do passado e do futuro e é vivido como amor na presença de Deus. O amor caracteriza-se pelos conflitos entre a estática do passado (fé) e a dinâmica do futuro (esperança). Porém, como o amor é vivido em Cristo, com Cristo e por Cristo na presença amorosa do Pai, o conflito é vivido como paz inquieta, inquietude pra realizar o Reino de Deus, em vez do desespero e ceticismo de quem está convencido que tudo está perdido. "Ora, a esperança não decepciona, pois o amor de Deus foi derramado em nossos corações por Deus Mae que nos foi dado". As "coisas futuras" o são, portanto, só em relação a nós, pois da parte de Deus são sempre presentes, seja como memória, esperança, prática do direito e justiça, configurada no amor fraterno. Não vemos as "coisas futuras", aqui e agora porque falta-nos a fé. Mas quando a luz da fé se acende, as enxergamos e vão se tornando familiares. "Moisés caminhava com Javé e conversava com ele como um homem conversa com seu amigo". A demora de enxergarmos Deus na nossa vida não está nele, mas na nossa fraca fé. A distância que nos separa de Deus é o tamanho da nossa fé. Na proporção que nossa fé aumenta, nos aproximamos de Deus, que está sempre próximo de nós. Como ela cresce pelas boas obras da fé, a oração e o jejum, Jesus, o futuro é presente para mim aqui e agora. Deus se dá a mim á medida que adiro a ele pela fé. Ele não invade minha vida sem a minha anuência. Deus Mãe no coração do fiel incentiva-o, mas não o coage a crer. Deus age mediante a liberdade, sem me forçar a crer nele nem a amá-lo. Espera minha adesão livre a ele, expressa na generosidade do meu amor fraterno. Por isso o Reino de Deus já chegou plenamente em Jesus Cristo; já chegou pra mim na medida da minha fé, mas ainda não chegou pela minha falta de fé, ou porque só será perfeito na Parusia. Mas, o Rei está à porta e bate, na minha frente, quer entrar na minha vida pela porta da fé e prática da justiça e do amor fraterno. Mas enquanto minha fé for fraca, o Rei se coisa futura. Mas se tivermos fé, ele surgirá entre nós. O apelo de Jesus "Convertei-vos e crede no Evangelho. Reino de Deus está próximo" visa ativar a nossa fé. Converter-se é voltar-se para Deus e os irmãos, começar a viver pela fé. Como? Praticando a justiça e o direito, lugares teológicos paradigmáticos. Quando Saulo encontrou-se com Jesus na estrada de Damasco, não resistiu ao impacto da sua presença, e exclamou: "Quem és tu, Senhor e que queres que eu faça"? Que conduta nova queres que eu adote daqui para frente. Jesus foi categórico: "É muito duro para ti recalcitrar conta o aguilhão. Levanta-te e fica firme em pé, porque este é o motivo por que te apareci: para constituir-te testemunha e servo da visão na qual me viste e daquelas nas quais ainda te aparecerei. Eu te livrarei do povo e das nações gentias às quais te envio pra lhes abrires os olhos e assim converterem-se das trevas pra a luz. De modo que receberão a remissão dos pecadose a herança entre os santificados, mediante a fé". Paulo não resistiu à sedução de Jesus, abraçou a missão que lhe preparou "desde o ventre da sua mãe" e tornou-se o Apóstolo das gentes, o grande responsável pela expansão do Cristianismo pelo mundo habitado conhecido então.

O tempo é, pois, diferente para Deus e para nós. Pra Deus só há presente, kairós: Deus é. Pra nós, o tempo tripartite começa a contar quando Deus interfere na história criando o mundo novo pela fé. As coisas de Deus acontecem, aconteceram e acontecerão, para nós, mas é sempre o mesmo kairós salvífico nas diversas fases chrônos. Aconteceu a libertação do povo do Egito, a encarnação, vida, paixão, morte, ressurreição de Jesus, Pentecostes. Acontece hoje nas celebrações nas comunidades de fé. Acontecerá a Parusia. Se fossem só acontecimentos humanos, teriam ficado pra trás êxodo, encarnação, morte, ressurreição de Jesus, eucaristia e Pentecostes. Mas não o são, pois são da iniciativa de Deus, trazem a marca da eternidade e da perenidade de Deus nas gerações sucessivas. A Páscoa judaica aconteceu às vésperas da libertação do Egito. Mas, como é acontecimento salvífico, é mais que evento temporal, é memorial. "Este dia será para vós um memorial, o celebrareis como a festa para Javé; em vossas gerações o festejareis; é um decreto perpétuo". Quatro mil anos depois, o povo judeu continua a celebrar a Páscoa anualmente, conforme a ordem de Javé. Por que e para que? Porque, sendo um evento salvífico, tem validade pra todos os tempos: a celebração reiterada anualmente é para fazer os efeitos daquele evento salvífico histórico único e irrepetível alcançarem pessoas da presente e futuras gerações. É para isto que a Páscoa-Fato tornou-se Páscoa-Rito: uma, evento histórico; outra, símbolo do evento: evento em forma de sinais sensíveis, com a mesma validade do evento. É este o sentido do memorial. Não se trata apenas de lembrar, mas fazer memória, reviver liturgicamente pela fé eventos de valor salvífico atual. O mesmo se diga da eucaristia instituída por Jesus, para simbolizar sua morte de cruz e ressurreição: tem hoje o mesmo valor salvífico do evento escatológico único da Sexta-Feira Santa ocorrido há 2.000 anos, com ordem de perpetuá-lo pelas gerações futuras: "Fazei isto em memória de mim". O pão e vinho sagrados agora e aqui simbolizam, significam e representam, têm o mesmo valor que o corpo e sangue de Jesus, encarnado, anônimo, morto, ressuscitado, e, pra quem os comunga com fé, fazem o mesmo efeito que fez para os Doze na ultima Ceia, primeira da nova aliança: são o corpo e sangue de Jesus entregues por nós, que nos comunicar a vida divina. "Fazei isto em minha memória" é mais que ordem para celebrar missa: é mandato que "ofereçais vossos corpos como hóstia viva, santa, agradável a Deus, como Jesus fez: este é o nosso culto espiritual", a nossa eucaristia. A comunhão eucarística é o sinal do que Jesus fez, um convite fazermos o mesmo: "Vós me chamais Mestre e Senhor, e eu o sou. Assim como eu lavei vossos pés, lavai também os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que, como eu fiz, também o façais vós". O sentido da eucaristia é o humilde serviço do lava-pés tal como Jesus fez.

Portanto, tanto o Êxodo como os eventos salvíficos relativos a Jesus têm validade para quem vive hoje pela fé. É hoje que o Senhor liberta seu povo; é hoje que Jesus se nos dá em alimento. Hoje memorial. É hoje que Jesus nasce: "Nasceu-nos hoje um menino, um Filho nos foi doado". O que acontecer amanhã, será para nós o mesmo que já aconteceu e está acontecendo aqui e agora. A diferença está entre a busca e a posse do que se busca. Da parte de Deus, porém, trata-se da mesma coisa do começo ao fim: "O Pai, Jesus, Ruah é o mesmo ontem, amanhã, hoje, sempre". De toda eternidade o Cordeiro está imolado (morto) e de pé (ressurreto), perdoando-nos e nos dando vida plena. Fazer a liturgia dos eventos salvíficos passados é revivê-los na fé hoje, com a mesma validade que tiveramquando ocorreram historicamente. "Se hoje ouvirdes a voz do Senhor não fecheis vossos corações". O hoje de Deus é perene, pois nele as três etapas do tempo se fundem no kairós divino, sem deixarem de existir. Deus é sempre hoje, embora para nós haja ontem, amanhã e hoje, datados e contados. A presença de Deus é sinal de sua fidelidade: podemos confiar nele e viver em paz, até nas tribulações. "Fiel é esta palavra: se com ele morremos, com ele viveremos. Se com ele sofremos, com ele reinaremos. Se o renegamos, também ele nos renegará. Se lhe somos infiéis, ele permanece fiel, pois não pode renegar-se".


Autor: Geraldo Barboza De Carvalho


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