Da Apuração de Haveres e Da Exclusão do Sócio com apuração de haveres



Por: Rafael Alves Carvalho

Da Apuração de Haveres e Da Exclusão do Sócio com apuração de haveres

Da Apuração de Haveres e Da exclusão do Sócio com Apuração de Haveres

Na sociedade limitada existe uma série de situações em que se impõe a liquidação das cotas de determinados sócios, ocorrendo dessa forma à apuração de seus haveres. A apuração de haveres tem, normalmente, como objetivo operar a transmutação do direito patrimonial abstrato do sócio convertendo-o em prestação pecuniária exigível, regulada primeiramente no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei n° 3708 de 10 de janeiro de 1919 e, hoje em dia, pelo Código Civil em seus artigos 1102 a 1112. Em outras palavras a apuração de haveres destina-se a calcular qual a parcela do patrimônio da sociedade que corresponde às cotas do ex-sócio. É o que estabelecia o artigo 15 do Decreto nº. 3.708/19.

Num momento mais adiante o Supremo Tribunal Federal editou a súmula nº. 265, que traduzia o seguinte verbete: "Na apuração de haveres não prevalece o balanço não aprovado pelo sócio falecido, excluído ou que se retirou". Porém, apesar dessa fórmula ser conveniente, ela não garantia um reembolso do valor real dos haveres daqueles que se afastavam da sociedade, pois o balanço traduz os valores contábeis do ativo que não espelham um valor atualizado de mercado dos bens, além de desconsiderar bens imateriais, os quais integram o estabelecimento empresarial.

Depois de conhecida essa realidade de que o balanço não correspondia ao real valor devido ao sócio, evoluímos no tema, consagrando a figura do balanço especial de determinação, que deve refletir a um levantamento contemporâneo à época da despedida do sócio, com o objetivo de a apuração de haveres se faça pelos valores reais do patrimônio da sociedade, bens materiais e imateriais. Dessa forma, afastou-se a figura do último balanço aprovado como paradigma para o cálculo dos haveres, evitando-se o enriquecimento sem causa dos sócios remanescentes e da sociedade, em detrimento do sócio que se despede ou de seus sucessores.

O Supremo Tribunal Federal passou a entender, consoante se infere do acórdão unânime extraído do julgamento do Recurso extraordinário nº. 91.044  RS, por sua 2ª Turma: "Dar-se-á apuração de haveres do sócio dissidente de maneira que a aproxime do resultado que poderia ele obter com a dissolução total, de forma ampla, com plena verificação, física e contábil, dos valores do ativo, e atualizados os ditos haveres, em seu valor monetário, até a data do pagamento.

Confirmando o posicionamento da Corte Suprema brasileira o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 35.702-0  SP, no qual ficou estabelecido: "Na sociedade constituída por sócios diversos, retirante um deles, o critério de liquidação dos haveres, segundo a doutrina e a jurisprudência, há de ser, utilizando-se o balanço de determinação, como se tratasse de dissolução total.".

Sem dúvida era demasiadamente injusto o que era estabelecido anteriormente, pois o sócio que se retirava não recebia o real valor de seus haveres, quando estamos falando de uma empresa não devemos apenas calcular seus bens corpóreos como prédios, propriedades, lojas etc., mas também os bens incorpóreos como a perspectiva da empresa no mercado, a força de sua marca etc. Nota-se que para equacionar o valor que é devido ao sócio retirante, na apuração de haveres, dois passos fazem-se necessários: determinação do valor da quota e sua posterior liquidação. O primeiro é método contábil e o segundo é método jurídico.

O artigo 1.031 do novo Código Civil confere tratamento a questão no que diz respeito às sociedades limitadas, na medida em que a definição do montante dos haveres a serem reembolsados é corolário lógico do término do vínculo contratual.

Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

§ 1o O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.

§ 2o A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.

Segundo o eminente professor Tavares Borba "conhecido o montante do patrimônio líquido, fácil será encontrar o valor de cada cota, que é o quociente da divisão do patrimônio líquido pelo número de cotas em que se divide o capital social. O valor de cada cota multiplicado pelo número de cotas do ex-sócio indicará o montante de seus haveres." "Ao sócio que se retira da sociedade é devido o reembolso da quantia correspondente ao seu capital, na proporção do último balanço aprovado".

No mesmo diapasão está o professor Sérgio Campinho, este escreve que " o reembolso deve fazer-se com base no patrimônio líquido da sociedade, verificando em valores exatos e reais, com a inclusão dos elementos incorpóreos ou imateriais do fundo de empresa, além das reservas sociais, sobre ele fazendo projetar o percentual de participação do sócio no capital. Qualquer previsão contratual, para ser legítima, deverá partir dessa base. A previsão é para conceder-se mais e não menos." Sendo a apuração de haveres já concluída, terá o ex-sócio ou seus herdeiros, um crédito contra a sociedade, a ser resgatado nos prazos convencionais no contrato ou, silente este, no prazo de noventa dias, contados da efetiva liquidação, conforme o artigo 1.031, §2, do Código Civil. A fim de evitar desembolsos vultuosos e inesperados é aconselhável disciplinar no contrato os prazos de pagamento de haveres apurados.

Tendo o ex-sócio ou seus sucessores discordado do valor do reembolso, poderão pleitear a apuração judicial de haveres, propondo ação própria para esse fim. Porém tal discordância não impede o recebimento do montante oferecido, devendo, nesse caso, a quitação ser passada com ressalva, sob pena de inviabilizar a pretensão de apuração em juízo.

A verificação da resolução da sociedade em relação ao sócio realizar-se ao mesmo tempo da liquidação da quota, ocasião em que, inclusive, não mais desfrutará dos direitos inerentes a essa condição, porquanto desfeito o vínculo societário que garantia o exercício daqueles direitos.

Logo, o sócio extrajudicialmente excluído, nas condições do artigo 1.085, do Código Civil, deve a apuração ter início a partir do registro da alteração contratual conforme o artigo 1.086, do Código Civil.

Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.

Parágrafo único. A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assembléia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.

Art. 1.086. Efetuado o registro da alteração contratual, aplicar-se-á o disposto nos arts. 1.031 e 1.032.

Enquanto não realizado o registro, o sócio continuará a desfrutar de seus direitos, sob pena de, assim não o sendo, ligitimar-se o abuso por parte dos demais que retardariam o registro, como forma de prolongar a apuração dos haveres. Note-se que não foi o minoritário excluído que formalmente implementou a dissolução do vínculo, mas sim os majoritários, sendo o seu marco o registro de alteração contratual, consoante se infere da inteligência que resulta dos artigos 1.085 e 1.086. A exclusão extrajudicial do sócio, nessas condições, é um ato jurídico complexo que exige, para sua perfectibilidade e eficácia perante o excluído, não só a sua deliberação em reunião ou assembléia, realizada com integral obediência às formalidades legais, mas também a efetivação do registro da alteração contratual na qual a expulsão é materializada.

Na hipótese de recesso do sócio, na sociedade contratada por prazo indeterminado, o vínculo estaria rompido a partir da consumação do prazo da notificação, que a lei impõe, deve ter antecedência mínima de sessenta dias. A partir de então se daria o início da liquidação de sua cota social.

Uma grande questão desse tema é quando se dá o início da apuração dos haveres. Quando é verificado o retardo injustificado no seu começo, ou ainda, sendo postergada sua conclusão, sem qualquer motivação plausível, poderão os sócios retirantes, os excluídos ou os sucessores do falecido propor ação para que se realize a apuração em juízo dos haveres que deverão refletir a situação patrimonial da sociedade à data em que se realizou a efetiva resolução do vínculo contratual.

Sendo os haveres liquidados judicialmente, e uma vez finalizada a ação correspondente, não mais dispondo a sociedade de recursos para efetivar o pagamento da importância a que foi condenada, os sócios que remanesceram na sociedade após a retirada, exclusão ou falecimento de sócio, poderão ser acionados como responsáveis subsidiários e solidários, eis que por ele não foi viabilizado o pagamento na época própria, quando os recursos se faziam presentes.

Alguns autores vêem na apuração de haveres uma dissolução parcial da sociedade. Porém, cumpre considerar que a dissolução é o processo que leva à liquidação, enquanto a apuração de haveres é o processo que leva à liquidação de determinadas cotas, permanecendo íntegra a sociedade. É claro que, com a apuração dos haveres, reduz-se o patrimônio social no montante equivalente a esses haveres. A concomitante eliminação das cotas do ex-sócio acarreta a correspondente redução do capital social:

Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

§ 1o O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.

Contudo, a sociedade permanece a mesma, guardando-se plenamente sua individualidade.

Finalmente, não se pode deixar de relembrar e ressalvar a particularidade do sócio remisso quem, embora possa ser excluído extrajudicialmente, não fará jus ao recebimento de haveres, mas sim à restituição das entradas, abatidos os créditos da sociedade conforme o artigo 1.058, do Código Civil.

Art. 1.058. Não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas.

Referencias bibliográficas:

Campinho, Sérgio  O direito de empresa À luz do novo código civil  10ª edição  Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

Jose Edwaldo Tavares Borba, Direito Societário, Editora Renovar, 7ª edição.

Estrela, Hernani, Apuração de Haveres de Sócio, Editora: Forense.

Pimenta, Eduardo Goulart. Exclusão e retirada de sócios: conflitos societários e apuração de haveres no Código Civil e na Lei de Sociedades Anônimas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.

http://jusvi.com/artigos/26295 em 30/11/2009

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=757&p=2 em 01/12/2009

RAFAEL ALVES CARVALHO


Autor: Rafael Carvalho


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