JOGOS E BRINCADEIRAS NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: UMA EXPERIÊNCIA DE TRABALHO EM CRECHE



Ivo Nascimento Neto

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Resumo: Este relato tem como interesse socializar a experiência da Educação Física ,na construção de um projeto pedagógico voltado à Educação Infantil em creche. Neste sentido, o projeto objetiva organizar atividades lúdicas que, possam contribuir para o desenvolvimento dos aspectos afetivo-sociais, motores e cognitivos, tendo em vista uma proposta pedagógica que privilegie a formação integral da criança.

O presente texto relata uma experiência vivida em uma creche no bairro de Nordeste de Amaralina. O espaço onde foi desenvolvida nossa experiência se caracteriza por uma comunidade periférica, localizada na cidade de Salvador-BA onde as famílias possuem baixa renda e os índices de violência e de criminalidade são acentuados. Ao passo que sou professor de Educação Física, pensei numa intervenção que buscasse contribuir para a realidade das crianças na creche do Nordeste de Amaralina, como também em meu processo de formação profissional, daí a escolha de contribuir para a proposta de um projeto pedagógico que articulasse a educação física, jogos e brincadeiras e as demandas sociais de formação das crianças.

Inicialmente, foi proposta a essa creche uma ação de intervenção nessa realidade, que, a nosso ver, se agrava pela falta de espaços para experiências corporais. Nosso projeto implicar o desenvolvimento de atividades lúdicas (jogos e brincadeiras), que seja capaz de ampliar as experiências corporais dessas crianças, tendo como eixo articulador elementos como habilidade social entre os grupos de crianças, afetividade e ampliação do repertório cultural e motor.

A proposta de um projeto pedagógico sistematizado, como estratégia de ação, justificou-se, diante da falta de espaço e por compreender a importância deste para o desenvolvimento integral das crianças. Para Kishimoto (2002, p.59), "quando brinca, a criança assimila o mundo à sua maneira, sem compromisso com a realidade, pois sua intenção com o objeto não depende da natureza do objeto mas da função que a criança lhe atribui".

Para corroborar com nossa intenção inicial, fez-se necessário contextualizar o espaço destinado à educação destas crianças. A creche apresenta uma estrutura física inadequada, situada numa viela, não dispõe de espaços abertos (livres) e possui um corpo de professoras, as quais possuíram uma formação profissional generalista.

A escolha deste espaço, logo que não é o único que apresenta estas demandas, deu-se por eu ser morador do bairro e inquietar-me com a situação posta, bem como com a formação destas crianças. Ao passo que descubro e me envolvo com elementos novos em profissão, desperto-me para situações que me instigam a fazer alguma coisa em função da formação dos educandos. Como não posso interferir diretamente em todas, escolhi esta creche e estas crianças que representam minha história de vida, para iniciar um trabalho de intervenção. Embora os parâmetros curriculares nacionais para a educação infantil reconheçam a importância do movimento e do lúdico para o desenvolvimento integral e como instrumento potencializado da estimulação da linguagem e da expressividade da criança, estas são relegadas a segundo plano na escola, ficando as possibilidades da exploração dos jogos e das brincadeiras nos espaços informais (recreio e antes e depois das aulas). Posto isso, nosso proposta de trabalhar a Educação Física como componente curricular utilizando-se do que é mais característico na criança (o jogo e brincadeira) em suas dimensões procedimental, conceitual e atitudinal, a fim de construir um espaço que privilegie o desenvolvimento da autonomia e da auto-organização do grupo.

A creche no contexto brasileiro: implicações e importância

As creches surgiram no Brasil, no século XIX, num contexto em que as instituições asilares eram a referência para entidades de atendimento à população e tinham como objetivo livrar bebês e crianças pequenas da morte, através de fornecimento de abrigo, de alimentação e de algum atendimento em higiene e saúde, pois se entendia que suas famílias de trabalhadores não podiam proporcionar-lhes esses cuidados básicos (Kuhlmann, 1991). Nesse mesmo período, também se desenvolveu o setor privado da educação pré-escolar, voltado para as elites: os jardins de infância,o uso nosso é denominar "jardim da infância a instituição que se preocupa exclusivamente com a educação froebeliana, reservando-se o nome de escola maternal à que educa e presta assistência"(Kishimoto, 1988, p. 39), que foram propagandeados como tendo causas essencialmente distintas das creches destinadas às classes populares, pois se atribuía a elas um caráter pedagógico. Em nosso meio, ainda estão presentes resquícios desses significados conferidos às creches em sua gênese.

Ao longo da história, vários nomes designaram esses espaços tais como: jardins da infância, escola maternal, sala de asilo, escola de tricotar, creche, pré-primário, pré-escola etc. A partir dos dispositivos da Constituição de 1988, da lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (Lei 9394/96) "cunhou-se a expressão educação infantil para designar todas as instituições de atendimento para crianças de zero a seis anos. Este fato, em si, denota que a infância passou a ter um espaço próprio de educação"

Às creches, em seu momento de desenvolvimento, incorporou uma concepção "assistencialista" (Kuhlmann,1991,p,17), "pois se atribuía o compromisso único de compensar aquilo que faltava à criança em sua casa, ainda que com baixa qualidade", pois os objetivos da educação assistencialista eram isolar as crianças dos meios perniciosos, como a rua, e oferecer educação de baixa qualidade, e ainda refaçam que os materiais privilegiados pelas instituições infantis continuam sendo os gráficos, e os educativos. (Canholato,Pinnaza apud Kishimoto, 2003,p, 32), "referendando mais uma vez, valores relacionados às atividades didáticas, predominando o modelo escolar, marginalizando a expressão, a criatividade e a iniciativa da criança".

A história do jogo e da brincadeira origina na criança, a internalização de sua personalidade quer ampliar-se, e sua aspiração é conquistada aos poucos. Para a criança, a brincadeira tem um fim em si mesmo na afirmação do "eu". Há apenas um aspecto, um princípio; e esse princípio só pode resultar em alegria

Jogos e brincadeiras: sua importância pedagógica

Independente de época, de cultura e de classe social, os jogos e os brinquedos fazem parte da vida da criança, pois elas vivem num mundo de fantasia, de encantamento, de alegria, de sonhos, onde realidade e faz-de-conta se confundem.

Segundo Kishimoto (2003) O jogo infantil inclui a seguinte característica: simbolismo, ao representar a realidade e atitude significação,uma vez que permite relacionar ou expressar experiência atitude, ao permitir que a criança faça coisas a partir da motivação, ao incorporar seus motivos e interesses.

O caráter de ficção é um dos elementos constitutivos do jogo e, é um modo de expressão de grande importância, pois também pode ser entendido como um modo de comunicação em que a criança expressa os aspectos mais íntimos de sua personalidade e sua tentativa de interagir com o mundo adulto.

Pelo jogo, as crianças exploram os objetos que os cercam, melhoram sua agilidade física, experimentam seus sentidos, e desenvolvem seu pensamento. Algumas vezes o realizarão sozinhos; em outras, na companhia de outras crianças, desenvolvendo também o comportamento em grupo. Podemos dizer que aprendem a conhecer a si próprios, o mundo que os rodeia e aos demais.

O jogo facilita o desenvolvimento da imaginação e da criatividade, a criança em idade pré-escolar experimenta necessidades irrealizáveis, aparecendo, na brincadeira, situações imaginárias, já que nela ocorre uma representação de significado. (VYGOTSKY,1984) Outro fator ressaltado pelo autor diz respeito à presença de regras na brincadeira: "no brinquedo a criança sempre se permite além do seu comportamento habitual, no brincar seu procedimento é sempre maior do que na realidade" (VYGOTSKY, 1984 , p.17).

Pela oportunidade de vivenciar brincadeiras imaginativas e criadas por elas mesmas, as crianças podem acionar seus pensamentos para a resolução de problemas que lhe são importantes e significativos. Propiciando a brincadeira, portanto, cria-se um espaço, nos quais as crianças podem experimentar o mundo e internalizar uma compreensão particular sobre as pessoas, os sentimentos e os diversos conhecimentos.

Segundo Kishimoto (1994), os jogos e brincadeiras deixam de ter sua característica básica, a de veicular livremente a cultura infantil, ao priorizar aspectos educativos quando utilizados pela escola. Nesse sentido, a instituição escolar e, principalmente, os educadores, devem agir com prudência, procurando sustentação teórica em autores que têm lidado com a questão da brincadeira com rigor, para poderem estabelecer os alcances e limites desta prática. Tendo claro que não interessa transformar a brincadeira tradicional em instrumento didático, poder-se-ia valorizá-la no ambiente escolar por, pelo menos, duas razões fundamentais: o resgate de identidade cultural da criança e o estabelecimento de relações físicas e sociais pouco disponíveis para a criança.

Após reconhecer essas considerações, vendo a importância do professor de Educação Física nesse contexto, organizei um projeto pedagógico, em uma creche típica da cidade de Salvador localizada na comunidade de baixa renda conhecida como Nordeste de Amaralina. Portanto, venho relatar minha experiência.

Período

A referida pesquisa, teve o inicio em 14 de abril, de 2008, precisamente às 15 horas, e que teve a duração de 8 meses. Durante o período da pesquisa de campo, foram realizadas 38 aulas de 50 minutos, duas vezes por semana, foram feitas atividades com 60 crianças de 3 a 6 anos. As crianças eram divididas por faixa etária, nos dias de aula, pois em alguns momentos não tinha como dividir, então as crianças mas velhas se integravam com as mas novas, com isso acredito que a aprendizagem era mas acentuada, pois fica claro o que (VYGOTSKY,1984) chama de zona de desenvolvimento proximal. Aconteciam 4 aulas, uma seguida da outra, e, em cada aula era uma faixa etária. Umas das coisas que impossibilitou o maior número de aulas, foram dias de chuva e feriados. Quando chovia, não havia outro espaço para dar aula, pois as salas onde eram feitas as atividades didáticas, eram pequenas. As aulas sempre eram planejadas da seguinte forma: no primeiro momento, acontecia uma roda de conversa, logo em seguida as atividades propriamente ditas, e, por fim, o mais importante, que era o momento reflexivo, ou seja, era o momento do diálogo, e das colocações das crianças e do professor, que identificava se realmente seus objetivos estavam sendo atingidos.

Uma possibilidade metodológica para as aulas

Antes e depois das aulas propriamente dita, adotei a estratégia de realizar a forma de conversar com as crianças. Esta estratégia foi essencial para o êxito da minha prática de ensino. Esta estratégia caracteriza e deixa mais claro para as crianças, o início e o final da sessão; além disso, da oportunidade para que a criança verbalize como, por exemplo, dizendo seu nome, falando aquilo que gosta o que ocorreu na brincadeira e o que ela foi capaz de representar. Diante das observações e das conversas com as crianças, tive ciência que existia um enorme vazio de atividades lúdicas na creche, então comecei a utilizar os (jogos e brincadeiras), dentre as atividades mais utilizadas foram jogos de faz-de-conta, como, o mundo dos bichos, passeio na floresta e sua casa família, (Schilling, 2003 , p, 105) "quando a criança brinca de boneca a menina não aprende a cuidar de uma criança viva, mas a se sente mãe", pois na fase, pré-operatória a criança não só simboliza como também imita e cria personagens. Para (Rego 1995, p, 82) "a criança brinca pela necessidade de agir em relação ao mundo". A criança em idade pré-escolar experimenta necessidades irrealizáveis, que, muitas das vezes, não acontece no seu cotidiano, mas que através da criação, ela permite que aconteça, e isso, está presente na atividade lúdica, com seu conteúdo imaginário, como possibilidades de realizações dos desejos irrealizáveis, foram feitos também jogos de construção, "pois são considerados de grande importância para o enriquecimento sensorial" (Chauncey, apud Kishimoto, 2003,p, 14),como exemplo foram feitos jogos como, construindo minha casa, fazendo a rua em que vive e montando sua escola.São jogos em que as crianças reúnem peças e representam a construção de seu convívio Segundo (Kishimoto,2003, p, 30), o jogo de construção criado por Froebel, a criança imagina e cria seu próprio mundo com a articulação das peças que constrói a partir de seu imaginário.

Dentre os procedimentos metodológicos, procurei utilizar maneiras que dessem conta das minhas práticas. Sempre no inicio das aulas, as crianças ficavam em círculo e diziam seu nome, sua idade e o que iriam brincar, com tudo, era uma maneira de reforçar os nossos diálogos, também eram colocadas as regras para a brincadeira de uma maneira social (juntas). Algumas vezes, eu contava uma história, em que diferentes situações eram postas, como por exemplo: a representação da família na floresta onde existiam diversos bichos, tudo proposto em uma situação de faz-de-conta, (Rosamilha,1979, p, 79) "cita que o jogo imaginário utilizado conduz o desenvolvimento da linguagem e estabelece relações sociais". Percebi que as crianças não estavam acostumadas com este tipo de aula, tanto que no início e no fim, foram os maiores desafios que já enfrentei durante as minhas praticas, mas também foi fundamental para uma nova postura, no que diz respeito à estruturação cognitiva das crianças (Rego, 1995, p, 81) "de acordo com o autor através do brinquedo a criança aprende a atuar na esfera cognitiva".

Sempre por fim, logo após o término das brincadeiras, as crianças guardavam os materiais, logo em seguida era feito o momento de reflexão, pois quando eu falava para guardar o material, servia de parâmetro para as crianças considerar que as brincadeiras haviam terminado e, sendo assim, deveriam retornar a volta à calma. As crianças sentavam em círculo, por algumas vezes era aplicada a massagem antes de começar a verbalização, O momento da massagem servia para ajudar a volta à calma, porque é um momento excelente para conversar coletivamente, elogiando-as e colocando pontos positivos e negativos que havia acontecido na aula.

Depois de receberem a massagem, as crianças eram convidadas a contar do que brincaram. A dificuldade também era grande, pois muitas crianças não paravam, e acabavam tirando a atenção das outras. Existia uma dificuldade de expressão mas com o passar do tempo as coisas melhoraram.

Ao final de algumas atividades, as crianças começaram a se soltar mais, a contar sobre o que brincaram, ou seja, o que representou a brincadeira, dizendo se gostaram ou não, o que representaram durante as brincadeiras, e qual seu papel, ou o que estava sendo construído a partir do seu imaginário.

Coloco que a verbalização para a criança é importante, pois começa a dar autonomia para seus atos, a criança começa a adquirir maior confiança em si e nos outros. A criança, quando incentivada, fala e, adora fazer isso, podemos ter isto mais claro lendo o que nos diz Winnicott (1975) quando diz que muitas vezes quando a criança conta algo para o adulto, este ,está pensando em outras coisas, menos prestando atenção no que a criança diz, mas como a criança se basta para ela mesma (nesta situação) isto, ainda assim, se torna prazeroso para ela, tamanho a satisfação por expor o que foi capaz de realizar. Além disso, as crianças impulsionam-se umas as outras quando começam a contar sobre o que fizeram neste sentido há certa disputa, quem vai falar primeiro, este é um aspecto importantíssimo quando se trabalhar com uma turma heterogênea, pois há um estimulo na estruturação do pensamento. Dito isso, encerro aqui nossa pesquisa na creche localizada na cidade de Salvador-BA situada no Nordeste de Amaralina, onde encontrei grandes dificuldades e desafios, pois acredito que com tudo, a minha intervenção contribuiu bastante para o desenvolvimento completo das crianças da comunidade, e, com certeza, em tese para a minha formação.

REFERÊNCIAS

KUHLMANN M Jr. Instituições pré-escolares assistencialistas no Brasil (1899-1922). Cad Pesq 1991; 78:17-26.

Ministério da Educação e do Desporto (BR). Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília (DF); 1998.

KISHIMOTO- Tizuko Morchida. Jogos infantis: o jogo,a criança e a educação. Petrópolis, RJ, 2001.

__________. Jogo e a educação infantil. São Paulo, 2003.

Psicológia Pedagogia/ Liev Semionovich Vygotsky; trad Cláudio Schilling- Porto Alegre: Artmed, 2003

VYGOTSKY, L.S.A Formação Social da Mente. São Paulo, Martins Fontes, 1984

REGO, Teresa Cristina.Vygotsky: Uma perspectiva histórica  cultural da educação. Petrópolis, RJ:Vozes,1995

ROSAMILHA, Nelson. Psicológica do Jogo e Aprendizagem Infantil. São Paulo: Pioneira, 1979.


Autor: Ivo Neto


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