Gestão Democrática



Introdução

O Presente artigo , a questão relativa à importância da Gestão Democrática, ou Participativa, no desenvolvimento e fortalecimento dos processos educacionais, delimitado ao decênio 1995-2005.

Para que melhor se compreendam os problemas aqui arrolados, é providencial a observação de Libâneo (apud LIMA e JARDIM, 2004, p. 12) em relação à gestão democrática:

[...] a participação é o principal meio de se assegurar a gestão democrática da escola, pois possibilita envolvimento de profissionais e usuários no processo de tomada de decisões e no funcionamento da organização escolar: a organização escolar democrática implica não só a participação na gestão, mas a gestão da participação, em função dos objetivos da escola.

A gestão democrática prevê a implementação de uma rede sistemática de ações que, disciplinadas, resultarão em benesses, comumente pensadas e promovidas pelo ideal democrático. Parindo deste conceito, pergunta-se: como a democratização da gestão escolar, e sua conseqüente relação com o aspecto pedagógico, podem arregimentar os diversos segmentos sociais em torno de uma política que combata quaisquer iniciativas que contrariem as premissas da democratização?

Tal indagação, na percepção desta autoria, encontra resposta no envolvimento da comunidade no processo de gestão democrática em caráter imprescindível, buscando entrosamento com todos os setores da administração escolar. Não basta que se decida que determinado bem deva ser adquirido desta ou daquela forma, é importante que se acompanhe o processo seja ele qual for.

Do mesmo modo, não basta que se eleja um Conselho e este não exerça de modo efetivo suas atribuições. A prática efetiva da gestão democrática, nos moldes descritos, criará uma cultura conceitual acerca da educação, de modo a formar cidadãos imbuídos de uma nova postura social.

O instrumental político, contudo, é permeado de razões que, invariavelmente, investe-se do poder que lhe é conferido para submeter e subjugar populações historicamente carentes de quaisquer orientações, seja no âmbito social, seja no plano político, que dirá em nível educacional. Mais recentemente, a escola vem desgarrar-se desse poder político, até então supremo, e perscrutar novos horizontes, amplamente imbuídos de um desejo democrático e participativo.

A Gestão Democrática, ou Participativa, possibilita a construção de projetos educacionais com qualidade social, transformadores e libertadores, nos quais a escola, em seus diversos espaços e tempos, contribua efetivamente para o exercício dos direitos, a formação de sujeitos como cidadãos plenos, reafirmando os princípios da democracia, da solidariedade, da justiça, da liberdade, da tolerância e eqüidade, na direção de uma nova sociedade mais justa, igualitária e fraterna.

A escola participativa agrega contextos sociais diferentes e, justamente por isso, desejosos de um tratamento igualitário, que direcionam o debate no sentido de uma seara muito mais crítica e imaginativa, ao contrário daquela vertente autoritária de modelo verticalizado, onde não cabem discussões e prolifera a sisudez medieval.

A fundamentação da gestão participativa está na constituição de um espaço público de direito que, promova condições de igualdade, garanta estrutura material para serviços de qualidade e, crie um ambiente de trabalho coletivo que vise à superação de um sistema escolar seletivo e excludente. Para tanto, faz-se necessário colocar em prática uma gestão que estimule a participação dos diferentes segmentos sociais, permitindo o trabalho de valorização da dimensão humana e proporcionando uma ação prática-criadora que explicite as contradições existentes no cotidiano do trabalho.

A gestão participativa prevê uma organização em que predominam as decisões coletivas, sempre pensadas à luz de um contexto mais amplo, que extrapolam os muros da escola. A participação dos diferentes segmentos na construção e decisão do projeto político-pedagógico escolar no município não acontece de forma espontânea, mas sim, realiza-se a partir da conscientização e perseverança de todos, bem como na criação de mecanismos de participação que viabilizem as intenções coletivas.

Nesta concepção, o Conselho de Escola, e aqui não importam as denominações sob as quais atuem tais deliberações superiores, constitui-se em um instrumento fundamental para efetivação da democratização da gestão, por meio do qual todos os seus membros precisam participar e defender pontos de vista com segurança, certos de que conquistaram um espaço com igualdade, numa prática participativa. Mas, para que os mecanismos de participação se efetivem é necessário um processo de formação permanente com os diferentes segmentos da comunidade escolar, o qual consiga elevar o patamar de intervenção, até porque se têm produzido poucas e fragmentadas possibilidades de participação efetiva no Brasil.

A democratização da gestão está diretamente ligada à qualidade da educação, na medida em que possibilita a participação de mais pessoas na construção do projeto pedagógico da escola e políticas públicas para a educação da cidade, favorecendo a democratização dos saberes, o respeito às identidades, o desenvolvimento das pessoas, a formação das lideranças e a consolidação de uma cultura democrática. Em suma, a compreensão de que tal estágio configura, de fato, o único meio capaz de formar cidadãos plenos e, por conseguinte, uma nação mais justa e solidária, é o principal agente motivador para que se empreenda o estudo em tela.

Assim colocado, é objetivo do estudo em comento a identificação dos pormenores de como ocorreu a organização da escola, ou não, em resposta ao ordenamento constitucional que estabelece a gestão democrática como princípio do ensino público e em que nível adaptou sua legislação, sua estrutura administrativa e seu funcionamento às demandas por participação. Ademais, se configuram como objetivos específicos a análise histórica da gestão participativa à luz do comprometimento democrático; a implementação de meios comparativos entre gestões participativas e gestões convencionais, sob a perspectiva histórico-conceitual; a identificação das benesses proporcionadas pela gestão participativa no âmbito educacional; e o estabelecimento de parâmetros que permitam, do ponto de vista teórico, comprovar a eficácia administrativa da gestão participativa.

Para que se tenha sucesso na empreitada aqui proposta, acerca-se o estudo de alguns cuidados metodológicos. O conhecimento científico se caracteriza, entre outras condicionantes, como uma procura das possíveis causas de um acontecimento. Assim, busca compreender ou explicar a realidade apresentando os fatores que determinam a existência de um evento. A pesquisa em tela pretende esclarecer quais determinantes desencadearam o evento comumente chamado "gestão democrática ou participativa", bem como sua disseminação enquanto modalidade administrativa.

A pesquisa quanto à sua natureza será básica, uma vez objetivar a geração de conhecimentos que envolvam verdades e interesses universais; quanto à abordagem: pautar-se-á pela via qualitativa; quanto aos objetivos: tratar-se-á de pesquisa exploratória, pois visa proporcionar maior familiaridade com o problema, ou o tornando explícito, ou construindo hipóteses que se configurem, em um momento posterior, como ações de fato; quanto aos procedimentos técnicos: proceder-se-á a uma pesquisa bibliográfica, constituída principalmente por livros, artigos, publicações periódicas e afins.


II - EDUCAÇÃO: ABORDAGEM HISTÓRICA E CONCEITUAL

2.1 A EDUCAÇÃO PRIMITIVAE A EDUCAÇÃO PRATICADA NA ANTIGÜIDADE

2.1.1 A Educação Primitiva

Um primeiro e indispensável aporte na compreensão de toda e qualquer abordagem acerca da educação, diz respeito à definição de "educação". Dois momentos distintos da história humana são tidos como vieses para uma tentativa de definição: um momento primitivo, e outro momento que tem aporte na Antigüidade. Em sua obra Educação e Luta de Classes, Ponce (2001, p.19) estabelece que a educação seja definida conforme o tempo histórico em que se a pratique. Segundo o autor, "a educação na comunidade primitiva era uma função espontânea da sociedade em conjunto, da mesma forma que a linguagem e a moral".

Tal espontaneidade deve-se ao fato de que, nestas comunidades, não havia distinção social entre homens e mulheres, e mesmo com relação às crianças, as diferenças só eram perceptíveis até mais ou menos os sete anos de idade, quando estas passavam a viver por conta própria. Portanto, o não estabelecimento de diferenças no núcleo social que os mantinham juntos, também era responsável por um processo de ensino e aprendizagem. Ademais, ainda conforme Ponce (ibidem, p.20):

[...] o homem das comunidades primitivas também tinha uma concepção própria do mundo, ainda que nunca a tivesse formulado expressamente. Essa concepção do mundo, que nos parece pueril, refletia, por um lado o ínfimo domínio que o primitivo havia alcançado sobre a natureza e, pelo outro, a organização econômica da tribo, estreitamente vinculada a esse domínio. Uma vez que na organização da comunidade primitiva não existiam graus nem hierarquias, o primitivo supôs que a natureza também estava organizada desse modo [...].

Ao não se auto-atribuir ou à natureza, um lugar dentro de uma hierarquia, o homem primitivo estabelecia uma conduta naturalmente igualitária, e que, a cientificidade chamará meramente de instintiva. Não obstante, ainda dentro da comunidade primitiva seriam sentidos os primeiros sintomas de que nada é para sempre; bastaria um encontro entre comunidades diferentes e o território ocupado adquiriria novos significados; posse, poder e as diversas variações futuras.

Impactar-se com a necessidade de tornar seu território o mais amplamente produtivo, levou o homem primitivo a pensar em novos mecanismos, que por sua vez desencadeou "uma divisão rudimentar do trabalho". Tal divisão acabou por definir a quem caberia determinada tarefa, de modo que a espontaneidade vai aos poucos sendo substituída por um regime esquematizado. Deste modo, é perfeitamente plausível afirmar que a primeira grande revolução educacional ocorreu ainda em tempos primitivos, quando a sistematização de determinadas tarefas passou a exigir certo grau de especialização. A este respeito Ponce observa:

[...] a distribuição dos produtos, a administração da justiça, a direção das guerras, a supervisão do sistema de irrigação, etc., foram exigindo pouco a pouco, certas formas de trabalho social ligeiramente diferentes do trabalho material propriamente dito. Com as rudimentares técnicas da época, o trabalho material, era de tal modo cansativo que o indivíduo que se dedicava ao cultivo da terra, por exemplo, não podia desempenhar, ao mesmo tempo, nenhuma das funções que a vida tribal exigia [...] (2001, p.22).

Como se pode perceber, as tarefas passam a determinar a formação de uma estrutura hierárquica, na qual irão se destacar os administradores  ou aqueles que não se envolviam com o trabalho braçal  e os executores das tarefas propriamente ditas. Aos administradores, além do controle e organização das tarefas, cabia também a formação de seus sucessores, num processo de transmissão de conhecimento. Em si mesmo, o processo referido instituía, mais que a idéia a própria categorização por classe e por gênero.

2.1.2 A Educação Praticada na Antigüidade

2.1.2.1 A educação grega

Ao mesmo tempo em que as tarefas adquiriam uma caracterização hierárquica, a percepção da posse passou a ditar as regras. Ao perceber-se poderoso, dono de riquezas sociais, o homem passa a se preocupar com a transmissão destas posses, de modo que tais posses permanecessem no mesmo núcleo familiar. Se antes, a impossibilidade de se determinar a filiação, dadas as características grupais dos matrimônios e, portanto, de uma categorização social matriarcal, a sociedade passa a se pautar pelo comportamento monógamo o que instaura o patriarcalismo e o conseqüente afastamento feminino das funções superiores ou administrativas. Nesse momento da história humana, a educação passa a ser a principal ferramenta no controle social.

O desembarque humano na Antigüidade histórica implica na afirmação de que a luta de classes passa a representar a própria história (aliás, Marx e Engels iniciam o Manifesto Comunista (2000, p. 5) asseverando que "a história da sociedade humana é a história das lutas entre opressores e oprimidos"). Se verdade inconteste, ou mera instrumentação conceitual, o fato é que a educação é, desde a sua consolidação sócio-patriarcal, ministrada pelas classes proprietárias ou dominantes. Escreve Ponce:

Para ser eficaz, toda a educação imposta pelas classes proprietárias deve cumprir as três finalidades essenciais seguintes: 1ª destruir os vestígios de qualquer tradição inimiga; 2ª consolidar e ampliar a sua própria situação de classe dominante e 3ª prevenir uma possível rebelião das classes dominadas. No plano da educação, a classe dominante opera [...] em três frentes distintas, e ainda que cada uma dessas frentes exija uma atenção desigual segundo as épocas, a classe dominante não as esquece nunca (2001, p.36).

Uma coisa leva a outra. Se as tarefas primitivas foram por razões já apresentadas, hierarquizadas, as novas empreitadas aventadas pela Antigüidade também o foram. Quando vislumbramos os primórdios da civilização ocidental organizada, é imediata a visualização das civilizações grega e romana. Tidas como sustentáculos do ideário da perfeição, tais civilizações, contudo, foram mais idealizadas do que propriamente ideais.

Uma análise mais detida do instante em que "se efetua a transformação da sociedade comunista primitiva em sociedade dividida em classes [...]", irá aclara-se a idéia de que a sociedade passa a combater qualquer indício de tradições que tornem a fazer com que o homem aspire àquele modelo tribal (PONCE, 2001, p. 36).

A sociedade grega, organizando-se ao longo dos séculos VI e V a.C., passa por períodos pedagógicos diferentes, sempre atrelados às condições sociais vigentes, de modo a existir alguma dificuldade em se estabelecer uma cronologia segura dos acontecimentos políticos ou dos feitos civilizadores relativos a essa época.

Em sua obra A Grécia Arcaica de Homero a Ésquilo, ClaudeMossé (1989), distingue dois períodos distintos: a educação velha e a educação nova. Conforme o autor, por educação velha tem-se aquela perpetrada com base num período em que a economia fundiária sustenta a oligarquia, ainda hereditária e o mito é ainda uma constante. A educação nova tem seu início a partir da alteração de foco mercantil; a economia transfere-se do campo para a cidade e passa a ser dominada pelos comerciantes.

Crescem as dúvidas sobre os comportamentos mais corretos a serem adotados pelos homens. Por isso mesmo, não se pode interpretar a educação desse período apenas como brilhante ou como a melhor de todas as já ministradas em séculos anteriores. Caracterizando-se por realizações humanas contraditórias, tanto na política como na economia, na cultura como nos aspectos morais, a educação já servia a interesses de classes privilegiadas. Em Atenas, as chamadas "classes superiores" eram contempladas com uma vida de prazeres, assim descrita por Ponce (2001, p. 48):

[...] desvinculados totalmente do trabalho produtivo, essas classes passaram [...] a considerar as atividades alheias à vida prática e às necessidades básicas as verdadeiramente características das classes superiores. O tempo dedicado a essas ocupações e as próprias ocupações foram qualificados com uma palavra intraduzível  diagogos  que significa algo como "ócio elegante" [...] "repouso distinto". E como as concepções religiosas refletem passo a passo os movimentos da sociedade que as produz, os deuses combativos e guerreiros das épocas bárbaras foram cedendo o seu posto para outros deuses equilibrados e serenos que saboreavam no Olimpo uma vida de perpétuo diagogos.

Ainda sobre a questão da luta de classes, há um postulado de Sólon, para quem o indivíduo precisava ser formado e cultivado para o benefício da pátria.

As crianças devem, antes de tudo, aprender a nadar e a ler, em seguida, os pobres devem-se exercitar na agricultura ou em uma indústria qualquer ao passo que os ricos devem se preocupar com a música e a equitação e entregar-se à filosofia, á caça e à freqüência aos ginásios (apud PONCE, ibidem, p. 51).

Era patente, portanto, que já na infância a situação futura do indivíduo era decidida. Alfabetizado, mas restrito aos desígnios de sua classe social. Semelhanças com os dias atuais não terá sido mera coincidência.

Sob o governo de Péricles (461-429), o ritmo das transformações é intenso e se irá abarcar de todos os setores da sociedade de então, inclusive e especialmente, o da produção intelectual. Tanto mais se produzia, tanto mais necessário compreender-se tal produção. Tal dinâmica, e mais um intenso debate promovido graças aos princípios democráticos, motiva o surgimento de opiniões e práticas que se contrariam e se estimulam. A isso somemos os pensamentos de Platão e Aristóteles e ter-se-á a fórmula de uma nova educação.

Para transmitir essa nova educação surge a Paidéia, que busca a formação do homem em suas várias esferas (social, política, cultural e educativa), ou seja, é uma educação mais antropológica e que considera o homem como um ser racional. Essa educação atribui ao homem, sobretudo, uma identidade cultural e histórica. Nasce a pedagogia como saber autônomo, sistemático e rigoroso; nasce o pensamento da educação como episteme; e não mais como ethos e como práxis apenas.

A Paidéia é entendida como uma formação geral que dará ao homem a forma humana, ou seja, que o construirá como homem e como cidadão. Assim, ela significou a educação do homem de acordo com a verdadeira forma humana e que brota da idéia. O termo Paidéia não pode ser traduzido simplesmente como educação, significa muito mais que isso, significa também cultura, instrução e formação do homem grego. Este termo começou a ser utilizado no séc. IV a.C. e nesta época significava apenas a criação dos meninos. Mas o seu significado se alargou e passou a designar também o conteúdo e o produto dessa educação (MARROU, 1990).

2.1.2.2 A educação em Roma

Em Roma, temos como primeira e basilar sistemática de educação a família patriarcal, na qual o pai exercia, além da função natural de educador, as funções de sacerdote, compondo-se, assim, a figura do paterfamilias. A mãe tem atribuições de apoio e não interfere diretamente na formação dos filhos. Conforme leciona Marrou (op.cit.), a educação findava quando o jovem, segundo avaliação paterna, fosse capaz de desempenhar os diversos fundamentos lhes ensinado, como por exemplo, os conhecimentos sobre as atividades agrícolas, comerciais, políticas e militares, invariavelmente adquiridos pela prática.

A agricultura, a guerra e a política constituíam o programa que um romano nobre devia realizar. Para aprendê-lo, a única maneira era a prática. [...] junto ao pai, o jovem romano aprendia os segredos da agricultura. A guerra, ele travava conhecimento com ela, primeiro nos campos de exercício, depois na coorte do general. Em relação à política, ele se adestrava assistindo às sessões em que se debatiam os assuntos mais ruidosos [...] (PONCE, 2001, p.62).

A educação romana, do mesmo modo que a educação grega passa a exigir transformações quando o antigo estado-cidade, desenvolvendo-se e expandindo-se para a nova forma do estado imperial, o que ocorre entre terceiro e o segundo século a.C. - entra em contato com a nova civilização helênica. Sente-se, naquele momento, a exigência de um novo sistema educativo, em que a instrução, especialmente literária, tivesse o seu lugar. Esta instrução literária partiu precisamente da cultura helênica.

Evidentemente, a família não estava mais à altura de ministrar esta nova e mais elevada instrução. As famílias das mais altas classes sociais hospedam em casa um mestre, geralmente grego, conhecido como pedagogus ou litteratus, e, para atender às exigências culturais e pedagógicas das famílias menos abastadas, vão-se, aos poucos, constituindo escolas de cunho privado sem ingerência alguma do estado. Essas escolas (ludi) são de dois graus: elementares- a escola do litterator onde se aprendia a ler, escrever e calcular; médias- a escola do grammaticus - onde se ensinava a língua latina e a grega, se estudavam os autores das duas literaturas, através das quais se aprendia a cultura helênica em geral. Existe, também, um terceiro grau constituído pelas escolas de retórica, espécie de institutos universitários, que surgem com uma diferenciação e uma especialização superior à da escola de gramática (PONCE, 2001, p. 66-67).

A importância atribuída pelos romanos à educação chegou a tal ponto que, sob os desígnios de Nero, os professores de gramática, retórica e os de filosofia foram liberados das obrigações públicas, ou seja, ficavam desobrigados da prestação do serviço militar, dos serviços básicos do sacerdócio, e, prática comum à época, hospedar tropas e mensageiros oficiais. Sob Vespasiano, as benesses foram ainda maiores; os professores universitários (retores) passaram a ser subsidiados pelo Estado (ibidem, p. 76).

Embora aqui se tenha a impressão de que a educação em Roma acabou disseminada em todas as classes sociais, trata-se de mero engano. É certamente muito mais apropriado dirigir-se àquela educação como um prenúncio do que seria a elitização dali a dois mil anos. Os privilégios de algumas categorias docentes instauravam um sistema classista que aos poucos formatava uma sociedade com níveis sociais pré-determinados. Antes do futuro anunciado, a educação ainda passaria pelo feudo e pelo Renascimento.

2.2 A educação na Idade Média

Uma primeira asseveração a respeito da Idade Média apresenta um contra-senso histórico praticado pelo período que a sucederia; já naqueles tempos a economia se deu conta de que o sistema escravista era dispendioso, ou seja, o produto oriundo do trabalho escravo não gerava lucro, pior, era deficitário. Curiosamente, séculos depois, a escravidão serviria mais uma vez à loucura humana do outro lado do Atlântico. Portanto, o contra-senso residia justamente no fato de que a prática escravista, já há muito considerada um prejuízo material, haja vista a falta de especialização na consecução dos novos padrões de vida, mesmo assim, acabou sendo praticada nas Américas.

Por conta desta abordagem econômica, surgem as figuras dos servos e dos vilões. Na verdade, com relação aos servos, as diferenças eram mínimas numa comparação com os escravos, que sempre foram considerados como objetos e não como seres humanos. Já os servos, embora profundamente submissos aos senhores, custeavam a própria vida. Já os vilões viviam num regime de subserviência racional; seus serviços eram prestados mediante cessão de terras, através de um processo que os romanos chamavam de súplica ou precária (PONCE, 2001, p. 82).

A natureza do trabalho feudal proporcionava cada vez mais as circunstâncias necessárias para que diversas classes sociais fossem surgindo, ou melhor, se consolidando. De qualquer modo, no topo desta pirâmide social era possível constatar a existência de três variedades sociais: (1) os bellatores, ou guerreiros; (2) os oradores, ou religiosos; e (3) os laboratores, ou trabalhadores. No citado período surge com muita mais força e conseqüentemente mais poder, a religião (em específico através da igreja católica), fenômeno que não se evidenciou tão profundamente na Antigüidade. Portanto, três forças ativas que exigiam modos distintos de educação (TONET, 1999).

Em linhas gerais, a Idade Média, cuja face muitos ainda insistem em associar, única e exclusivamente, às trevas, à inquisição, etc., como se nada, além disso, tivesse acontecido no largo espaço de mil anos (queda do Império Romano e as grandes descobertas). Aconteceu e, inclusive questões relativas à educação.

Com Carlos Magno havia a tese idealista de educar-se a todos (embora "todos", fossem os ditos "bárbaros"), com a prática houve um aparelhamento intelectual cada vez mais aprofundado de certas categorias sociais.

[...] Para elaborar o seu vasto plano de política escolar, Carlos Magno chamou à corte Alcuíno [...] que veio da Inglaterra, o viveiro da cultura naquela época. E sob a sua inspiração, a partir do ano 787, foram emanados os decretos capitulares para a organização das escolas, enquanto o douto inglês ditava-lhes o programa relativo, que se espalhou pelo vasto império e perdurou invariado, podemos dizer, durante toda a Idade Média. O programa de Alcuíno abraçava as sete artes liberais [...] repartidas no trívio e no quadrívio. O trívio abraçava as disciplinas formais: gramática, retórica, dialética, esta última desenvolvendo-se, mais tarde, na filosofia; o quadrívio abraçava as disciplinas reais: aritmética, geometria, astronomia, música, e mais tarde, a medicina (Disponível em: http://www.mundodosfilosofos.com.br/escolastica.htm Acessado em 12/08/2006).

Não obstante, e como em qualquer outra época, as crianças da Idade Média vão à escola. Em geral, à escola da paróquia ou do mosteiro próximo. O Concílio do Latrão, em 1179, torna essa obra obrigatória, e é comum ainda hoje, na Inglaterra, país mais conservador que o nosso, encontrar reunidas igreja, escola e cemitério. Acontecia também do ensino ser assegurado por fundações senhoriais. Rosny, vilarejo das margens do Sena, tinha, desde o início do século XIII, uma escola fundada em 1200 pelo senhor local, Guy Mauvoisin. Às vezes tratava-se também de uma escola privada, ou seja, os habitantes de uma propriedade se associavam para pagar um mestre encarregado do ensino das crianças.

Embora na Idade Média a educação tenha, em certa medida, atendido interesses diversos, consta conforme observado por Tonet (1999) que quase não havia diferenças na educação das crianças de diversas condiçõe, ofilho de qualquer pequeno vassalo era educado na sede senhorial com os filhos do suseran, o que nesse ponto se infere afirmar que certas categorias sociais mais se aproximavam dos centros difusores do conhecimento. Estas categorias, quando não representadas por nobres, militares ou religiosos, são insculpidas junto à sociedade pelos burgueses, então recentemente surgidos como habitantes fixos dos feudos.

Referindo-se aos burgueses:

As origens da nova classe social que começou a se formar durante a Idade Média são um pouco obscuras, mas sabemos que ela surgiu no próprio momento em que uma importante transformação econômica abalou as bases do feudalismo. [...] a partir do século XI, progressivas modificações técnicas provocaram um florescimento do comércio. Até esse momento, o senhor feudal, que era dono da cidade ou burgo, só tinha que comprar uns poucos objetos [...] tão logo entrou em circulação o dinheiro, o senhor feudal achou vantajoso permitir que os seus artesãos passassem a trabalhar para terceiros, ao mesmo tempo que achou interessante permitir a entrada de mercadorias em seus castelos [...] seus habitantes, chamados burgueses, acabaram se fundindo em uma classe predisposta a uma vida pacífica e urbana [...] (PONCE, 2001, p.95).

O surgimento da classe burguesa é um verdadeiro divisor de águas na história da educação, pois criava-se um novo componente na formação do ensino. As transformações na economia desencadeadas pelo evento citado repercutiriam necessariamente na educação; a igreja que até então se pautava pelas escolas dos monastérios passaria o ensino para o clero secular, ou seja, os monastérios não mais atendiam as expectativas dos centros comerciais e residenciais, uma vez localizarem-se basicamente em zonas rurais.

Assim, gradativamente a burguessia foi tendo acesso à educação em níveis mais elevados, chegando, finalmente, à universidade. Nas palavras de Edgard Morin apud Ponce (2001, p. 97), "[...] no domínio intelectual, a fundação das universidades equivaleu à outorga de uma nova carta de franquia à burguesia". E é o próprio Ponce quem finaliza o raciocínio: "[...] a fundação das universidades permitiu que a burguesia participasse de muitas das vantagens da nobreza e do clero, que até então lhe tinham sido negadas" (ibidem, p.99).

A educação que se anunciava, também prenunciava uma nova fase histórica. Os feudos cedem lugar às cidades, e todo um processo social transformador é deflagrado. Às vésperas dos grandes descobrimentos, o homem comum se descobria também capacitado à assimilação de todo e qualquer conhecimento e, por conseguinte, capaz de implementar em termos práticos todas as suas aspirações.

2.3 Os Pilares da Educação Moderna

Com efeito, a história da educação tem um marco importante com o livro Didática Magna de Comenius[1]. O processo educacional agora já não está nas mãos do criador da ciência, mas daquele que, detendo esse conhecimento tem também uma "didática". Nessa época, a diferença entre o homem educado e o não educado, não é entre o senhor e o escravo. Escreve Comenius:

[...] mesmo preservando a distinção das classes sociais, pelo fato de todos serem homens, propondo um mínimo comum universal de escolarização padronizada e pública com base no experimentalismo cientifico (apud FERREIRA, 2004, p. 13).

Para Comenius é preciso que se ensine tudo a todos, e faz uma ressalva a esse "tudo". Ensinar tudo não significa exigir o conhecimento de todas as ciências e todas as artes, pois isso seria impossível e inútil. Ensinar tudo significa que se ensine a todos os fundamentos, as razões e os objetos de todas as coisas, das que existem na natureza e das que se fabricam. O conceito de Comenius talvez melhor se expresse através de Buffa (1995, p. 29): "[...] ensinar a todos porque o homem tem necessidade de se educar para se tornar homem". Ele propõe, então, uma escola na língua nacional, padronizada e obrigatória para todos entre os seis e os doze anos. Tal escola fica a cargo do Estado, pois é ele o responsável pela formação do cidadão.

Mais tarde, Rousseau, em sua obra Emílio, publicado em 1762, proporia um dilema pedagógico. Seria necessário escolher, "formar o homem ou o cidadão", numa visão de que a fase adulta é negativa e numa super valorização da criança. Como Rousseau não via para o filho de operário, outra saída senão prepará-lo o mais rápido possível para o mundo da produção, restava a ele a educação em bons sentimentos, vontade esclarecida, caráter controlado, apetites domesticados. A maioria da população não podia saber, no entanto, precisava acreditar. Logo, a educação da maioria era ministrada no sentido de fazer "acreditar" no que algumas minorias determinavam (BUFFA, 1995, p. 30-31).


III  HISTÓRICO, CONCEITO E PROPOSTAS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA

3.1 OS CONSELHOS ESCOLARES

Muito além do estabelecimento de uma relação entre escola e comunidade, empreende a gestão democrática a produção de uma nova realidade. Tal realidade, ainda arredia, deu seus primeiros passos em 1988, movida por inúmeros acontecimentos que propeliram a participação popular, através da Constituição Federal que então estabelecia como um dos princípios do ensino público brasileiro, em todos os níveis, a gestão democrática.

O Conselho de Escola tem sua origem nos anos 1980, a partir da necessidade e dos "anseios de uma participação democrática no processo de tomada de decisões" e da reivindicação dos "espaços institucionais de intervenção junto aos órgãos governamentais" (ANTUNES, 2002, p. 20-21), reconhecendo a escola como "espaço voltado aos interesses da comunidade que dela serve" (GADOTTI e ROMÃO, apud LIMA e JARDIM, 2004, p.66).

Por ser um colegiado formado pelos diversos membros da comunidade em geral, com autonomia para opinar e decidir, o Conselho de Escola é um canal potencial de participação e um instrumento eficiente de gestão democrática. Antunes (2002, p.21) afirma que nas escolas em que ele tenha efetivamente atuado, o autoritarismo normalmente diminui e a escola mostra-se mais sensível às necessidades e aos problemas, como também se torna mais suscetível às ponderações de natureza coletiva careca dos rumos que deva tomar.

Embora apresente caráter participativo, existem alguns entraves que podem comprometer sua atuação, geralmente ligados às características, mais ou menos democráticas, da unidade escolar e especificamente, ao perfil do diretor. Quando o Conselho de Escola desempenha funções predominantemente consultivas há uma conseqüente diminuição na participação do processo decisório. Sua ação limita-se a sugerir soluções que poderão ou não ser encaminhadas pela direção da escola. A participação é crescente na medida em que o Conselho de Escola é de predominância deliberativa, cujas discussões e decisões são necessariamente coletivas. Existe uma diferença fundamental entre decidir e simplesmente opinar. Decidir exige "a discussão e a determinação de critérios e procedimentos. Quando se delibera, a responsabilidade é maior do que quando se opina" (ANTUNES, 2002, p.23).

Pode-se dizer que quando se delibera coletivamente o resultado das ações será sempre um resultado representativo de toda a comunidade escolar, a partir de um consenso por ela estabelecido. As ações que resultam desse consenso são mais verdadeiras, mais próximas da realidade.

Alguns elementos básicos justificam a ação de participar. O primeiro refere-se ao conceito de participação; o segundo pretende responder por que é importante e necessário participar; e o terceiro pretende traçar os fatores que impedem ou facilitam o processo de participação.

Conforme Lima e Jardim (2004, p.13) quando se trata de questões relacionadas à gestão da participação, "é preciso ter clareza de que a tarefa essencial da escola é a qualidade dos processos de ensino e aprendizagem".

Gadotti e Romão (apud LIMA e JARDIM, 2004, p. 13), mais enfáticos, afirmam:

[...] a participação influi na democratização da gestão e na melhoria da qualidade de ensino [...] todos os segmentos da comunidade podem compreender melhor o funcionamento da escola, conhecer com mais profundidade os que nela estudam e trabalham, intensificar seu envolvimento com ela e, assim, acompanhar melhor a educação ali oferecida.

Souza (1999) e Bordenave (1994) consideram a participação como o próprio processo de criação do homem ao pensar e agir sobre os desafios da natureza e sobre os desafios sociais nos quais, ele próprio está situado. A participação não é somente um instrumento para a solução de problemas, mas sim, uma necessidade fundamental do ser humano, como o são a comida, o sono e a saúde.

A participação é o caminho natural para o homem exprimir sua tendência inata de realizar, fazer coisas, afirmar-se a si mesmo e dominar a natureza. Além disso, sua prática envolve a satisfação de outras necessidades, não menos básicas tais como, a interação com os demais homens, a auto-expressão, o desenvolvimento do pensamento reflexivo, o prazer de criar e recriar coisas e ainda, a valorização de si mesmo pelos outros.

Bordenave (1994, p. 16) observa que o processo de participação é caracterizado por duas bases fundamentais: (1) uma afetiva: quando se participa pelo prazer em fazer coisas com outros; (2) outra instrumental: a participação se dá porque fazer coisas com outros é mais eficaz e eficiente do que fazê-las sozinho.

A participação pressupõe também, tipos e níveis de envolvimento, "em termos de mobilização de recursos e vontades, convocados ou empenhados na tentativa de defender certos interesses e de impor certas soluções [...] em formas de ação e de comprometimento mais ou menos militante[...]" (LIMA e JARDIM, 2004, p.76).

Nesse esteio, frise-se que os processos de gestão da escola vão além da gestão administrativa, pois, conforme o PROGESTÃO (Brasília, 2001), esses processos procuram estimular a participação de diferentes pessoas e articular aspectos financeiros, pedagógicos e administrativos para atingir um objetivo específico: promover uma educação de qualidade que "abranja os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações" (LEI nº 9.394 - DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL, art. 1º).

Segundo o PROGESTÃO "a democracia supõe a convivênciao diálogo entre pessoas que pensam de modo diferente e querem coisas distintas". A participação pressupõe a análise crítica dos interesses e necessidades estabelecidos no diálogo, em seu contexto local e global, que configura a própria conscientização. Observe-se:

O processo de conscientização é definido de duas formas: a consciência individual, que se concretiza pelo fato de o homem ter personalizado em si mesmo, os motivos e causalidades das necessidades e frustrações que requerem enfrentamentos coletivos, e responde individualmente a estes enfrentamentos; e a consciência social, que é aquela que o homem tem de si mesmo como ser social, assim como de suas necessidades e frustrações, o que requer um pensar e um enfrentamento comum daqueles que vivem em condição social semelhante (SOUZA, 1999, p.88-89).

A conscientização é o elemento propulsor do processo pedagógico de participar, que envolve a ultrapassagem da consciência individual para a consciência social dos problemas coletivos. A consciência social faz uma mediação com o circuito indivíduo sociedade espécie, conforme descrito em Morin:

Não se pode tornar o indivíduo absoluto e fazer dele o fim supremo deste circuito; [...] a sociedade vive para o indivíduo, que vive para a sociedade e a sociedade e o indivíduo vivem para a espécie. Cada um desses termos é ao mesmo tempo, meio e fim. É a cultura e a sociedade que garantem a realização dos indivíduos, e são as interações entre indivíduos que permitem a perpetuação da cultura e a auto-organização da sociedade. Assim, verdadeiramente humano significa o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie humana (MORIN, 2001, p.54-55).

Numa análise primária da história de nossa cultura é comum observar que os indivíduos não estão acostumados a participar. Isto é fruto de uma história política de paternalismo e poder centralizado que repercutiu seus efeitos desastrosos no ambiente escolar. Por isso, atualmente, para aprender a participar o grupo precisa, muitas vezes, da liderança de um educador capaz de desenvolver estratégias de participação, levando ao seu exercício.

O ideário participativo tem sua origem na concepção da "escola cidadã". Trata-se de uma articulação entre a consciência individual e coletiva que permite a construção de um cotidiano escolar democrático, onde se permita o exercício da criatividade, da liberdade, e, sobretudo, o exercício fraterno do conhecimento. Os Conselhos Escolares, portanto, confluem no sentido de formalizarem as aspirações democráticas do sistema educacional.

3.2. O IDEÁRIO DEMOCRÁTICO

A gestão democrática ou, por assim dizer, democrática, não tem implicações com uma sistemática dependente de comitês reunidos permanentemente, cujas resoluções fiquem condicionadas á desistência deste ou daquele participante. Tal gestão deve primar pelo dinamismo administrativo e pela objetividade. Os conselhos escolares, dessa forma, não podem estar adstritos à condição de células burocráticas, adeptas da mesma retórica que tanto agride a essência educacional, qual seja, escolarização irrestrita. Para tanto, os aspectos funcionais ou administrativos devem operar, como já mencionado, dentro da mais absoluta desenvoltura.

Segundo observa Souza (2001, p. 48) a descentralização administrativa, característica integrante das reformas educacionais propostas pelos organismos multilaterais, prevê a autonomia da escola apenas em nível de execução. Isso significa dizer que o gerenciamento interfuncional, ou seja, "aquele que olha para frente e direciona as melhorias" não deve ser descentralizado, o que exclui a escola de qualquer possibilidade de "determinar a direção em que o navio vai navegar", indicando então que, no que diz respeito à gestão da qualidade total na educação, a descentralização administrativa se dá apenas nas tarefas secundárias.

A participação é o caminho para haver gestão democrática na escola, no entanto são grandes os problemas na área da gestão participativa, uma vez que esta se fundamenta na participação de todos os membros de uma organização, em particular da instituição escolar. "A participação é uma vivência coletiva e não individual, de modo que somente se pode aprender na práxis grupal. Parece que só se aprende a participar, participando" (BORDENAVE, 1994, p. 74).

Uma administração autocrática, que centraliza todas as decisões em suas mãos, terá como resultado a geração de relações conflituosas no âmbito escolar, o que, certamente, contribuirá para o insucesso educacional. Sem dúvida, o diretor e sua equipe administrativa podem ter e têm uma enorme influência na eficácia da escola. O êxito escolar está ligado ao tipo de liderança que a escola possui. Quando na escola se observa que tudo está centrado apenas nas mãos de alguns poucos e que esses poucos não conseguem resolver os problemas educativos, sabe-se que o gestor está usando de seu poderio autoritário. Cabe ressaltar que:

[...] o cargo de diretor de escolas representa a configuração da autoridade administrativa ao nível do microssistema. Ele se apresenta como o responsável geral pelo desenvolvimento das atividades escolares e, consequentemente, pelo adequado desempenho de um grupo de profissionais com relação ao alcance de um objetivo estabelecido (ALONSO, 1985, p. 38).

Para a escola que adota a gestão participativa, sua direção representará mais um membro do corpo escolar. A centralização do poder nas escolas ainda é um dos maiores entraves, justamente porque as pessoas que são detentoras das decisões, por insegurança ou por medo de perder espaço, dificultam a participação de outros nas decisões, limitando apenas aos seus aliados opinar. Participar significa que todos podem contribuir, com igualdade de oportunidade, nos processos de formação discursiva da vontade. Para alguns a participação é apenas um processo de colaboração de mão única e de obediências às decisões da direção escolar. A observação de Mendonça (2000, p. 63), a respeito, é potencialmente valorosa:

A democratização da escola, em especial dos seus processos decisórios, não ocorreria apenas pelo aumento da participação daqueles que já são atuantes por força de seus deveres profissionais, mas pela inclusão dos que ainda são postos de lado em função dos mais variados argumentos.

Quem, de fato, no cumprimento do seu dever profissional (e porque não dizer, cívico) já está compromissado com o ideário participativo, tem o dever de atrair a participação dos outros sujeitos sociais à responsabilidade que vem implícita na participação.

Tal responsabilidade frise-se, diz respeito a todos os momentos e segmentos da estrutura escolar. Advirta-se que, por "estrutura escolar" tenha-se toda a conformação social que possibilita a educação, desde a família, passando pela comunidade no seu todo, pelo poder público e, finalmente, chegando à própria estrutura escolar que, necessariamente, deverá compor-se a partir de um requisito mínimo de exigências, seja do ponto vista físico (dependências, materiais, etc.), seja do ponto de vista orgânico (formação profissional, comprometimento, etc.).

Tenha-se também, que tal responsabilidade tem seu nascedouro naturalmente associado ao próprio exercício da cidadania, tendo inclusive bases amparadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)[2] que veio garantir, entre outras conquistas, a gestão democrática na escola. Assim, a educação brasileira conquista o direito de, efetivamente, refletir a necessidade e a importância da participação consciente dos diretores, pais, alunos, professores e funcionários com relação às decisões a serem tomadas no cotidiano escolar, na busca de um compromisso coletivo com resultados educacionais mais significativos.

3.2.1 O Pensamento Dialético em Relação à Gestão Democrática e à Cidadania

Uma primeira asseveração do educador Paulo Freire (2002, p. 85), com vistas à compreensão da educação, diz respeito à compreensão de como ele próprio se comporta em relação ao funcionamento do mundo e, por conseguinte, de como seria o comportamento dos diferentes sujeitos sociais:

O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da história, mas seu sujeito igualmente. No mundo da história, da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar.

Na crítica observação de Freire, é possível constatar-se a sinalização de que a sociedade brasileira é formada por diversos segmentos e grupos sociais que possuem diferentes condições materiais e existenciais, e por isso interesses contraditórios e opostos, inferindo a impossibilidade de que a educação possa servir neutramente aos diversos interesses.

Neste sentido, Freire enfatiza que a politização da educação enquanto "qualidade que tem a prática educativa de ser política, não poder ser neutra" (ibidem, 2002, p. 77),esclarecendo que:

[...] para que a educação fosse neutra, era preciso que não houvesse discordância nenhuma entre as pessoas com relação aos modos de vida individual e social, com relação ao estilo político a ser posto em prática, aos valores a serem encarnados. Era preciso que não houvesse, em nosso caso, por exemplo, nenhuma divergência em face da fome e da miséria no Brasil e no mundo; era necessário que toda a população nacional aceitasse mesmo que elas, miséria e fome, aqui e fora daqui, são uma fatalidade do fim do século (ibidem, p. 125).

Essa perspectiva propõe uma diversidade de possibilidades e de opções que exige de cada sujeito social um posicionamento frente ao mundo e frente à educação. Em se tratando de um mutualismo natural, Freire (2000, p. 58) observa que:

[...] a educação que, não podendo jamais ser neutra, tanto pode estar a serviço da decisão, da transformação do mundo, da inserção crítica nele, quanto a serviço da imobilização, da permanência possível das estruturas injustas, da acomodação dos seres humanos à realidade tida como intocável.

Em outras palavras, é possível afirmar (sempre a partir da ótica proposta por Freire) que a educação se prestará ao propósito que lhe for designado já que, sua condução, enquanto ferramenta política é operada ideologicamente. Ao atribuir-se à escola as características comuns à historização, é possível compreender os processos das reformas educacionais, seja no âmbito pedagógico, seja no âmbito político-institucional, e que, em sua maioria, trazem implícitas a qualidade de adaptar às mudanças que surgem na sociedade e naturalizar outras formas de poder e de racionalização técnica. Compreender a escola como fenômeno histórico requer compreensão de como se fundaram as bases da atual estrutura, as ações regulamentadas politicamente, e os limites instaurados como vieses determinantes.

Neste sentido, um dos aspectos mais relevantes apresentados pelo debate pedagógico, na atualidade, é a relação educacional com as estruturas sócio-produtivas da sociedade. Na história da humanidade tal relação determinou importantes aspectos do processo educativo. No período medieval e no mundo moderno, a despeito de suas diferenças históricas fatos semelhantes ocorreram, isto é, mudanças na dinâmica produtiva e no seu modus operandi facilitaram o processo de expansão do capital fazendo surgir transformações no trato da educação e da construção do saber.

Segundo Gadotti (2001), mais recentemente, o processo de mudança epistemológica sugere a necessidade de se refletir sobre o debate filosófico entre "aparência" e a "realidade"[3]. Para elucidar a questão, Gadotti (2001) apresenta a concepção dialética como fundamento à educação, ou seja, pensar a prática na perspectiva de apreensão da totalidade, na medida em que tornar a prática em um fundamento dialético constitua a produção de si mesmo. Para que se tenha, de fato, uma construção (uma prática) de educação fundamentada em princípios democráticos, é necessário que os sujeitos envolvidos exerçam por completo sua condição de cidadãos.

Neste sentido, o compromisso coletivo dosprofissionais da educação, e de todos que, de algum modo estejam comprometidos com o ideário educacional, não seria outro senão a humanização da formação para a cidadania por meio de conteúdos que desenvolvam "seres humanos fortes intelectualmente, ajustados emocionalmente, capazes tecnicamente e ricos de caráter" (FERREIRA, 2004, p. 113).

Conforme expressa Coutinho (2000, p. 50):

Cidadania como conceito que melhor expressa a reabsorção dos bens sociais pelo conjunto dos cidadãos e entendida como capacidade conquistada por alguns indivíduos, ou [...] por todos os indivíduos, de se apropriarem dos bens socialmente criados, de atualizarem todas as potencialidades de realização humana abertas pela vida social em cada contexto historicamente determinado.

A cidadania, no entanto, compreendida como soberania, implica autoconsciência. Sob as condições constituídas em conjunto com a formação da sociedade global, as possibilidades da autoconsciência, por mais que as possibilidades tenham sido multiplicadas, ainda são limitadas. Poucos são os que dispõem de condições para se informarem e para compreenderem a quantidade cada vez maior de informações recepcionadas. Na crítica observação de Coutinho (ibidem), "poucos são os que têm condições de se posicionarem diante dos acontecimentos mundiais, tendo em conta suas implicações locais, regionais, nacionais, continentais".

A cidadania é amplamente realizada, somente quando se criam as condições para a elaboração da autoconsciência, no sentido de consciência para si, de si mesmo e do meio no qual se está inserido. Conforme leciona Ferreira (ibidem, p. 114):

[...] isso significa criar condições plenas para todos os seres humanos no planeta, num processo de autoconsciência que só se dará pelo conhecimento, pelas condições dignas de vida e pela participação na vida societária mundial, o que vai exigir outra qualidade e quantidade de conhecimento a ser adquirido. Se está em curso a formação de um "novo cidadão do mundo", faz-se necessário entender esta contradição, pois a formação para a cidadania necessita apoiar-se na formação desse novo cidadão sem se descuidar da "cidadania" que lhe pertence como direito, pelo nascimento, em seu país. O estatuto e o valor da formação para a cidadania, hoje, necessitam se constituir de todos os elementos e recursos que permitam ao novo cidadão ter possibilidade de trânsito entre as culturas dos diferentes povos. E transitar com uma compreensão democrática de respeito a todas as diferenças e com a permanente possibilidade de acesso aos recursos necessários a essa formação, e que esta se assente em uma nova "ética humana" alicerçada na solidariedade e na justiça social, no respeito às diferenças e aos direitos de todos.

Tais compreensões e conteúdos são prioritários na formação para a cidadania. É, de fato, responsabilidade do profissional da educação que, tara tanto, deverá receber a formação e as condições dignas para que este compromisso profissional se efetive. Isso implica sólida formação e salários dignos que lhe permitam não só adquirir os bens culturais necessários à sua profissão como as condições de contínua qualificação. No entanto, é perceptível no conjunto das reformas, a falta de compromisso com a formação inicial, a supervalorização de uma política de formação que ocorre, em geral, de forma muito rápida e a inexistência de políticas de valorização desses profissionais.

Na verdade, a política de formação continuada de professores tem se tornado uma política de descontinuidade.

[...] caracteriza-se pelo eterno recomeçar em que a história é negada, os saberes são desqualificados, o indivíduo é assujeitado, porque se concebe a vida como um 'tempo zero'. O trabalho não ensina, o sujeito não flui, porque antropomorfiza-se o conhecimento e objetiva-se o sujeito. Neste sentido é possível questionar sobre o papel e as finalidades da formação dos profissionais da educação, por parte do Estado brasileiro, quando no contexto da reforma educacional se desrespeita essa formação pela desprofissionalização docente (COLLARES et al., 1999, p. 212).

A compreensão integral da articulação político-educacional permite que se tenha muito clara a importância de uma conduta cidadã para a realização dos objetivos sociais. Nenhuma proposta de gestão estará comprometida com os princípios democráticos, senão pela via da cidadania.

A construção da cidadania não se dará sem a intervenção, legitimada e reconhecida, dos cidadãos nas questões públicas. Neste sentido, o papel da educação é contribuir para que esta intervenção seja de qualidade, substancial e relevante.

Da mesma forma, a qualidade na educação será produto de relações no interior da escola marcadas pela interação e parceria entre os atores, saberes e práticas. Nenhuma proposta de gestão estará comprometida com os princípios democráticos, senão pela via da cidadania.


IV  GESTÃO DEMOCRÁTICA DA EDUCAÇÃO E SUAS RELAÇÕES COM A REALIDADE CAPITALISTA/GLOBALIZADA

4.1 A EDUCAÇÃO SOB O VIÉS CAPITALISTA

Em si mesmo, o capitalismo não seria nenhum modelo predador de gestão, vez que, a formação e conformação de uma sociedade plena em termos econômicos e, portanto, consumidora e mantenedora dos lastros necessários ao equilíbrio financeiro, são requisitos indispensáveis a qualquer estrutura política e social. Contudo, o capitalismo abandona tais premissas no momento em que se vê combatido por outras sistemáticas que não pensam a sociedade humana em termos de competitividade. Ao abandoná-las assume um comportamento muito mais rígido e um projeto de longuíssimo prazo.

Neste aspecto, Dobb (1988, p. 10) enfatiza que os "elementos importantes de cada nova sociedade, embora não forçosamente o embrião completo da mesma, acham-se na matriz da anterior, e as relíquias de uma sociedade antiga sobrevivem por muito tempo na nova". Em outras palavras, o capitalismo gera a si mesmo com base nas matrizes que, por ventura, o desafiem ou que o tenham inspirado anteriormente. Prova cabal do referido é o pensamento político-econômico hoje praticado na China, que inversamente ao mencionado, já que teórica e estruturalmente comunista, nutre-se dos ditames capitalistas.

Ratificando tal postulado, Marx (2005, p. 830), já alertava que "a estrutura econômica da sociedade capitalista nasceu da estrutura econômica da sociedade feudal. A decomposição desta liberou elementos para a formação daquela".

As necessidades da educação, e aqui não há de separar-se em pública ou privada, relacionam-se aos ideários pós-estruturalistas amplamente conectados à realidade globalizada. Evidentemente, a rede privada acerca-se de meios mais eficientes para a satisfação dessas necessidades, mas certamente em nada se diferem daquelas inerentes à rede pública. Ou seja, se as necessidades são as mesmas e os meios de satisfação são o que diferem na sua organização e gestão, há de se buscar uma na outra a solução de seus problemas, o que, frise-se, nada mais é que a implementação de parâmetros qualitativos. E por mais óbvio que pareça, uma realidade não é possível sem a outra; a educação pública só o é em função da educação particular e vice-versa. Um modelo, ou sistema, de incremento das funções administrativas aporta nas condicionantes previstas pelas assessorias.

Em sentido contrário a qualquer tese que, minimamente argua em defesa dos ditames capitalistas, Mészáros (apud FRIGOTTO, 2002, p. 66) observa que

[...] o capital esgotou sua capacidade civilizatória e agora tende a ser mera destruição dos direitos duramente conquistados pelos trabalhadores. Tal constatação e as contradições vividas na crise apontada na epígrafe acima, nos fazem constatar que, de um lado, a ideologia da globalização e, de outro, a perspectiva mistificadora da reestruturação produtiva embasam, no campo da educação, a nova vulgata da pedagogia das competências e a promessa da empregabilidade.

Há, de fato, uma orientação mais marcante em relação a uma pretensa empregabilidade decorrente da formação adquirida, mas isto não será necessariamente uma fraude ou mero apelo propagandista, desde que, conforme se vem colocando, as diretrizes e as decisões tenham origem em processos democráticos de gestão.

Não é razoável, certamente, que as condições gerais apresentadas pelo capitalismo, e mais recentemente pela sistemática proposta pela globalização, sejam simplesmente ignoradas, vez que o propósito de uma democracia de fato, permanece ainda, a uma distância considerável. A intermediação, contudo, dos meios de comunicação, aqui compreendidos como instrumentos de poder, criam medidas inexatas da realidade.

Para Ferreira (2004, p. 32):

[...] a história humana é marcada por certas "descontinuidades", não se desenvolvendo de uma forma uniforme. As transformações hodiernas e os modos de vida que a contemporaneidade fez surgir afasta-nos de todos os tipos tradicionais e pretendidos de organização social, de uma forma sem precedentes. Tanto em extensividade como em intensividade, as transformações científico-tecnológicas, econômico-sociais, ético-políticas, culturais e educacionais, na contemporaneidade, tornaram-se mais profundas do que a maior parte das mudanças características de todos os períodos históricos até então vividos. Tanto no plano da extensividade como em termos de intensividade, serviram para estabelecer formas de interligação social à escala do globo que vieram, contraditoriamente possibilitar e impossibilitar acessos e melhoria de vida ealterar algumas das características mais íntimas e pessoais da nossa existência cotidiana.

As "descontinuidades", referidas pelo autor, podem ser percebidas nas constantes alterações sofridas pelo sistema de ensino, quer em sua estrutura pedagógica, quer em suas alternativas de gestão, ou na sistemática profissional adotada. Tais fatos são emblemáticos e os principais propulsores de uma conduta cada vez mais presente no meio educacional, qual seja, a orientação participativa.

Castells (1996) observa que a economia globalizada desenvolve-se através de atividades estratégicas fundamentais, como a administração do capital e a gestão de empresas, de modo a funcionarem em escala planetária e em tempo real. Par tanto faz uso dos recursos tecnológicos proporcionados pelas telecomunicações, sistemas e redes informatizadas.

Nas palavras de Alvim Toffler (apud CASTELLS, ibidem, p. 73), "uma das principais características da nova era do conhecimento, é a aceleração dos processos de mudança, das instituições, das empresas, da cultura, das organizações [...]". Ingênuo, portanto, imaginar que tal não ocorra com a educação.

A consideração das necessidades educativas quer sejam relativas ao ensino, ao currículo, ao planejamento ou à avaliação, quer sejam de supervisão ou gestão, dentro desta complexa malha de relações e informação, é de suma importância, pois de algum modo afetará as questões conceituais, metodológicas e operacionais.

Tal realidade reflete tanto pensamentos ideológicos e teóricos diferenciados como a impossibilidade da atualização necessária sobre os avanços do conhecimento científico e tecnológico e sobre os impactos que o mundo globalizado e o capitalismo ocasionam no comportamento de todos os atores do fenômeno educativo e da sociedade em geral.

Este nível de complexidade põe em evidência a importância e necessidade da consideração da dimensão ética nas relações humanas, nas relações de trabalho e nas relações sociais mais amplas. Embora propugnando pela aplicação da administração empresarial na escola, a maioria dos teóricos da Administração Escolar não vêem uma identidade absoluta entre empresa e escola, identificando, nesta, características específicas que precisam ser levadas em consideração.

Ferreira (2004) adverte que tais teóricos consideram a peculiaridade dos objetivos da organização escolar, onde as empresas em geral visam à produção de um material tangível ou de um serviço determinado, imediatamente identificável e de fácil avaliação. A escola visa a fins de difícil identificação e mensuração, quer devido ao seu caráter, de certa forma, abstrato, quer em razão do envolvimento inevitável de juízos de valor em sua avaliação.

Outra especificidade da escola diz respeito ao seu caráter de instituição prestadora de serviço, que lida diretamente com o elemento humano. Outro fator de relevância importante seria a mão de obra na empresa escolar, onde a própria natureza do trabalho desenvolvido consiste na transmissão e crítica do saber, envolvendo o comportamento humano.

A gestão da escola com a participação da comunidade e da família é a abertura da escola para a interdependência mundial na construçãodoconhecimento. Faz-se necessária a descentralização administrativa. É necessária uma participação maior dos sujeitos envolvidos no processo educacional no interior da escola. É fundamental promover formas consensuais de decisões para prevenir conflitos e resistências na implantação de medidas consideradas indispensáveis a organização do processo educacional.

4.2 O EXERCÍCIO DA CIDADANIA COMO PREMISSA DA GESTÃO DEMOCRÁTICA

A compreensão do significado da gestão democrática da educação necessita, a partir do seu sentido etimológico, ser vinculada às exigências do mundo globalizado com toda a sua complexa rede de determinações, tendo como referência fundamental a formação para a cidadania.

Em sentido amplo, gerir significa tomar decisões, administrá-las. Quer no âmbito da organização, quer no âmbito das relações, a gestão tem como atividadeimpulsionar uma organização a atingir seus objetivos, cumprir suas responsabilidades. Gestão da educação, segundo Saviani (2003, p. 120), significa "ser responsável por garantir a qualidade de uma mediação no seio da prática social global".

Os princípios da gestão democrática devem assegurar uma educação comprometida com a "sabedoria de viver junto respeitando as diferenças", comprometida com a construção de um mundo mais humano e justo para todos os que nele habitam, independentemente de raça, cor, credo ou opção de vida (FERREIRA, 2004, p. 306-307).

Segundo Apple e Beane (1997, p. 16-17), existem sete condições básicas para que se possa chamar uma escola de "escola democrática". São elas:

1)o fluxo livre de idéias, independentemente de sua popularidade, que permite às pessoas serem bem informadas;

2)féna capacidade individuale coletiva de as pessoas criarem condições de resolver problemas;

3)o uso da reflexão e da análise críticapara avaliar idéias, problemas e políticas;

4)preocupação com o bem-estar dos outros e com o bem comum;

5)preocupação com a dignidade e os direitos dos indivíduose das minorias;

6)a compreensão de que a democracia não é tanto um ideal a ser buscado, mas uma prática diária do indivíduo para com o coletivo;

7)a organização de instituições sociais para promover e ampliar o modo de vida democrático.

Observadas tais condições, há de se ter em mente que a gestão democrática tem como sentido a tomada de decisões, a organização e o direcionamento das políticas educacionais que se desenvolvem na escola comprometida com a formação da cidadania, no contexto da complexa cultura globalizada. Isso significa aprender com cada proposta diferenciada que se coloca, com suas razões e lógica, com seus costumes e valores que devem ser respeitados, justamente por se constituírem contribuições da produção humana.

Estas compreensões têm como objetivo, se possível, "iluminar" um campo profissional "minado" de todas essas incertezas e inseguranças, tornando-o conseqüente com o próprio conceito e nome, a fim de tomar decisões sobre como formar e como garantir a qualidade da educação a partir de princípios e finalidades definidos coletivamente, comprometidos com o bem comum de toda a humanidade. Trata-se de um compromisso de quem toma decisões  a gestão , de quem tem consciência do coletivo  democrática , de quem tem a responsabilidade de formar seres humanos por meio da educação. Assim se configura a gestão democrática da educação que necessita ser pensada e ressignificada na "cultura globalizada", imprimindo-lhe outro sentido (SAVIANI, 2003, p. 120-121).

A cultura globalizada significa uma poderosa imagem cultural que exige um novo nível de conceituação de todas as inúmeras e incontáveis culturas locais, regionais, estatais, ocidentais e orientais, divulgadas ao mundo que assiste a este multiculturalismo, o qual necessita ser acatado e respeitado. A cultura globalizada é a expressão que contém a diversidade de tudo e de todos na unidade dos limites do mundo.

Trata-se de um conceito contraditório que necessita ser compreendido para se poder empreender a gestão democrática da educação. O novo sentido da gestão democrática da educação é o de humanizar a formação nesta "cultura globalizada" dirigida, virtualmente, pelo capitalismo. Este novo sentido exige que os educadores  professores, pais, gestores, políticos e todos que tomam decisões sobre os destinos da humanidade  comecem a inquietar-se com as conseqüências psicológicas e sociais que os excessivos uso e consumo de universos virtuais criam. Uma "realidade irreal" que passa a constituir-se em um "virtual real".

A compreensão de gestão como tomada de decisões, é melhor apreendida com a contribuição de Cury (2002), quando salienta que este termo também provém do verbo latino gero, gessi, gestum, gerere, que significa: levar sobre si, chamar a si, exercer, gerar. Assim, como em um dos substantivos derivados deste verbo, gestatio (gestação), percebe-se o ato pelo qual se traz em si e dentro de si algo novo, diferente: um novo ente. "Da mesma raiz provêm os termos genitora, genitor, germen. A gestão, neste sentido, é, por analogia, uma geração similar àquela pela qual a mulher se faz mãe ao dar a luz a uma pessoa humana" (CURY, ibidem, p. 164).

A gestão implica um ou mais interlocutores com os quais se dialoga pela arte de interrogar e pela paciência em buscar respostas que possam auxiliar no governo da educação segundo a justiça. Nessa perspectiva, a gestão implica o diálogo como forma superior de encontro das pessoas e solução de conflitos (CURY, ibidem).

Respeito, paciência e diálogo como encontro de idéias e de vidas "única forma superior de encontro" dos seres humanos, os únicos seres vivos que possuem esta condição e possibilidade e que não a utilizam. Diálogo, como o fundamental caminho em todas as suas possíveis formas, entendido como "o reconhecimento da infinita diversidade do real que se desdobra numa disposição generosa de cada pessoa para tentar incorporar ao movimento do pensamento algo da inesgotável experiência da consciência dos outros (FERREIRA, 2004, p. 172).

Desta forma, é possível afirmar que o diálogo é, de fato, uma disposição de abrir-se ao semelhante que irá somar compreensões convergentes ou divergentes no sentido da construção da humanização das relações e, conseqüentemente, da democratização das decisões.

Conforme colocação de Oliveira (2005, p. 17), existe nas sociedades capitalistas atuais uma desigualdade no tratamento dispensado, nas oportunidades de escolha e nos direitos dos diferentes indivíduos, o que limita a possibilidade de se atingir uma sociedade igualitária onde cada um deve ter "possibilidades de escolher um caminho de vida próprio, de poder ser respeitado nestas escolhas e de poder viver de modo digno e satisfatório em qualquer alternativa, de acordo com suas próprias aptidões, desejos e valores".

Desta forma, a reprodução das diferenças sócio-econômicas é então fortementeacentuada. O capital, cada vez mais concentrado nas mãos de poucas pessoas, torna-se um indicativo de que o envolvimento com a realidade educacional seria mera perda de tempo, já que é tão mais necessário atingir-se outros objetivos mais imediatos, como, por exemplo, alimentação e moradia.

Oliveira (ibidem) percebe com clareza o reflexo desta situação na escola, na medida em que ela reflete as mazelas da sociedade e gera um círculo vicioso. Genericamente, quanto menores as possibilidades em se ter uma educação de qualidade, menos chance de se ter um bom emprego, conseqüentemente menor o salário e com isso tem-se diminuídas as possibilidades de dar à família boas condições de saúde, moradia e educação, reiniciando assim o processo.

Afora a situação socioeconômica descrita, a inúmeras realidades culturais também promovem enfrentamentos de difícil equacionamento. Segundo Oliveira (ibidem p. 57), os inúmeros "parâmetros" e "referenciais" que norteiam os currículos escolares, tratam as diferenças culturais de forma vertical e autoritária, considerando ausência de cultura tudo aquilo que não consta destes documentos ou que seja oriundo de pertencimentos étnicos, de gênero ou de idade. Os conteúdos educacionais não podem ser uma imposição estanque, fixa, inegociável, ao contrário, devem ser conteúdos flexíveis que permitam a formação crítica do educando. Tais conteúdos devem formatar uma educação inovadora, como nas palavras de Paulo Freire:

[...] uma educação completamente diferente da colonial [...] uma educação pelo trabalho, que estimule a colaboração e não a competição. Uma competição que dê valor à ajuda mútua e não ao individualismo, que desenvolva o espírito crítico, a criatividade e não a passividade. Uma educação que se fundamente na unidade da prática e a teoria, entre o trabalho manual e o trabalho intelectual e que, por isso, incentive os educandos a pensar certo [...] Uma educação política, tão política quanto qualquer outra educação, mas que não tenta passar por neutra. Ao proclamar que não é neutra, que a neutralidade é impossível, afirma que a sua política é a dos interesses do nosso povo [...] (FREIRE, Paulo apud SCOCUGLIA, 2001, p. 93).

A questão, em suma, é perfazer uma educação que, sintonizada com os avanços sóciopolíticos pela via da globalização, não perca os conteúdos básicos de qualquer atividade que tenha por premissa a transmissão de conhecimento. Qualquer postura adversa não poderá ser chamada de educação.

A Gestão Democrática deve ser compreendida não somente como uma nova maneira de administrar a escola, vislumbrando um novo paradigma com pressupostos, idéias, fundamentos que sustentem e orientem a ação, mas também, como a única forma capaz de compactuar os diversos modelos humanistas que proliferam em teoria e prática (e a globalização não seria, em tese, uma exceção). É imprescindível compreender o que significa autonomia, descentralização, participação. É preciso mudar a mentalidade, a ação e, com paixão, acreditar na possibilidade de uma nova escola.

A nova educação tem eixos bem definidos, identificados como pedagógico, administrativo e relacional, que envolvem, ao mesmo tempo, a forma, o processo e o produto das ações da escola. Eles interagem nas suas ações e geram uma participação real que constitui uma constantedemocratização da escola. Gadotti (2004, p. 44) ensina que "o eixo pedagógico funciona como impulsionador das ações, buscando sua intercomplementaridade com o eixo administrativo".

As decisões acontecem num processo participativo que termina por compor a comunidade escolar, que não só participa das decisões como também se responsabiliza pela execução e avaliação das ações realizadas. Quanto mais autonomia participativa, mais forte e com mais identidade se apresenta na escola. O eixo pedagógico se movimenta pela proposta pedagógica que possibilita desenvolvimento do currículo através da ação de docentes e especialistas, tendo como centro do processo, o aluno. Esse processo deve ser de qualidade, avaliado a partir da aprendizagem dos alunos (GADOTTI, 2004).

O eixo relacional centra-se, pois, nos processos participativos que acontecem na escola, não apenas com seus diferentes segmentos, direção, professores, pais, funcionários, alunos, mas também em parcerias com outras instituições da comunidade. A síntese da proposta de ação dos eixos é expressa através do Projeto Político Pedagógico (PPP) da Escola.

A operacionalização das ações constitui o processo de desenvolvimento, acompanhamento e aperfeiçoado a partir do Planejamento Participativo. A descentralização não pode ser entendida como uma transferência de cargos, mas, entendida como fortalecimento da organização escolar que, ao possuir maior autonomia, define sua identidade, redefine o seu papel e o dos diferentes segmentos envolvidos, superando os processos centralizados e centralizadores existentes, fundamentados na natureza técnico-burocrática da administração dos sistemas de ensino. O eixo administrativo se movimenta através de uma gestão democrática planejada e desenvolvida através de ações necessárias para a efetivação da proposta pedagógica.

4.2.1 A Escola Cidadã

Educação enquanto direito do cidadão é um dever do Estado. Enquanto dever do Estado, a Educação deve ser assegurada pelo Estado. O Estado nada mais é que uma sociedade política, sociedade civil com legitimidade, legalidade, soberania, regimes políticos, formas de governo e democracia. Ou seja, é o conjunto de instituições que compõem ou exercem o poder político numa sociedade territorialmente delimitada.

Segundo Weber (1999, p. 39) é o Estado que detém o "monopólio legal dos meios de violência". Ao Poder Executivo cabe a responsabilidade pela coerção legal; os demais órgãos de administração do Estado são o Poder Judiciário e o Poder Legislativo. O governo, geralmente identificado com o Estado ou com o poder Executivo, é o conjunto de mecanismos específicos para a tomada e a implementação de decisões dentro do Estado, num período determinado. O Estado tem seu caráter de permanência, enquanto os governos se referem a situações transitórias, mas a estrutura do Estado permanece. Na visão liberal, o Estado tem a finalidade de prover as condições para o livre desenvolvimento das atividades particulares na sociedade civil, ou seja, dos cidadãos comuns.

É fácil perceber como a visão liberal do papel e das funções do Estado se revela insuficiente para atender às necessidades das sociedades contemporâneas, sobretudo, na perspectiva democrática. Para que se possa falar em democratização do ensino, é preciso abolir a separação rígida entre sociedade civil e Estado, no sentido de que a sociedade deva intervir no estado dos partidos e da representação política, como também, no mecanismo de democracia direta, para a participação popular efetiva no exercício do poder político e para o controle sobre a ação do Estado, este tem a obrigação de intervir para a promoção e garantia dos direitos essenciais de toda a população - direitos políticos, econômicos, sociais, culturais. É aí que entra o dever do Estado em garantir educação para todos, desde a educação infantil até o ensino superior, e esta deve ser uma educação de qualidade.

A escola reflete o modelo de Estado presente na sociedade. O Estado no Brasil tem se posicionado, historicamente, a favor dos grupos mais abastados, estes sim, tratados como cidadãos. A escola pública no país reflete a sociedade de classes e, no tocante à cidadania, vive situações nas quais há explicitamente a sua negação. No entanto, algumas experiências nos dão conta de que a escola pública de qualidade, direito do cidadão, é possível. O papel dos movimentos sociais, organizados na sociedade civil, impõe-se como condição para compreender essa dinâmica.

A cidadania plena deve compreender direitos políticos, civis, sociais. Segundo Mozzicafredo (1997), a cidadania, enquanto categoria política e social constitutiva das sociedades modernas surge a partir da idéia de que os indivíduos sejam membros de uma comunidade política, traduzindo-se em primeiro lugar na defesa da liberdade.

A discussão sobre a escola cidadã insere-se diretamente na discussão dos direitos sociais, embora a sua realização relacione-se com a ampliação das conquistas de direitos políticos e civis. Neste contexto, a situação do serviço público como coisa de ninguém ou de todos, que não tem um sujeito ou uma instância de controle, como serviço de segunda categoria, ou favores desprovidos de fiscalização, coloca a educação como apenas mais um serviço de baixa qualidade. É notória, a presença da negação da cidadania pelo impedimento do direito à escola, pela transformação desse direito em doação ou favor do Estado.

Essa situação de respeito à cidadania não é nova, ela começa no país desde a sua colonização. Segundo Freitag (1986), a forma como foi feita a colonização das terras brasileiras, e como se deu a evolução da distribuição do solo, da estratificação social, do controle do poder político, aliados ao uso de modelos importantes de cultura letrada, condicionaram o sistema educacional do Brasil.

A necessidade de manter os desníveis sociais teve, desde então, na educação escolar, um instrumento de reforço das desigualdades. Nesse sentido, a função da escola foi a de ajudar a manter privilégios de classes, apresentando-se ela mesma como uma forma de privilégio, quando utilizou os mecanismos de seleção escolar e de um conteúdo cultural que não foi capaz sequer de uma preparação eficaz para o trabalho. Ao mesmo tempo em que ela deu à camada dominante a oportunidade de se ilustrar, ela se manteve insuficiente e precária, em todos os níveis, atingindo apenas uma minoria que nela procurava uma forma de conquistar ou manter status.

Segundo Gadotti (2004) toda escola pode ser cidadã, enquanto realizar uma concepção que vise:

a) Formação para a cidadania. A escola pode incorporar milhões de brasileiros à cidadania ativa e deve aprofundar a participação da sociedade civil organizada nas instâncias de poder institucional; b) A educação para o desenvolvimento. A educação é condição "sine qua non" para o desenvolvimento do país. A educação básica é um bem muito precioso e de maior valor para o desenvolvimento do que as riquezas naturais, inclusive, de maior valor do que o próprio domínio da tecnologia (idem: 87).

Se o Estado, a sociedade civil e a sociedade econômica entenderem melhor qual é o papel da educação na formação para cidadania e para o desenvolvimento nacional, encontrarão com mais facilidade os recursos para a construção de uma escola de qualidade para todos.

O Brasil passou por um primeiro momento em que a educação estava entregue unicamente em mãos da iniciativa privada que julgou oferecer uma escola de qualidade, mas para poucos. Passou por uma forte intervenção do Estado que conseguiu expandir as oportunidades educacionais, mas sem oferecer a mesma qualidade. Hoje se vive um momento diferente. Um momento de busca de síntese entre qualidade e quantidade.

A discussão sobre o caráter público ou privado do ensino tem gerado as mais acaloradas controvérsias. De um lado, tem se colocado uma concepção neoliberal que confunde direitos privados com privatismo; de outro, aparecem os que advogam o ensino público, justificando em seu nome, todas as iniciativas perdulárias, ineficientes e ineficazes, tanto do ponto de vista da quantidade quanto da qualidade dos serviços prestados, caros ao erário e nobres na remuneração de seus agentes. Consenso existe, porém, quanto à crise do ensino, não só em termos de cobertura, como também, e principalmente, no que se refere à sua qualidade (GADOTTI, 2004).

Experiências pontuais e localizadas têm demonstrado sua possibilidade concreta, tanto no universo das escolas oficiais, quanto no das particulares, entretanto, para que possam ter significado no conjunto do subsistema do ensino fundamental, é necessário que elas sejam resgatadas e inseridas numa concepção mais globalizante. Algumas posições teóricas e experienciais, tentativas de superação das dificuldades políticas, pedagógicas e administrativas têm se desenvolvido no país, embora de maneira incipiente. Certas posturas ou condutas nasceram da importância do Poder Público face às demandas relativas ao ensino fundamental, outras inspiradas em concepções e experiências estrangeiras, partem da idéia que discute o caráter público exclusivo da instituição escolar estatal.

Inúmeros são os problemas que atingem a escola, e agravam-se com o atual estágio de mudanças em todas as esferas da sociedade contemporânea. Como salienta Gadotti (2004), a crise paradigmática também atinge a escola e ela se pergunta sobre si mesma, sobre seu papel como instituição numa sociedade pós-moderna e pós-industrial, caracterizada pela globalização da economia, das comunicações, da educação e da cultura, pelo pluralismo político, pela emergência do poder local.

A situação das escolas brasileiras é conhecida de todos. De um lado, as escolas oficiais, objeto do constante jogo de interesses políticos menores, prejudicadas pelo "burocratismo", pela inércia, pelo autoritarismo, pelo clientelismo e pelo corporativismo, e de outro, as particulares, acessíveis apenas aos que podem arcar com pesadas mensalidades, administradas como empresas altamente lucrativas, antidemocráticas, especialmente no que diz respeito ao acesso aos servidores e à publicidade de suas finanças. Evidentemente, existem exceções a essa regra geral.

A construção da escola cidadã pressupõe, concomitantemente, a construção de relações sociais efetivamente democráticas e igualitárias. Ou seja, a luta pela cidadania, no campo educacional, é a mesma luta pela cidadania que constrói a emancipação humana no conjunto das lutas sociais. O principal desafio, neste particular, para os educadores, é o de não transgredir no campo dos valores e no âmbito da leitura crítica da realidade. Para os educadores, é fundamental firmar como princípio básico universal a igualdade, a solidariedade e a democracia efetiva.

Conforme leciona Freire (1985), o problema que se coloca àqueles que, mesmo em diferentes níveis, se comprometem com o processo de libertação, enquanto educadores, dentro do sistema escolar ou fora dele, é saber o que fazer, como, quando, com quem, para quê, contra quê e em favor de quê. Portanto, uma educação para a cidadania deve ser conscientizadora desses direitos, bem como da importância da participação da sociedade na reivindicação dos mesmos. Logo "educar para a cidadania" deve ser o objetivo político de cada área de ensino, fazendo da cidadania uma questão interdisciplinar por excelência. Este é um caminho que leva à construção do que se chama hoje "escola cidadã", e cujos eixos norteadores são:

[...] a integração entre educação e cultura, escola e comunidade [...], a democratização das relações de poder dentro da escola, o enfrentamento da questão da repetência e da avaliação, a visão interdisciplinar e transdisciplinar e a formação permanente dos educadores (FREIRE, 1985, p. 40).

Na condução de uma fé inabalável na educação como constituinte e edificadora do próprio cidadão, Freire preceituava o "indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado", e acreditava que a escola plenamente cidadã só se concretizaria quando as minorias se dessem conta que, em verdade, são a maioria.

[...] as chamadas minorias, por exemplo, precisam reconhecer que, no fundo, elas são a maioria. O caminho para assumir-se como maioria está em trabalhar as semelhanças entre si e não só as diferenças e assim criar a unidade na diversidade, fora da qual não vejo como aperfeiçoar-se e até como construir-se uma democracia substantiva, radical (FREIRE, 1985, p. 72).

Há de se concluir, então, que "escola cidadã é escola autônoma, e, portanto escola de qualidade política", pois destinada a todos e sob todas as perspectivas proporcionadas pela diversidade. Somente assim a escola conseguirá atender as necessidades típicas do tempo-espaço atual, definido pela velocidade das mudanças globais.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A primeira e mais evidente constatação que emerge de um modelo de escola cidadã diz respeito às possibilidades democráticas de sua gestão. Uma instituição multidimensional que atue amplamente relacionada aos aspectos da vida do aluno, ao bem-estar físico (saúde, higiene, alimentação), ao desenvolvimento como ser social e cultural e à qualificação como ser político, precisa ser organizada de tal forma que os aspectos reguladores e repressivos, inerentes à ordem institucional, sejam dirimidos pela riqueza das experiências democráticas ali vivenciadas. Uma primeira condição é que esteja efetivamente aberta à participação da família e da comunidade.

A educação escolar reúne hoje as melhores condições de abrigar ações intencionais com vistas à formação de uma condição emancipada. A estrutura organizacional da escola, bem como os seus conteúdos curriculares, são sempre frutos da posição político-cultural predominante em cada momento histórico específico. Portanto, quando se faz essa assertiva, não se independe da orientação que lhe impõem as forças políticas que efetivamente a implantam e a controlam. Mas o fato, de a escola - aqui também vista, em sua dimensão de fenômeno histórico de longa direção - permanecer sendo, a despeito de tudo, uma experiência coletiva universal, interpessoal, não mediática e com razoável margem de ação autônoma, já lhe garante um lugar fundamental nos processos políticos hodiernos que apontam para o caminho do desenvolvimento democrático.

Segundo a Constituição Brasileira de 1988, a educação é dever dos pais e responsabilidade conjunta do Estado, da família e da sociedade. Os pais são co-responsáveis pela educação dos filhos. Conseqüentemente são co-responsáveis por sua escolarização e pelo funcionamento da escola. Recentes avanços na legislação educacional, decorrentes de pressões e da modernização de diversos setores da sociedade, vêm ampliando o espaço para os pais participarem de decisões fundamentais sobre a escola de seus filhos. Em grande número de redes de ensino, a participação dos pais no colegiado escolar vem se tornando um instrumento legal, oficial e essencial para a gestão escolar.

Com a transformação do tecido social, altera-se de imediato a demografia, os valores e as expectativas a respeito das instituições, inclusive a escola, e sofrem profundas alterações. Não existe mais - se é que algum dia tenha existido - uma unanimidade de opiniões a respeito do que é e do que deve ser uma escola. Dentro de cada comunidade escolar, as expectativas também se tornam muito variadas - nem todos os pais pensam e esperam o mesmo da escola freqüentada por seus filhos. Até entre os pais que participam é normal encontrar profundas divergências de opinião, uns querem uma escola mais fácil; outros, mais difícil; uns acham que o "dever para casa" é pouco, outros acham demasiado; uns querem ser envolvidos com o estudo dos filhos e se sentem marginalizados, outros reclamam que não sabem ou não podem participar. Uns elogiam e outros criticam os professores por serem muito liberais ou por exigirem disciplina.

Em relação à participação da comunidade na escola, vale lembrar que é parte de transformações maiores que vêm acontecendo na sociedade. Não se trata de uma concessão que o diretor pode ou deve fazer, ou que as redes de ensino permitem ou proíbem. Trata-se de uma realidade que se manifesta em diferentes graus de naturalidade e diferentes formas em cada rede de ensino e em cada comunidade escolar. Nem sempre é fácil conviver com as famílias dos alunos e vivenciar de perto suas dificuldades sem poder fazer muita coisa de imediato. As soluções virão sempre de um trabalho de equipe envolvendo professores, os próprios alunos, voluntários e serviços sociais da comunidade. Ademais, cabe ao diretor um longo processo de preparar a escola e os professores para receberem, acolherem e dialogarem com os pais de forma compreensível, respeitosa e produtiva.

Partindo desse princípio, é interessante repensar a forma como se vêmdesenvolvendo as atividades escolares, de modo que se possa levar em consideração as necessidades pedagógicas, sociais e culturais dos alunos, contemplando as ações interativas e ampliando horizontes, para que a escola seja um espaço de trabalho rico de novas possibilidades pedagógicas e motivador de grandes transformações para o ser humano em formação.

Basilar e incontestável, portanto, a afirmação de não há democratização possível, ou gestão democrática da educação ao lado de estruturas administrativas burocratizadas e, conseqüentemente, centralizadas e verticalizadas, características infelizmente presentes nos organismos brasileiros na área da educação. A Gestão Democrática, participativa e descentralizada deve fundamentar-se em princípios de flexibilidade, transparência, fiscalização e ação participativa.

A Gestão Democrática deve ser um instrumento de transformação das práticas escolares, tornando-se o seu maior desafio, pois envolverá a formulação de um novo projeto pedagógico. A ação dos professores torna-se fundamental, pois a sua organização e compromisso poderão criar as condições para uma ampla reformulação da prática escolar, em busca de um novo modelo pedagógico. O modelo pedagógico fundamentado numa concepção democrática do projeto educativo deverá ser construído a partir de um projeto coletivo gestado com a presença de alunos, pais e demais segmentos da escola.

A participação de alunos, funcionários, professores, pais, enfim, a participação de toda a comunidade, garante o sucesso da gestão democrática, pois todos participam das decisões tomadas, todos têm acesso igualitário às informações de todos os segmentos da comunidade escolar e a aceitação da diversidade de opiniões e interesses.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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APPLE, Michael; BEANE, James (orgs.) Escolas democráticas. São Paulo: Cortez, 1997.

BORDENAVE, Juan Dias. O que é participação? 8. ed. - São Paulo: brasiliense, 1994.

BRASIL. PROGESTÃO: como promover, articular e envolver a ação das pessoas no processo de gestão escolar? Módulo II  Luiz Fernandes Dourado; Marisa Ribeiro Teixeira Duarte  coordenação geral de Maria Aglaê de Medeiros Machado.  Brasília: CONSED  Conselho Nacional de Secretários de Educação, 2001.

BUFFA, Ester. Educação e cidadania: quem educa o cidadão? 6. ed. - Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1995.

CASTELLS, Manuel. Novas perspectivas críticas em Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.


[1] Comenius é o nome latinizado do humanista tcheco Jan Ámos Komensky (1592-1670). Escreveu a obra em epígrafe em 1638, tornando-o um precursor da educação moderna (Grande Enciclopédia Larousse Cultural, 1995: 1513-1514),

[2] A LDB, em seus artigos 14 e 15, apresenta as seguintes determinações: Art. 14  Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I. Participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II. Participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. [...] Art. 15  Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas de direito financeiro público.

[3] Alusão à clássica discussão entre os filósofos Platão e Parmênides acerca da aparência e significado das coisas.


Autor: Keilla Michelle


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