Descartes e as Paixões Metafísicas



Descartes e as paixões metafísicas

Edson Massayoshi Shiguemoto

Acadêmico de Filosofia da Unisul

"Há certas coisas que experimentamos em nós que não

podem ser atribuídas apenas à alma ou ao corpo'".

(DESCARTES, [s/d], p. 44)

René Descartes (1596-1650), o fundador da filosofia moderna, estabeleceu as bases do conhecimento através de um novo método, utilizando-se do procedimento da dúvida cética para atingir o princípio da certeza do conhecimento.

Para Descartes, "não existe melhor caminho para chegar ao conhecimento de nossas paixões do que examinar a diferença que há entre a alma e o corpo, a fim de saber a qual dos dois se deve atribuir uma das funções existentes em nós" (DESCARTES, 1987, p.77-78).

Descartes utiliza o termo 'paixão' em sentido de 'percepção' e 'emoção', designando sentimentos como amor, ódio, alegria, vergonha, e sensações como a dor. Assim a mente está relacionada aos atos de consciência (concepção, dúvida, afirmação, desejo, imaginação, sentimento) e o corpo está relacionado à matéria e aos processos exclusivamente físicos (movimentos corporais, respiração, batimento cardíaco, etc). A alma é a entidade simples e indivisível determinadaapenas segundo seu próprio ato perceptivo.

Na tese de Descartes, acerca da unidade entre corpo e alma, a paixão está inclusa e e se explica. Na relação alma-corpo, ou seja, uma experiência de causa corporal e de percepção concernente à alma, os fenômenos ocorrentes correspondem às paixões. Nesse sentido, a paixão é definida como 'percepção da alma causada pelo corpo'.

Diante das duas substâncias, corpo e alma, há três modos de experiência: o mecânico, relacionado ao corpo; o pensante, relacionado aos fenômenos perceptivos da alma (imaginação, reflexão, fantasia, etc.); e o passional, relacionadas às emoçõese sensações.

As paixões são pensamentos, pois tudo que percebemos pela alma é denominado pensamento, que por sua vez são causadas pelo corpo. E é desta relação, entre corpo e alma num único ente que surge a tese das ''paixões da alma'.

Descartes declara:

"A natureza me ensina, também, por esses sentimentos de dor, fome, sede, etc., que não somente estou alojado em meu corpo, como um piloto em seu navio, mas que além disso, lhe estou conjugado muito estreitamente e de tal modo muito confundido e misturado, que componho com ele um único todo. Pois, se assim não fosse, quando meu corpo é ferido, não sentiria por isso dor alguma, eu que não sou senão uma coisa pensante, e apenas perceberia esse ferimento pelo entendimento, como um piloto percebe pela vista se algo se rompe em seu navio; e quando meu corpo tem necessidade de beber ou de comer, simplesmente perceberia isto mesmo, sem disso ser advertido por sentimentos confusos de fome e de sede. Pois, com efeito, todoss esses sentimento de fome, de sede, de dor, etc., nada são exceto maaneiras confusas de pensar que provêm e dependem da união e como que da mistura do espírito e do corpo." (DESCARTES, 1988, p.68)

A partir de então, compreendemos que as duas substâncias, corpo e alma, estão unidas intimamente. Uma modificação física do ente extenso acarreta também uma modificação da alma. Desta forma, esta unidade é hipótese necessária para a compreensão desta relação. E a tese de que a natureza nos ensina por sentimento, é uma afirmação baseada na experiência factual das paixões e não em razões dedutivas.

Como regra do direcionamento do espírito para o conhecimento verdadeiro, de acordo com Descartes, só se pode afirmar que existe aquilo que puder ser provado, e que não haja em nenhuma ocasião o ato da dúvida. Assim em Meditações de Filosofia Primeira, Descartes chega a três conclusões:

1  as coisas relativas ao espírito são conhecidas pelo entendimento puro.

2  as coisas relativas ao corpo são conhecidas pelo entendimento auxiliadopela imaginação.

3  as coisas relativas à unidade da alma/corpo são conhecidas com obscuridade pelo entendimento e conhecidas com clareza pelos sentidos.

A partir destas conclusões, pode-se afirmar os três graus de cognição:

1º grau  Grau da certeza, onde as coisas conhecidas puramente pelo entendimento são valoradas como conhecimento claro e distinto.

2º grau  Grau da hipótese, onde as coisas conhecidas pelo entendimento e pela imaginação são valoradas como conhecimento hipotético.

3º grau  Grau da fantasia, onde as coisas conhecidas pelo entendimento e pelos sentidos são valoradas pelo conhecimento obscuro, porém inegável.

Descartes tem como premissa para o verdadeiro conhecimento, e como regra primeira, o entendimento puro, sem jamais partir dos sentidos para não cair nos graus da hipótese ou da fantasia. Por meio dos sentimentos não se pode conhecer a verdade das coisas, ou seja não há prova metodológica da natureza das paixões.

Tanto as paixões quanto os pensamentos ocorrem na alma. O espírito é definido como atividade espontânea e livre, daí a vontade ser considerada condição de êxito da inteligência. E é pela disposição do 'eu pensante' e pelo seu entendimento que se busca a verdade.

O erro para Descartes consiste na ignorância do 'eu' sobre sua dupla natureza. A essência da alma é o 'eu pensante', onde vontade e entendimento são modos distintos pelos quais a alma opera livremente.

Portanto, o atributo da vontade é por si mesmo fonte de erro, pois só se erra quem é livre, onde a vontade se deixa seduzir por paixões como desejo e vaidade, aceitando desejos indeterminados.

Os erros do espírito são todos causados pela indisciplina do 'eu pensante' em função da vaidade da vontade. Os piores erros são constituídos por excesso de prevenção, principalmente pela afetividadee pela sensibilidade provenientes da infância, quando a imaginação é livre. Quando da fase adulta será exigido do pensamento crítico do 'eu', um esforço de libertação desses preconceitos e submissão ao método.

O desejo corretamente julgado pelo'eu pensante' em função do conhecimento e por sua liberdade seria um fator positivo contra as paixões que desagregam a alma.

Referências

DESCARTES, René. As paixões da alma. Tradução de J. Guinsburgg

e Bento Prado Júnior. São Paulo: Abril Cultural, 1987.

(Coleção Os Pensadores).

DESCARTES, René. Objeções e respostas. Tradução de J. Guinsburgg

e Bento Prado Júnior. São Paulo: Nova Cultural, 1988.

(Coleção Os Pensadores).

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ren%C3%A9_Descartes acesso em 04/04/2010


Autor: Edson Shiguemoto


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