Introdução ao Estudo do Processo Civil



Introdução ao Estudo do Processo Civil

Eduardo J. Couture

                      Segundo o autor, o estudo do Processo Civil não deve ser puramente teórico e limitado a normas e regras a serem seguidas. O Processo Civil deve ser, acima de tudo, compreendido, na sua essência, nas entrelinhas, em seu significado.

A doutrina jurídica brasileira formou-se a partir da escola italiana que, por sua vez, derivava da escola alemã. Entretanto, até a chegada desses novos pontos de vista, seguia-se as escolas espanhola e francesa. Em termos de ação civil, cadê escola possuía seu ponto de vista.

A escola espanhola não deliberava a respeito do assunto, havendo ignorado a existência do mesmo e limitando-o a aplicação de outros preceitos legislativos para a apreciação do mesmo. Somente no século XX houve uma tomada de interesse especial, por parte de alguns escritores espanhóis.

A escola francesa colocava a ação como um direto em movimento. Era a manifestação do direito em todo o seu dinamismo. Para que existisse ação, eram necessários quatro elementos: direito, interesse, qualidade e capacidade. Entretanto, mesmo com toda essa conceituação, as teorias tornavam-se débeis frente a determinados problemas aparentemente inconclusivos. Desta forma, os escritores modernos iniciaram o trabalho de correção desta debilidade.

A escola alemã, por sua vez, possuía um grande acervo de possibilidades jurídicas no campo da ação civil. O grande problema deste acervo é que ele encontrava-se apenas, justamente, no campo das possibilidades. Não havia relação direta com a realidade jurídica em questão, ficando a teoria um tanto quanto distante da prática. Defende a ação como direito autônomo, separado do chamado direito substancial.

Por sua vez, a escola italiana segue o pensamento da escola alemã, no sentido de que ação é autônoma, concreta, configurando o denominado direito potestativo. Atualmente, os estudiosos do direito processual italiano prosseguem nestes ensinamentos, seja para dar continuidade ao pensamento ou para discordar dele, sempre acrescentando novas possibilidades ao pensamento original.

Apesar de tantas doutrinas, dotadas de suas próprias peculiaridades, é necessário, para o legislador brasileiro, trabalhar com os fatos, no intuito de ser fiel ao método cartesiano, onde as dificuldades são divididas em tantas partes quanto possíveis. A vida do direito é, antes de tudo, a vida dos fatos.

A experiência jurídica, ou seja, a própria vida do direito, nos coloca o fato de que o demandante pode ingressar com uma ação mesmo sem a concordância do juiz ou do demandado. Em outras palavras, a ação civil acabou por se tornar a substituta, civilizadamente legalizada, da vingança.

            Se o pedido do demandante for fundado ou infundado, isto só será decidido a partir da sentença. O litígio é um campo de incertezas. A sentença, por sua vez, finda uma questão processual, mas jamais esgota as possibilidades e questões de ordem psicológica. Cada litígio carrega consigo uma carga ilimitada de sensações, pensamentos, críticas e sentimentos.

            Quando a sentença declarar que o autor não tem razão, finda-se o processo; entretanto, os danos psicológicos causados a ambas as partes podem, por sua vez, ser irreversíveis. As lembranças, ninguém as tira. Nenhuma sentença, seja favorável ou desfavorável, pode devolver a paz de espírito que, em muitos casos, é tolhida bruscamente.

            Se for considerada em um sentido puramente estrito, a ação transforma-se na capacidade de invocar a jurisdição. O direito de recorrer aos tribunais, solicitando algo contra um demandado, é um direito de petição, considerado no sentido que este recebe dos textos constitucionais. A Constituição Federal garante, em seu artigo 5º XXXIV, o direito a petição, nos seguintes termos: são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos, em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.

            Chega-se, enfim, à idéia fundamental de que o direito de ação ou ação e justiça é uma espécie no gênero do direito de petição. Como se fosse um direito de petição configurado de modo peculiar. O procedimento, por sua vez, garante a eficácia dos direitos do homem, sem estar necessariamente ligado a um ramo jurídico específico.

            Desta forma, é notório que, toda lei que venha a privar o indivíduo do exercício pleno de seus direitos deve ser declarada inconstitucional. A atuação da justiça requer conhecimento pleno dos conceitos de liberdade e responsabilidade. O direito atua sempre buscando o equilíbrio da conduta humana. Junto a uma possibilidade, propõe uma limitação. Junto à liberdade impõe a responsabilidade. Poder e dever buscam, desta maneira, seu equilíbrio necessário.

            O poeta inglês Willian Shakespeare, em sua obra A Tempestade, coloca a liberdade como o bem maior, desejado pelo personagem principal do livro, Ariel. O autor nos brinda com a seguinte frase: Para vos preservar das ciladas do destino, são necessárias a pureza de coração e a vida imaculada.

            Da mesma maneira que a ação é o instituto civilizado da vingança, a exceção é o instituto civilizado da defesa. O autor ataca mediante sua ação e o demandado defende-se, mediante sua exceção. No litígio, ambas as partes encontram-se em pé de igualdade. Igualdade essa garantida constitucionalmente, conforme dista o caput do artigo 5º de nossa Carta Magna: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, a segurança e a propriedade, (...)".

            A grande diferença entre ação e exceção é a voluntariedade do indivíduo. O autor recorre ao judiciário por vontade espontânea, ainda que provocada por situação alheia ao seu gosto. O demandado, por sua vez, tem a obrigação de comparecer ao litígio, não podendo manifestar vontade em contrário.

            Sobre este tema, a escola clássica espanhola refere que o direito de se defender se torna efetivo através de três classes de exceções. As exceções dilatórias nos limitam a apresentar questões já previstas referentes a procedimentos, cujo objeto é a postergação da contestação da ação. As exceções peremptórias referem-se ao próprio mérito do assunto. Já as exceções mistas, como o próprio nome coloca, possuem a forma das dilatórias e a eficácia das peremptórias.

            Por sua vez, a escola alemã delimita, de forma clara, o paralelo entre a ação e a exceção. Em 1868 fez-se uma distinção entre exceções propriamente ditas e os chamados pressupostos processuais. As exceções seriam meios de defesa, a cargo das partes. Os pressupostos processuais, no entanto, seriam a materialização do litígio, sem os quais o mesmo não poderia ter resistência jurídica nem validez formal.

            A doutrina italiana coloca novamente o paralelismo: à exceção, denominada concreta da ação, segue-se uma concepção, também denominada concreta, da exceção. Entretanto, algumas outras correntes seguem a mesma situação paralela, porém, com a substituição da concepção concreta pela concepção abstrata.

            Novamente, é necessário realizar uma divisão cartesiana para obter um melhor entendimento da matéria em questão. Conforme dito anteriormente, o processo litigioso é carregado de uma série de sentimentos e sensações. Não há como negar as marcas que os mesmos deixam nos indivíduos, sejam estes efetivamente culpados ou inocentes nas mais diversas questões possíveis. É preciso deixar as fronteiras do campo do direito privado, invadir o campo do direito público e, mais ainda, seguir adiante no plano dos direitos do homem.

            Algumas constituições americanas consagram, ainda hoje, a máxima de que ninguém pode ser condenado sem ser ouvido. Este preceito é dotado de profunda sabedoria, pois, de acordo com a due processo of law, ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Ser julgado mediante um processo adequado significa ser julgado de acordo com a lei dos homens. O direito processual supõe inocente todo indivíduo, até que se demonstre o contrário. No entendo, isto não ocorre por comodidade, mas por necessidade.

            O processo, visto sob a ótica da dramaturgia, seria elencado por três tipos de personagens, portanto: o autor, o demandado e o juiz. O drama seria, portanto, definir o que é o processo e para quê ele serve. O processo, para determinados autores, seria uma espécie de contrato, cuja denominação não subsistiu à debilidade de sua própria matéria.

            Surge então a conceituação do processo como um quase-contrato, nem delito nem quase delito. Novamente, fazia-se presente a debilidade de informações, por partirem de uma concepção puramente privada do processo, ignorando a real função do juiz também como protagonista do drama, supracitado.

            Superou-se este fato com as doutrinas da relação e situação processual. Para a primeira delas, o processo é uma relação jurídica na qual todas as partes encontram-se vinculadas, não somente de maneira material mas também pessoal. Em contrapartida, a doutrina da relação processual concebe o processo como um mero conjunto de obrigações, expectativas e decadências. Posteriormente, sustentou-se que o processo seria, por um lado, uma entidade jurídica complexa e, por outro, uma instituição.

            Tantas idéias e concepções distintas, opostas ao mesmo tempo em que se completam, acabam por gerar desconforto no sentido de que os partidários de cada teses esforçam-se ao máximo para defendê-la, somente, em detrimento da tese contrária. No entanto, não se está em busca da verdade absoluta, mas sim de uma interpretação sistemática de um fenômeno que atinge toda a esfera jurídica e social.

            O processo, por si só, é um método de debate. Nele, participam elementos humanos que atuam conforme regras pré-estabelecidas, formulando atos que serão documentados, com o objetivo de transformarem-se nas provas jurídicas, ou ainda, na vontade jurídica processual.

            As formas processuais variam no tempo e no espaço. Entretanto, o que constitui a estrutura do processo, propriamente dita, é a ordem dialética. O processo judicial e o processo dialético aparecem, desta forma, unidos por um forte vínculo. A justiça se utiliza da dialética uma vez que é o princípio da contradição que permite chegar-se à verdade.

            O processo é a maneira de se resolver um conflito de interesses, entre autor e demandado, através da figura do juiz (que expressa a presença da autoridade legal). A doutrina faz a distinção entre autodefesa e autocomposição, sendo a primeira a forma de fazer cessar a injustiça e a segunda, o entendimento para colocar um fim ao conflito, através de atos das partes.

            Os processos parlamentar, administrativo e judicial existem de forma unida; todos se apóiam entre si, embora existam diferenças quanto às suas finalidades, sendo elas públicas e privadas ao mesmo tempo. Interesse privado em relação às próprias partes, que desejam fazer cessar o conflito. E público, na medida em que visa garantir a efetividade do direito em sua integralidade, interessando à comunidade como um todo.

            A sentença, por sua vez, origina-se de algo que fora sentido e devidamente documentado para os fins a que se destina. No processo hispano-americano moderno, a sentença se compõe de um preâmbulo (que contém a denominação da causa), de uma primeira parte (relatório dos fatos a serem debatidos), uma segunda parte (determina o direito que é aplicável) e uma conclusão (decisão final).

            Toda a demanda é o projeto da sentença que o demandante queria quanto à sua estrutura e seu conteúdo. Assim sendo, toda sentença é, de certo modo, a reprodução formal de uma demanda inteiramente fundada. Com o estudo da doutrina jurídica, é possível reconhecer inúmeros tipos de sentença. No entanto, são somente quatro as que se revelam de modo pacificamente reconhecido: sentenças declaratórias, condenatórias, constitutivas e cautelares.

            As sentenças declaratórias limitam-se a uma simples declaração do direito. No momento em que um juiz rejeita a demanda, não faz outra coisa que não declarar sua improcedência. As sentenças condenatórias delimitam uma prestação, como forma de ressarcimento à infração cometida. As sentenças constitutivas criam um estado jurídico novo, não existente antes de seu pronunciamento, como a dissolução do casamento através do divórcio. Por sua vez, a quarta modalidade de sentença, a cautelar, não supõe um pronunciamento sobre o mérito do direito, limitando-se a decretar uma medida de segurança.

            Assim como há doutrinadores que apresentam a sentença judicial como uma simples revelação da lei, existem outros que a consideram um fenômeno criativo ou produtivo do direito. Defendem a teoria da experiência jurídica, através da qual é possível desenvolver gradativamente determinados preceitos. Para a ciência jurídica pura, o pronunciamento deriva do processo não por meio de atos psíquicos do juiz, mas por meio do processo; e este constitui uma série de formas jurídicas preceituais que desembocam na sentença.

            Para Montesquieu, político, filósofo e escritor francês, o centro do direito é a lei, sendo o processo um simples prolongamento deste. Para a teoria oposta, no entanto, o processo é um direito. Sua essência é constitutiva, uma vez que cria a articulação e continuidade necessária dele próprio.

            Toda sentença, mesmo aquela denominada simplesmente declaratória, cria um estado jurídico novo. Isto ocorre devido a presença dum elemento até então não existente: a certeza. O direito era incerto antes da coisa julgada e se fez certo depois dela. Embora esta certeza possa, ainda, ser revogada a qualquer tempo, é preciso decidir-se pelo sim ou pelo não, e é esta nova certeza que determina o novo estado jurídico.

            A sentença poderá ser justa ou injusta, porque os homens necessariamente se equivocam. Não se inventou, ainda, uma máquina de fazer sentenças, incapaz de pesar os sentimentos, emoções e seres humanos envolvidos na questão.

            Desta forma, pode-se dizer da sentença que esta é, em maior ou menos grau, constitutiva ou criativa de um estado jurídico não existente antes de seu pronunciamento. Entretanto, deve-se tomar cuidado para o fenômeno denominado, pela doutrina, de realização espontânea do direito, que se configura em fenômenos jurídicos que não se realizam através de qualquer tipo de intervenção da autoridade.

            Exemplos disso estão presentes em nosso cotidiano. O governo estabelece um imposto e os contribuintes protestam, mas pagam. Os pais alimentam seus filhos, não porque o Código Civil ordena, mas porque há um profundo imperativo humano que os leva a isso. Se um dia essa realização espontânea do direito cessar, o Estado não mais subsistiria.

            Isto se deve devido à sabedoria secular e intrínseca a cada ser humano, de que para se viver bem é preciso viver-se em paz consigo mesmo e com os demais, e isto só se dá através do respeito a normas e regras estipuladas por nós mesmos, no intuito de preservar a dignidade humana. É bom que se cumpra o direito espontaneamente, evitando que haja uma obrigação forçada para tal.

            Voltando à questão da sentença, deve-se lembrar que a mesma não é uma norma pura. É obra humana, criada pela inteligência e vontade humanas. Mais precisamente, da vontade de um juiz. A sentença é uma espécie de pequena constelação de induções, deduções e conclusões.

            O juiz é um homem que se move no direito como um prisioneiro dentro da prisão. Tem liberdade para se mover e nisso age sua vontade; porém, o direito lhe fixa limites extremamente estreitos, os quais são intransponíveis. Entretanto, o verdadeiramente transcendental do direito não está no cárcere, mas no homem.

            Da dignidade do juiz depende a dignidade do direito. O direito valerá, em cada país e em dados momentos históricos, o que valem os juízes como homens. O juiz é apenas uma partícula de substância humana que vive e se move no direito. Se essa partícula tiver dignidade e hierarquia espiritual, então, o direito também terá.

            A obrigação do juiz se funda em três princípios básicos: o da independência, da autoridade e da responsabilidade. O da independência define que suas decisões não sejam uma conseqüência da fome ou do medo. O da autoridade, para que suas decisões não sejam simples conselhos ou divagações acadêmicas. E o da responsabilidade, para que a sentença não seja fruto da ambição, orgulho ou soberba de um ser humano.

            Ao final do livro, sela-se um debate acerca do exposto acima, tecendo-se os melhores elogios à eloqüência do autor no tratamento de um tema tão complexo. O direito deve ser profundamente revisto, e visto sob uma ótica essencialmente humana, uma vez que não existe por si só, mas é fruto da vontade e deliberações humanas.

            Alguns dos convidados ao debate colocam a questão de que nunca haviam visto o processo deste modo. Reconheceram ser evidente o fato de que, quando se medita a respeito dele, percebe-se que o processo e sua sentença são, na maioria dos casos, puramente indicadores do direito, contendo uma gama de elementos constitutivos.

            O processo coloca em movimento o magistrado (entenda-se direito). Sua função não é somente interpretar a lei, mas também adaptar as questões não previstas pelo legislador às leis e regras de direito. Importante ressaltar aqui o valor agregado às jurisprudências, que tanto têm feito em prol da manutenção do direito como bem a ser seguido por todos.


Autor: Tassia Tabille Steglich


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